Aquilo que deveria ser por dias foi quase por dois meses. O médico que me haveria de substituir continuava em Bissau, ao que me constou, por inexplicáveis expedientes e cunhas. Chamava-se Cavadinha, era meu conhecido, mas eu não quero especular, pois ele já morreu há anos e muito novo. Nestes quase dois meses no mato, valeu-me o facto de ter feito bons amigos nesta Companhia de “periquitos”.
O comandante do meu Batalhão sediado em Farim, era o tenente-coronel Agostinho Ferreira, um homem de pequena estatura mas muito determinado. Julgo que gostava de mim. De vez em quando fazia uma visita à companhia. Numa dessas visitas, enquanto tomávamos um café, eu disse-lhe:
- Meu comandante, encontro-me doente, preciso de ir fazer uma radiografia. Tire-me daqui para fora, ou então eu evacuo-me a mim mesmo. Não como praticamente nada, alimento-me de petiscos, de umas rolitas que vou caçando…
Ao que ele respondeu:
- Ah! Você alimenta-se de petiscos!
- O meu comandante não me foda mais porque fodido já eu estou.
Ele riu-se.
Todas as quintas feiras vinha a Bigene uma avioneta civil, uma Dornier da TAIGP, pilotada quase sempre por um simpático e muito experiente piloto, o Sr Coelho, o qual viria a morrer na queda da sua avioneta. Era uma pequena carreira aérea que trazia o correio e géneros, e transportava um ou outro civil, ou mesmo militar.
Ao fim de um mês e meio, já depois de ter falado com o comandante, enviei um “rádio” para o Batalhão dizendo o seguinte: “Encontro-me doente, preciso de ir a Bissau, peço autorização para seguir avião quinta-feira”. Recebi como resposta um “rádio” no qual se lia: “Não autorizado”. Fiquei redondamente fodido, como é óbvio. No princípio da semana seguinte envio novo “rádio”: “Encontro-me doente, preciso de ir a Bissau, sigo avião quinta-feira”. Desta vez a resposta não deu lugar a dúvidas: “Autorizado”.
Toda a população de Bigene se juntou na orla da pista. Eram centenas de pessoas, com panos, lenços e algumas lágrimas a despedirem-se de mim. O piloto, que eu não conhecia, e ele a mim também não, (julgo que o Sr. Coelho já tinha morrido), deu, por sua livre vontade, meia dúzia de voltas por cima da multidão antes de seguir o seu destino. Voltou-se para mim, com ar de espanto, e disse-me:
-Eu nunca vi uma coisa destas. Esta gente devia gostar muito de si.
De facto, foi um daqueles momentos da minha vida que dificilmente se varrerão da minha memória.
( Esta história lixada continua por mais um pequeno capítulo).
Todo aquele espaço ao lado da pista, entre a árvore grande e a capela, estava repleto de gente.
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