coordenação de Pedro Godinho
Galegos de Londres. Notas (3)
por Carlos Durão
(conclusão)
Nos anos 70 a TGWU (Transport & General Workers Union) tinha uma seção que sindicava os trabalhadores estrangeiros da hostelaria, entre eles os galegos e os portugueses; eles não precisavam do inglês para se comunicarem entre si; uma das consequências lógicas, para alguns de nós, era que falavam a mesma língua; mas isto era anátema para certo nacionalismo galego.
[Talvez não seja este o lugar mais apropriado para tratar este assunto pelo miúdo, mas cumpre deixar constância, porque é pertinente para a história daqueles anos e porque pode explicar alguns erros de perspetiva: muitas diferenças com alguns diretivos das formações políticas galegas “de esquerda” tiveram a sua origem na conceção da nossa língua: galego-espanhola por um lado, ou galego-portuguesa por outro; também na crítica, quando havia que fazê-la, à União Soviética: a questão do "moldávio", entre outras, era inevitável para mim, movendo-me no mundo das línguas nos organismos internacionais. “Desviacionismo burguês”, “enfermidade infantil do nacionalismo”, “imperialismo linguístico”, “irredentismo”, eram algumas das acusações lançadas na altura contra os reintegracionistas por certo nacionalismo galego, dando-se o feito curioso de os diretivos de certo partido fazerem uma “tradución” (sic) dalgum dos primeiros documentos reintegracionistas (já no 1977!) a eles enviados. O “lério da ortografia” (exatamente como para R. Piñeiro!) era espantalho escandaloso para eles: não de fiar, até subversivo. E estava, ainda, a questão de fundo da “nación” (digamos o “nación-alismo”), da obviedade de a nossa nacionalidade ser incompleta, pelo sul e pelo leste: não Galicia mas Galiza, etc. , o que era ainda mais heterodoxo. Não se faziam questão da norma "galega" deliberadamente ligada ao espanhol, tratando-se de criar um novo "idioma" totalmente independente do português (uma espécie de crioulo) submetido e confinado dentro das fronteiras do Estado Espanhol (a este respeito, os partidos catalães iam com anos-luz de dianteira, e inteligência, na consideração da unidade da língua comum aos países catalães). Tinham também essas pessoas certa ingenuidade a respeito da complexidade incontornável da vida real: no fundo era a incapacidade de ver além duma retórica “proletária” e uma prática machista.]
Em fim, fui co-fundador, acionista e correspondente em Londres do primeiro semanário ANT (o A Nosa Terra reiniciado no 1977, cuja marca fora registada em Madri por J.L. Fontenla R.); ajudei I. Padim Cortegoso com a sua tese sobre a emigração, quando ele estava na cadeia; e fui co-fundador das Irmandades da Fala e encarregado da sua delegação em Londres (também sócio da AGAL desde o começo).
Depois da catástrofe do navio Prestige nas costas galegas, constituiu-se o Grupo Galegos de Londres (utilizando conscientemente o título dum romance meu), que desenvolveu atividades arredor das movimentações anti-poluição, manifestando-se diante do edifício da Organização Marítima Internacional para protestar pela inoperância das suas medidas contra a contaminação e pela cumplicidade e hipocrisia das autoridades espanholas, e lendo uma proclama da plataforma Nunca Mais (com César Varela e Rafa Porro, do CGL), que depois entregamos no local da OMI; teve também intervenções no Foro Social Europeu.
Também facilitei logística para a organização ecologista ADEGA, e organizei nos anos 80 as protestas contra os vertimentos de resíduos radiativos ingleses na Fossa Atlântica (na minha casa pararam Bautista Álvarez e Modesto Solla, a pedido de Francisco Rodríguez); noutra ocasião veio um autocarro cheio de ecologistas galegos (com Carlos Vales), que não cabiam na minha casa e tiveram que acampar no jardim: a alguns deles tive eu que tirá-los depois da cadeia, com a intervenção do cônsul espanhol. (Na minha casa hospedaram-se também, em épocas diferentes, R. Piñeiro, Á. Cunqueiro, J.L. Fontenla e Ma do Carmo Henríquez Salido.)
Nos anos 90 coube-me a grande honra de ligar aqui com Ernesto Guerra da Cal para atividades luso-reintegracionistas, entre elas a participação galega nas negociações dos Acordos Ortográficos, que ele conseguiu para nós utilizando os seus contatos luso-brasileiros. A minha relação com ele, já anterior, foi assídua quando ele morou em Londres; seria prolixo narrar aqui a vasta panorâmica dos temas tratados no nosso relacionamento; citarei só a referência ao seu tio-avô Inocêncio (que “foi assassinado pelos franquistas em Vigo”), e ao livro que ele estava a preparar sobre aspetos inéditos dos “Seis poemas galegos” do seu amigo Lorca (desde a madrilena Residencia de Estudiantes), quando o surpreendeu a morte; mencionarei ainda que a sua biblioteca (vastíssima em temas queirosianos e da cultura galego-portuguesa em geral) foi afinal doada à Hispanic Society of New York, por desídia das instituições “oficiais” galegas (algo similar aconteceu com a administração do Arquivo Sonoro da Galiza, a quem eu infrutuosamente propusera que gravassem a voz daquele galego universal.)
Num simpósio na Universidade de Londres coincidi com os já conhecidos Carlos Casares, Xavier Carro e Salvador García-Bodaño, como, independentemente, com Celso Emilio Ferreiro, Augusto Assía e o correspondente da Agência EFE Ramón L. Acuña S. E num simpósio na Universidade de Oxford conheci o artífice principal do “galego de seu”, Constantino García (quem não gostou nadinha de ser abertamente contradito numa universidade na que ele não tinha valimento nenhum.)
14 de março de 2010