Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011

MANUEL ALEGRE ENTREVISTADO PARA A REVISTA POESIA, DE MILÃO - por Sílvio Castro

 

 

 

 

Em abril passado Manuel Alegre se encontrava na Itália, em Pádua, no histórico salão nobre do Palazzo del Bò, convidado para a cerimônia de inauguração da “Cátedra Manuel Alegre“ a ele dedicada, instituída na Faculdade  de Letras e Filosofia, junto à cátedra de Lingua e letteratura portoghese e brasiliana do Dipartimento di Romanistica, em colaboração com o Instituto Camões de Lisboa. Diante do reitor da Universidade de Pádua, prof. Giuseppe Zaccaria, do embaixador de Portugal em Roma, Fernando de Oliveira Neves, de professores de português de diversas universidades italianas, de docentes de outras disciplinas  e de um grande público no qual sobressaia uma numerosa representação de jovens estudantes, em seguida à apresentação do atual docente de Lingua e letteratura portoghese, prof.a Sandra Bagno, responsabile igualmente da nova cátedra patavina, Manuel Alegre pronunciou uma lectio magistralis

 

Então, a cátedra por mim criada no ano-acadêmico 1962-63 e mantida por mim até 2005, quando me aposentei e deixei a mesma para a minha ex-aluna e sucessora, prof.a Sandra Bagno, passava a alargar-se com a nova Cátedra Manuel Alegre.

 

Na oportunidade da festiva solenidade, Manuel Alegre foi entrevistado para a revista Poesia, de Milão (publicação que prossegue a tradição da histórica revista milanesa Poesia, de Marinetti) pela escritora e jornalista italiana Maurizia Rossela. Trata-se de uma ampla entrevista que indaga principalmente das relações entre poesia e política na obra do escriitor português. Aberta com uma esclarecedora página com notícias bio-bibliográficas sobre o autor, principalmente sobre o poeta Manuel Alegre, a entrevista de Maurízia Rossela se desenvolve em numerosas perguntas e se completa com uma pequena antologia de poemas da obra de Alegre, com traduções também de Giulia Lanciani e Giampaolo Tonini.

 

Ao começar a entrevista, Manuel Alegre comenta: “(...) muitos podem ser eleitos presidentes da República, mas não conheço nenhum entre eles que possa dizer de ter uma cátedra intitulada ao seu nome na Universidade de Pádua. Para mim isto significa mais do que um cargo público.”

 

Entre as muitas perguntas da entrevistadora, contam-se as seguintes, realçadas aqui por simples motivo de limitação de espaço:

P. – “O senhor afirmou que ninguém pode fugir à própria realidade histórica, e que vida e escritura são inseparáveis. Como concilia a atividade de poeta e escritor com a sua intensa atividade política que comporta planos muito diversas quanto a pensamento, abstração e expressão?”

R. – “Nada na vida se concilia, mas esta cesura é a sua unidade. Yeats, que foi senador, dizia que se pode fazer um discurso como se se recitasse uma poesia. Eu sou conhecido como orador, e o ritmo da minha oratoria é como os outros ritmos, aquele da prosa e aquele da poesia, que jorram como por magia. Além disso, tudo é comunicação, a poesia e a prosa, assim como a oratória. Faço um pouco como os antigos curadores populares que, por meio da repetição de fórmulas mágicas, procuravam influenciar sobre a realidade: interpretar, convocar, exorcizar.”

P. - “O senhor vem definido um poeta civil, cantor da liberdade e dos direitos. À distância de tantos anos dos eventos que o viram lutar em primeira pessoa, até mesmo com o risco da própria incomunidade e da própria vida, em nome dos ideiais de justiça e democracia,  pensa seja ainda hoje necessária a poesia?“

R. – “Quando jovem, vivi no meu País um período sob a ditadura. Então, no tempo da censura, a poesia circulava, era sentida como uma necessidade e muita gente a liam. Talvez, através da linguagem pacífica e das metáforas da poesia passam mensagens proibidas e palavras de esperança. A gente esperava encontrar na poesia o mesmo que esta esperava, talvez procurava em meio às palavras significados que porventura não existiam. Mas hoje a ditadura é representada por aqueles oráculos que falam de Bolsa, de mercados e de dinheiro. Hoje vivemos uma época de globalização sem regras, que não se baseie somente sobre uma lógica de economia e cultura única, ou pelos menos dominante, uma globalização na qual tudo vem a ser mercadoria. Eu prefiro outras Siblilas e outros oráculos. Prefiro os oráculos da literatura. Retornará um tempo em que se sentirá ainda necessidade da poesia. Além de tudo, a presença dos jovens nos encontros de poesia são um sinal neste sentido. Também em Portugal, não somente hoje aqui na Itália, em Pádua, noto a presença de tantos jovens, e isto me transmite um grande entusiasmo.“

P. – “Pensa verdadeiramente que a palavra possa mudar a vida e o mundo? Verdadeiramente um sim ou um não pode mudar a vida das pessoas?“

R. – Sim, creio que sim, já aconteceu e acontecerá ainda. Algumas poesias tomadas de Senhora das tempestades foram musicadas e são cantadas, até mesmo no Brasil, por Caetano Veloso e M\aria Betânia. Quem escuta as canções encontra conforto e esperança, mas também incitações a opor-se, resistir e combater... Sim, creio que um sim ou um não possa mudar o destino do mundo. Até mesmo um quem sabe de hesitação.”

