Segunda-feira, 17 de Janeiro de 2011

Fiat Lux, a propósito de CDS: apenas uma nota pessoal - 1 – por Júlio Marques Mota

 

Os nossos agradecimentos à colega Manuela Silva, minha antiga professora de tempos idos e nessa qualidade presente em  memórias que a crise não levou  e que o tempo veio seriamente a reconhecer pelo seu trabalho inovador de então,  pela calorosa recepção às duas versões deste texto que previamente lhe foram entregues, expressa no seu blog: http://http://areiadosdias.blogspot.com/

E  aproveito para saudar a iniciativa  de que terá sido um dos promotores, o manifesto Para uma nova economia, Uma tomada de posição pública, presente no mesmo blog, um texto que pessoalmente consideramos de leitura obrigatória.

 

Informamos os visitantes de Estrolabio que  o texto:

 Fiat Lux, a propósito de CDS: apenas uma nota pessoal

foi escrito com a finalidade de servir de apoio a um texto de Henri Sterdyniak  a apresentar ainda esta semana, sobre a crise na Europa.

 

Júlio Marques Mota

 

O que é um CDS, um Credit Default Swap?

 

Um CDS, Credit Default Swap, é um contrato bilateral, um swap, inscrito fora de balanço, entre duas contrapartes: uma, o vendedor (dito também writer ou seller), oferece ou vende à outra parte, o comprador (buyer), a protecção contra o risco de um acontecimento de crédito sobre títulos de crédito de uma terceira parte, a entidade de referência (reference name ou devedor de referência), contra o pagamento de prémio de risco, a que se chama taxa de CDS ou ainda spread. Desta forma o CDS é, portanto, um derivado de crédito pois é um produto financeiro que tem como subjacente um crédito ou um título representativo de um crédito e tem como finalidade a transferência do risco relativo a esse mesmo crédito, o subjacente, do comprador do CDS para o vendedor do CDS, sem a transferência dos activos considerados e sobre os quais se coloca o risco de crédito. O risco de crédito é assim transferido através do CDS da entidade de referência, da entidade de quem se receia um acontecimento de crédito, para o vendedor da segurança contra o risco, o seller, em quem se confia. Este próprio, o fornecedor da segurança, pode entrar em situação de falência e veja-se o caso da AIG. Neste,, o segurado deixou assim de ficar segurado.

 

A entidade de referência, a terceira parte, a que se refere a transacção pode ser uma empresa, um banco ou um Estado. No caso de ser um Estado, os CDS começaram inicialmente por ser utilizados na cobertura de risco sobre as emissões de títulos da dívida soberana quando emitidos em moeda estrangeira - como exemplo, os títulos da Grécia emitidos em ienes ou dólares e não em Euros, o que deu azo ao famoso swap com a Goldman Sachs -para assim proteger, portanto, o comprador dos títulos do risco da variação cambial. A protecção era portanto essencialmente feita sobre os títulos da dívida pública emitidos em moeda estrangeira mais do que sobre os títulos emitidos em moeda nacional.

 

As duas contrapartes do CDS, vendedor e comprador, são geralmente bancos, companhias de seguros, hedge funds, os chamados fundos especulativos de alto risco, mas podem sê-lo igualmente grandes empresas ou mesmo Estados.

 

 

A sublinhar que antes da crise financeira, os CDS sobre a dívida soberana dos países desenvolvidos eram praticamente inexistentes. Estes ganharam importância com a crise financeira e mais ainda ganharam importância com os crescentes compromissos financeiros para salvar os bancos (aumento dos limites de garantia dos depósitos, a recapitalização dos bancos, as garantias das dívidas bancárias) e depois com os défices públicos pelo estímulo à economia e adicionalmente com os efeitos de tesoura sobre as contas públicas: a recessão instalava-se, as despesas públicas aumentavam e as receitas públicas, pela recessão diminuíam. Por estas vias deslocou-se o risco de crédito das instituições financeiras para o Estado. Por essa via, e refeitos do seu desastre, as instituições financeiras colocaram-nos perante um outro desastre: passaram a atacar aqueles que os recuperaram e exactamente até sobre os instrumentos que de que os Estados se serviram para os apoiar: os títulos utilizados para os colocar em funcionamento e solváveis. A partir daí, nos mercados financeiros criou-se o problema do défice soberano, a seguir criou-se o problema da dívida soberana e, como se isto não chegasse, criou-se depois o problema da balança corrente, país a país, mesmo que se esteja numa zona monetária onde não existe problema de taxa de câmbio no seu interior, como o caso na União Monetária e em tudo isto os CDS desempenham um papel determinante. Os excessos do mercado dos CDS têm sido bem manifestos nestes  últimos tempos através do interesse bem recente pelos contratos protegendo contra situações de incumprimento de emitentes soberanos (os designados CDS soberanos). O  largo leque de bancos,  de que muitos deles tiveram necessidade de  injecções de capitais e de forte  apoio dos governos em matéria de liquidez para se garantir a sua existência, para evitar a sua falência , a oferecerem  hoje garantias a outros intervenientes do mercado contra o risco de incumprimento dos Estados soberanos  que os salvaram (e em muitos casos trata-se do seu próprio país) é tão profundamente surreal que é o nosso próprio real, o subjacente, diríamos,  que por baixo de tudo isto passa a estar em questão e  passa a ser o nosso problema pelos mercados criado. .. Esta é a moral da história que aqui vos deixo para ler.

