Em abril passado Manuel Alegre se encontrava na Itália, em Pádua, no histórico salão nobre do Palazzo del Bò, convidado para a cerimônia de inauguração da “Cátedra Manuel Alegre“ a ele dedicada, instituída na Faculdade de Letras e Filosofia, junto à cátedra de Lingua e letteratura portoghese e brasiliana do Dipartimento di Romanistica, em colaboração com o Instituto Camões de Lisboa. Diante do reitor da Universidade de Pádua, prof. Giuseppe Zaccaria, do embaixador de Portugal em Roma, Fernando de Oliveira Neves, de professores de português de diversas universidades italianas, de docentes de outras disciplinas e de um grande público no qual sobressaia uma numerosa representação de jovens estudantes, em seguida à apresentação do atual docente de Lingua e letteratura portoghese, prof.a Sandra Bagno, responsabile igualmente da nova cátedra patavina, Manuel Alegre pronunciou uma lectio magistralis
Então, a cátedra por mim criada no ano-acadêmico 1962-63 e mantida por mim até 2005, quando me aposentei e deixei a mesma para a minha ex-aluna e sucessora, prof.a Sandra Bagno, passava a alargar-se com a nova Cátedra Manuel Alegre.
Na oportunidade da festiva solenidade, Manuel Alegre foi entrevistado para a revista Poesia, de Milão (publicação que prossegue a tradição da histórica revista milanesa Poesia, de Marinetti) pela escritora e jornalista italiana Maurizia Rossela. Trata-se de uma ampla entrevista que indaga principalmente das relações entre poesia e política na obra do escriitor português. Aberta com uma esclarecedora página com notícias bio-bibliográficas sobre o autor, principalmente sobre o poeta Manuel Alegre, a entrevista de Maurízia Rossela se desenvolve em numerosas perguntas e se completa com uma pequena antologia de poemas da obra de Alegre, com traduções também de Giulia Lanciani e Giampaolo Tonini.
Ao começar a entrevista, Manuel Alegre comenta: “(...) muitos podem ser eleitos presidentes da República, mas não conheço nenhum entre eles que possa dizer de ter uma cátedra intitulada ao seu nome na Universidade de Pádua. Para mim isto significa mais do que um cargo público.”
Entre as muitas perguntas da entrevistadora, contam-se as seguintes, realçadas aqui por simples motivo de limitação de espaço:
P. – “O senhor afirmou que ninguém pode fugir à própria realidade histórica, e que vida e escritura são inseparáveis. Como concilia a atividade de poeta e escritor com a sua intensa atividade política que comporta planos muito diversas quanto a pensamento, abstração e expressão?”
R. – “Nada na vida se concilia, mas esta cesura é a sua unidade. Yeats, que foi senador, dizia que se pode fazer um discurso como se se recitasse uma poesia. Eu sou conhecido como orador, e o ritmo da minha oratoria é como os outros ritmos, aquele da prosa e aquele da poesia, que jorram como por magia. Além disso, tudo é comunicação, a poesia e a prosa, assim como a oratória. Faço um pouco como os antigos curadores populares que, por meio da repetição de fórmulas mágicas, procuravam influenciar sobre a realidade: interpretar, convocar, exorcizar.”
P. - “O senhor vem definido um poeta civil, cantor da liberdade e dos direitos. À distância de tantos anos dos eventos que o viram lutar em primeira pessoa, até mesmo com o risco da própria incomunidade e da própria vida, em nome dos ideiais de justiça e democracia, pensa seja ainda hoje necessária a poesia?“
R. – “Quando jovem, vivi no meu País um período sob a ditadura. Então, no tempo da censura, a poesia circulava, era sentida como uma necessidade e muita gente a liam. Talvez, através da linguagem pacífica e das metáforas da poesia passam mensagens proibidas e palavras de esperança. A gente esperava encontrar na poesia o mesmo que esta esperava, talvez procurava em meio às palavras significados que porventura não existiam. Mas hoje a ditadura é representada por aqueles oráculos que falam de Bolsa, de mercados e de dinheiro. Hoje vivemos uma época de globalização sem regras, que não se baseie somente sobre uma lógica de economia e cultura única, ou pelos menos dominante, uma globalização na qual tudo vem a ser mercadoria. Eu prefiro outras Siblilas e outros oráculos. Prefiro os oráculos da literatura. Retornará um tempo em que se sentirá ainda necessidade da poesia. Além de tudo, a presença dos jovens nos encontros de poesia são um sinal neste sentido. Também em Portugal, não somente hoje aqui na Itália, em Pádua, noto a presença de tantos jovens, e isto me transmite um grande entusiasmo.“
P. – “Pensa verdadeiramente que a palavra possa mudar a vida e o mundo? Verdadeiramente um sim ou um não pode mudar a vida das pessoas?“
R. – Sim, creio que sim, já aconteceu e acontecerá ainda. Algumas poesias tomadas de Senhora das tempestades foram musicadas e são cantadas, até mesmo no Brasil, por Caetano Veloso e M\aria Betânia. Quem escuta as canções encontra conforto e esperança, mas também incitações a opor-se, resistir e combater... Sim, creio que um sim ou um não possa mudar o destino do mundo. Até mesmo um quem sabe de hesitação.”
P. – “Se nas eleições de janeiro de 2011 o senhor devesse ser eleito presidente da República, pensa que existirá ainda espaço para a poesia na sua vida, tomado como será pelos empenhos institucionais?”
R.- “Esta é a minha grande inquietação, a minha preocupação. A minha vida sempre foi intensa e plena de empenhos, o encargo de presidente é bastante gravoso e absorve muito, mas talvez nas situações mais inesperadas um verso poderá sempre aparecer.“
Um poema de Manuel Alegre em italiano:
Il primo sonetto del Portoghese errante
Io sono il solitario l’inforestierato
colui che ha una patria che è già stata
e quella che non è. Io sono l’esiliato
di un paese che non c’è e che mi duole.
Sono l’assente anche se presente
il sedentario che è partito in viaggio
io sono l’indomito il renitente
colui che restando resta di passaggio.
Io sono quello che appartiene a un solo luogo
perduto come il greco in altra iliade.
Io sono questo partire questo restare.
E la nave che mi portò via non tornerà.
Io sono forse l’ultimo lusiade
alla ricerca del porto che non c’è
(trad. de Giulia Lanciani)
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