P. – “Se nas eleições de janeiro de 2011 o senhor devesse ser eleito presidente da República, pensa que existirá ainda espaço para a poesia na sua vida, tomado como será pelos empenhos institucionais?”

R.- “Esta é a minha grande inquietação, a minha preocupação. A minha vida sempre foi intensa e plena de empenhos, o encargo de presidente é bastante gravoso e absorve muito, mas talvez nas situações mais inesperadas um verso poderá sempre aparecer.“

Um poema de Manuel Alegre em italiano:

Il primo sonetto del Portoghese errante

 

Io sono il solitario l’inforestierato

colui che ha una patria che è già stata

e quella che non è. Io sono l’esiliato

di un paese che non c’è e che mi duole.

Sono l’assente anche se presente

il sedentario che è partito in viaggio

io sono l’indomito il renitente

colui che restando resta di passaggio.

Io sono quello che appartiene a un solo luogo

perduto come il greco in altra iliade.

Io sono questo partire questo restare.

E la nave che mi portò via non tornerà.

Io sono forse l’ultimo lusiade

alla ricerca del porto che non c’è

(trad. de Giulia Lanciani)

publicado por Carlos Loures às 17:00

editado por Luis Moreira às 12:58
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4 comentários:
De Luis Moreira a 12 de Janeiro de 2011
Parabéns ao Manuel Alegre, poeta e escritor.
De Peter a 13 de Janeiro de 2011
Va bene , tradotto in italiano si perde il suono delle parole. L'ítaliano ha una altra sonoritá , una sonoritá piu bella della nostra portoghese , piu musicale, cosi non me pare facile tradurre poesia dall portoghese in italiano. Com questo non voglio dire che la tradutrice non lo facia bene, ma secondo me manca il cuore del messaggio. Una poesia non é una traduzione álla lettera , é di piu. L'anima, no lo so si cé !!!!!
Mi scuse il commento , niente di intenzionale, ma vi dico che lei non l'último lusiade alla ricerca di qualchosa che non c'é.
De Luis Moreira a 13 de Janeiro de 2011
Obrigado, Peter pelo seu comentário! Pode escrever em Italiano que o estrolabio tem um colaborador (português e a viver agora cá) que foi professor em Itália durante vários anos
De Carlos Loures a 15 de Janeiro de 2011
Em mensagem agora chegada de Veneza, pede-me o Professor Sílvio Castro que insira o seguinte comentário:

Prezado Peter,
tenho grande prazer em verificar que vc. pode usar bem o italiano. Porém, quanto a algumas das suas observações sobre a tradução de Giulia Lanciani do famoso soneto de Manuel Alegre, devo tomar posições contrárias. O soneto não perde de sonoridade porque passado para o italiano, simplesmente assume uma nova e correspondente sonoridade. Isto porque não existe uma possível superioridade fonética do italiano sobre o nosso português (ficou por muito tempo viva a belíssima, mas negativa, exaltação da Língua portuguesa por Olavo Bilac: "Última flor do Lácio, inculta e bela,"), como ainda se pode comprovar com a sua posição linguística. Os sons da língua portuguesa têm a mesma grandeza daqueles do italiano, ou de qualquer outra língua. Entre as fonéticas portuguesa e italiana impressiona à primeira vista o tom tendencialmente "branco", isto é, feito de uma generalidade quase abstrata se comparado com aquele português, tendencialmente "vermelho", "quente". Por exemplo, no caso das formas plurais, o aceso tom dos ss portugueses se transformam em fonemas mais frios para a sensibilidade do sujeito de língua portuguesa. Por isso mesmo muitos poetas italianos, como no caso de Pavese, usam abundantemente palavras que começam com -s, isto para dar um outro tom ao poema que querem criar. O grande elemento da tradução de poesia - certamente uma operação sempre muito difícil - se encontra na melhor consciência de "ritmo" que o tradutor possa ter. Em traduções entre textos de línguas da mesma família linguística, como no caso de português x italiano, a semelhança etimológica é muito grande, portanto não se deve falar sempre de "traduzione alla lettera", mas sim a versão criativa na segunda língua soube repropor o ritmo do poema original. Como é o caso da tradução de Giulia Lanciani.
Prezado Peter, avante sempre con l'uso dell'italiano nelle sue esperienze letterarie.
Sílvio Castro

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