 

Um CDS é economicamente parecido com uma apólice de seguro emitido por uma companhia seguradora. Apenas parecido. Quais as diferenças?

 

Como primeira diferença o emitente do CDS, o chamado vendedor da segurança de acontecimento de crédito, ou ainda dito também writer, pode ser um banco, uma companhia de seguros ou uma outra instituição.

 

Numa apólice de seguro, exige-se que o detentor da apólice, o comprador do seguro, seja também ele o detentor do objecto segurado. Num CDS pode nem sequer haver posse de nenhum título, pode, portanto, não haver posse do objecto face ao qual se compra a respectiva segurança[1], o que lhe confere um estatuto muito especial como instrumento de especulação, o que veremos mais adiante.

 

Por outro lado as companhias de seguros, emitentes das apólices, são reguladas pelo Regulador de Seguros, no caso português, pelo Instituto de Seguros de Portugal, os bancos são regulados pelos Bancos Centrais, enquanto muitas outras instituições que operam neste mercado nem sequer têm regulador, a nível nacional e internacional, como é o caso dos hedge funds, instituições estas muitas vezes determinantes neste segmento de mercado, o dos CDS.

 

O que é considerado acontecimento de crédito é especificado no contrato. Os principais acontecimentos de crédito geralmente considerados são:

 

- incumprimento;

- bancarrota, o que não se aplica aos CDS sobre títulos soberanos;

- reestruturação da dívida envolvendo:

- a redução na taxa de juro;

- a redução no valor do capital em dívida ou do prémio pagável na maturidade do título;

- reescalonamento do pagamento do capital em dívida ou dos juros;

- uma mudança no grau de subordinação dados títulos de dívida: dívida sénior passar a ser equiparada a títulos de dívida júnior.

 

Formalmente, não existe nenhuma diferença entre um CDS sobre uma empresa e um contrato de CDS que assente  sobre

obrigações emitidas por uma entidade soberana. Sabendo que as entidades soberanas não estão cobertas  pela legislação sobre as falências que é aplicável às empresas, a  falência não constitui um acontecimento de crédito para os emitentes soberanos.

No caso dos CDS sobre a dívida soberana, os acontecimentos de crédito sobre os emitentes soberanos resultam principalmente de uma reestruturação da dívida, por um reescalonamento da dívida (Argentina, 2002), por uma situação de não-pagamento da dívida (Equador, 2008) ou por uma moratória sobre a dívida (México, 1982).

 



[1] Para darmos um exemplo bem perto de nós e bem no centro da crise, vejamos o caso do Lehman Brothers. Quando o Lehman Brothers faliu, o seu endividamento atingia cerca de 600 mil milhões de dólares. Segundo as estimativas de mercado, o Lehman Brothers era a entidade de referência de contratos CDS num montante situado entre os 400 e os 500 milhares de milhões de dólares. No caso de cobertura física dos títulos, títulos detidos por quem procura a segurança, os contratos CDS teriam simplesmente levado a uma transferência das perdas dos credores para os vendedores da cobertura, com a perda global constante, transferência de uns para os outros, dos credores do banco para os vendedores da segurança. As estimativas do mercado situam em 150 mil milhões de dólares os contratos CDS efectuados para este efeito. Os restantes 250 a 350 mil milhões seriam pois cobertura sobre títulos de crédito sobre o Lehman Brothers que não existiam, isto, contratos efectuados sem subjacente, contratos nus.

 

(Continua)

 

publicado por Carlos Loures às 20:00
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1 comentário:
De Carlos Mesquita a 18 de Janeiro de 2011
Explicação oportuna para os mais avessos em debruçarem-se sobre as raízes dos problemas actuais. Mas não se pode culpar os "mercados" pelos Estados se terem colocado nas suas mãos, é da natureza do mundo financeiro retirar das crises o máximo proveito, com o minímo de risco.
A lógica dos CDS é objectiva; após a intervenção da União e do FMI, na Grécia e na Irlanda, se alguma certeza existe, é que não vão conseguir resolver as suas dificuldades sem que haja reestruturação da dívida, de qualquer das formas conhecidas, ou outras que terão de se inventar.
O que parece claro é que as soluções clássicas não resultam numa organização como a União Europeia, com problemas de tipo novo. A Europa é um laboratório, onde mais ou menos amorfos, ou reactivos, todos aguardam que se descubram saídas.
O que se espera da comunidade científica é abertura para perceberem que estão a lidar com algo diferente e complexo, a pedir soluções inovadoras; é a conclusão que retiro das várias discussões entre especialistas.

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