No próximo dia 22 passa o 50º aniversário da “Operação Dulcineia”, o assalto ao paquete Santa Maria, em 22 de Janeiro de 1961. A propósito dessa efeméride, começamos hoje a publicação de uma série de textos sobre a resistência armada contra a ditadura.
Todos sabemos até que ponto as lutas partidárias, a degradação da economia, as frequentes revoltas e revoluções, a intervenção militar na I Guerra, tinham desgastado a República desde 1910 até 1926. As classes possidentes, os grandes industriais, a Igreja Católica, alguns meios intelectuais, mostravam sinais de impaciência. Porque o novo regime, em que tantos tinham depositado esperança, não resolveu nenhum dos problemas fulcrais que flagelavam a Monarquia dos últimos anos – o subdesenvolvimento e o analfabetismo, entre outros. Quanto a esses sectores de opinião conservadora era preciso disciplinar o País.
A Ditadura Militar a que se seguiu o Estado Novo impuseram a ordem que tantos desejavam. No entanto, durante os 48 anos que mediaram entre o pronunciamento de 28 de Maio de 1926 e a Revolução de 25 de Abril de 1974, e em que reinou uma ordem imposta pela força, houve acções armadas contra o regime ditatorial, desencadeadas por militares (o chamado «reviralhismo»), por civis ou por organizações clandestinas. Nos anos que se seguiram ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, verificaram-se algumas revoltas. Como besta desabituada de usar sela ou albardas, o povo português escoiceava e tentava sacudir os aprestos que, dia a dia, lhe iam pondo no dorso sob a forma de novas medidas repressivas e da supressão dos direitos fundamentais outorgados ainda durante a monarquia, desde a proclamação da Carta Constitucional, e na I República, entre 1910 e 1926 (com o breve interregno do consulado sidonista). A chamada «Revolução Nacional», correspondia, de certo modo, à aplicação prática das teses do Integralismo Lusitano, propugnado por António Sardinha, de raiz nacionalista, católica, monárquica, anti-liberal e anti-parlamentar.
Depois de 1933, com o advento do Estado Novo, de Salazar, adoptando o corporativismo como doutrina nuclear, a opção monárquica foi afastada. Por outro lado, com a implantação do fascismo em Itália e do nazismo na Alemanha, o regime consolidou, interna e externamente, o carácter autoritário. Os que tinham apoiado o golpe de 1926 como medida transitória, desejando que, erradicado o caos, disciplinada a vida política e financeira do País, se voltasse à democracia, desiludiram-se. A ditadura instalara-se com armas e bagagens. A proclamação da II República em Espanha, em 1936, foi revés que o triunfo de Franco, em 1939, corrigiu. Em 1945, com a vitória dos Aliados na 2ª Guerra Mundial, Salazar «transformou» a ditadura assumida (onde a saudação fascista chegou a ser habitual e, em alguns casos, obrigatória) numa «democracia orgânica», passando a realizar uma farsa a que chamava «eleições» - «tão livres, como na livre Inglaterra» - dizia ele, com um descaramento digno dos actuais políticos.
Não vou poder referir de forma exaustiva todos os movimentos armados que foram sendo desencadeados ao longo do quase meio século de ditadura, vou apenas registar os mais importantes. E, sobretudo, chamar a vossa atenção para uma questão que se levantava aos antifascistas – marxistas, anarquistas, republicanos, monárquicos, católicos progressistas… - perante uma ditadura que parecia ter vindo para ficar, como resistir e como tentar derrubá-la? Uns, entendiam que a organização clandestina orientada no sentido de esclarecer as massas (através de panfletos, de reuniões…) era suficiente para sacudir a opressão, pois um dia essas massas fariam elas a Revolução. Outros, eram da opinião que um regime violento só pode ser derrubado através da violência. Esta dicotomia entre a organização e acção de massas e a violência manteve-se ao longo dos 48 anos que a ditadura durou.
Vamos então referir as principais acções militares e civis contra a Ditadura Nacional e, depois, contra o Estado Novo. Menos de oito meses depois do pronunciamento, no dia 3 de Fevereiro de 1927, desencadeava-se no Porto um amplo movimento republicano, civil e militar, contra a Ditadura que começava já a assumir um carácter protofascista, com o apoio da Igreja Católica e de algumas franjas sociais e intelectuais. Jugulado na Invicta, o movimento eclodiu dias depois com grande violência em Lisboa, sendo dominado por forças fiéis ao governo, mas saldando-se por centenas de mortos, milhares de feridos, mais de 600 prisões e deportações. O movimento acabou por servir a estratégia dos que queriam perpetuar a ditadura, ajudando à sua fascização. Uma primeira grande «limpeza» foi feita na Função Pública – todo o que fosse suspeito de ser desafecto ao regime, era despedido. Todas as unidades militares do Exército e da GNR aderentes à revolta foram dissolvidas – as organizações cívicas ou políticas apoiantes, idem. Em 27 de Outubro de 1933, o Regimento de Infantaria de Bragança rebelou-se contra o Estado Novo, sendo a revolta rapidamente neutralizada. Por todo o país houve numerosas prisões de militares e de civis.
Começou a organizar-se a oposição, quase toda de raiz marxista ou anarquista. Contudo, durante muitos anos, o PCP, que existia desde 1921, foi a única organização que, de forma clandestina, sistemática e persistente, lutou contra a repressão. Pode-se contestar os métodos usados, que pecavam por uma crença, de certo modo sebastianista, nas vanguardas do proletariado que um dia (reunidas as condições objectivas e subjectivas) desencadeariam a Revolução. Porém, deve prestar-se a homenagem devida aos muitos militantes que foram perseguidos, torturados, mortos, metidos em presídios ou no campo de concentração do Tarrafal. Os pecepistas foram os únicos que mantiveram uma resistência organizada contra o regime salazarista. Era uma resistência fundamentada numa sólida estrutura clandestina, que visava sobretudo esclarecer e organizar os trabalhadores em células de fábrica, de quartel, de escola ou empresa. Contudo, de forma geral, a acção armada estava fora dos objectivos do PCP.
Uma das raras excepções a esta linha foi a jornada de 18 de Janeiro de 1934, em que elementos do Partido, tomaram de assalto os pontos chave da Marinha Grande, incluindo o posto da GNR, onde foram recolhidas armas e munições, logo distribuídas pelos revoltosos. Durante algumas horas, a vila esteve ocupada pelos revolucionários, até que as forças militares que foram afluindo os foram cercando, jugulando de forma violenta a revolta. Mais uma vez, o regime fascista capitalizou esta acção da «hidra comunista», com ela justificando a criação do Campo de Concentração do Tarrafal. O líder do movimento, uma «greve geral insurreccional, o ferroviário, militante do PCP, Manuel Vieira Tomé foi brutalmente torturado, vindo a morrer no cárcere em Abril do mesmo ano. Houve centenas de prisões e de deportações. Outra excepção a essa regra: em 8 de Setembro de 1936, elementos da ORA – Organização Revolucionária da Armada, estrutura político-militar clandestina ligada ao PCP, ocuparam os navios de guerra Dão, Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque, que estavam fundeados no Tejo, em frente a Lisboa. A intenção era a de se juntarem à Marinha da República espanhola e combater as forças franquistas. Com o apoio da aviação, a revolta foi rapidamente neutralizada. Dez dos revoltosos morreram durante os combates e sessenta foram presos, julgados sumariamente e deportados.
(Continua)
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