(Conclusão)
O novo Presidente do Chile, essa doença…
Permita-me, filho, que diga que a nossa doença advém daí. Do desapreço que recebemos, dos desapreços que sentimos. Quando o fascismo torna a ser dono de um país destruído. Quando a terra tremeu as 11.25 da manhã de hoje, ao ser transferida a banda presidencial da socialista Michele Bachelet ao novo Presidente: o que faltava por cair no Chile, derrubou-se nesse minuto. Da concorrência, à qual esse sentimento do lobby que ganha, nos obriga sentir. Do correr entre milhares, para sempre chegar primeiro. Sem reparar que há os que não querem correr. Ou, não podem. De que há os que querem calma e paz e silêncio, e nós ouvimos barulho. Esse que não é das Canções sem palavras de Schubert, que me acompanham enquanto faço este texto para ti.
A doença social acaba na individual, acaba no acamar para descansar do olhar crítico dos que possuem o que nós já tivemos e que o tempo nos fez deixar. Acaba por nos acamar quando há um patrono que manda trabalho sem nos consultar, com horas a mais, sem segurança social que nos garanta esse dia de repouso, esse dia de contar as horas para poder dançar sem mais fazer que rir. Esse dia, que é o tempo de estar com aqueles que fizemos. E ter essa companhia para passar os dias. Uma doença, que nasce de se habituar a andar em silêncio, a seguir o tanto falar que a ocorrência concorrencial da vida nos impingiu na alma, no pensamento, na ideia, na cultura de crime e castigo que tivemos de viver. A doença aparece no olho, no estômago, no pé, mas é a alma que aí a quis colocar, que a quis pôr. Ao longo da vida, corremos mil provas para a ganhar. E, provas corridas e ganhas ou perdidas, o que queremos é que a vida seja a lealdade carinhosa dos que acompanhamos e quisemos nós próprios, acompanhar. Desses que não guardam silêncio e podem falar de si perante os seres amados, os seres em quem nós confidenciamos, os seres que constroem o elo da nossa vida de prazer.
A vida, que Freud nos diz, tentamos fazer e não conseguimos, porque, como lhe diz Malinowski, em 1926, através de Jones, esse discípulo de Freud com quem o nosso pai da Antropologia discute, a vida está definida antes de nós nascermos e à mesma ficamos colados. Colados para sermos premiados se andamos pela via do meio, punidos se andamos pela via contrária. Via pela qual, tantos gostam de andar.
A doença, meu filho, é não mudar os agires dos lobbies que brincam à justiça sem direitos humanos, sem fronteiras. A justiça deles, que mata. A justiça deles, que os une na mentira de dizer que amam aos outros, esses que exploram. E quando levantamos a voz por querermos mudar tudo o que os donos do mundo mandam, a sociedade passa a ser o grande hospital dos doentes que atribuem a si próprios, e espalham pelo seu corpo, a falta de amor solidário que apoia. E dividem o mundo entre os meus e os teus. Seja qual for a cronologia de idade: os meus, são todos jovens justos, sãos e sábios. Os cães do hortelão. Os outros, velhos doentes, a traírem certas denominadas causas justas. O burro do Sancho.
Será que sem mudança a vida pode continuar? Será que sem mudança a vida existe? Não será que a doença nasce por nos opormos ao novo, sem entender o facto das novas ideias? Sem distinguir entre o passado e o futuro? Sem distinguir entre o agarrar a pasta até morrer e deixar a geração vindoura sem recursos, destituídos? Lamentamos o pé, lamentamos o estômago, e não vemos a necessidade de dar a todos a sua parte no agir em grupo, não o respeito, mas o trabalho que permita ser útil materialmente ao ser que está vivo e precisa, porém, agir. A pior doença, é a falta desse direito humano que governa as nossas vidas só quando a impomos. E que devia funcionar só pelo facto de entender que todo o ser humano tem direito a uma vida não conculcada, igualmente distribuída. Porém, filho, a pior das doenças é essa falta de direitos humanos reconhecidos, tenhamos ou não recursos. O salário mínimo garantido. Mais ainda, a ocupação que gostamos, o recurso mínimo garantido. Mais ainda, ou ainda mais, a companhia dos que amamos, mínima garantia garantida. Para a doença não passar a ser individual e matar esse que não foi em vida garantido.
Porém, a doença humana passa a ser a solidão que procura refúgio no imaginário. Porém, a doença humana passa a ser, pôr de parte, esse que um dia foi útil e que mais tarde, é inútil. Aos olhos dos outros. Aos olhos do social. E, na doença, procuram salvar os direitos humanos que, de certeza, jamais respeitaram. Como acontece com vários que, enquanto geriam, apertavam e matavam, e que, quando apertados e julgados, até testemunham estarem decadentes e pedem para serem acudidos por iguais nas atrocidades que fizeram na vida. Como O Grande Ditador da Alemanha que Chaplin desenhara para o povo entender, como O Velho Ditador que Garcia Márques nos descrevera para o povo perceber. Como os dos outros países que o teu pai pede para não nomeares, não vá a transição demorar ainda mais a se querer fazer. Como diz a Dama de Ferro que como o Velho Ditador, matou milhares nas Malvinas, pelo que, ela está-lhe agradecida e o defende no seu lobby.
Atrocidades que ao mundo não convencem, mas fazem tremer vários de entre os iguais à Dama de Ferro e ao Velho Ditador que, apoiando o vendedor de mentiras, vêem a sua causa afundar-se em conjunto com a causa do Velho Ditador condenado. E condenados à forca, há hoje vários. Com outros vários a tremerem. Diferentes desses que ficam doentes por terem que mexer para não sentir. Os violadores da lei ficam doentes quando passam a sentir que a sua justiça não foi entendida. Mais ainda, que não entenderam jamais os símbolos sociais, os encheram de doenças, e tentaram matar os seus símbolos. O que, felicidade para a História, jamais conseguiram. Que o diga Timor, que o diga Chile. Antes morrer que aceitar. E os matadores do mundo morrem na sua elegante cadeia.
A doença, filho, é um mal social. Mata em vida o assassínio. Mata na memória social pela lembrança metafórica que deixam.
Terei uma imagem na minha cabeça enquanto faço debater os eruditos? Não. Tenho duas: o ladrão que matou o isolado na sua casa que ardia. Num 11 de Setembro de 1973. Morre na minha memória o matador, esse real, não o de Almodóvar. Deve morrer para termos uma justiça que nos permita conviver em debate. E continua vivo, o morto, cujo símbolo é mundial. Excepto na sua terra. Como sempre acontece.
Porque, a pior das doenças, a que mais mata em vida, filho querido, é a falta de justiça. Essa que só, anos depois, é reconhecida. Eis a cura. Para tanta tristeza que abate em vida. E mata o doente enquanto mata a sua família.
Têm razão os eruditos invocados: a doença é social. Mas, é uma doença social na base da falta dos direitos humanos que este século tem-nos fartado de mostrar.
Filho, não vai chorar. Dá cá um abraço e vamos lutar pela justiça hierarquicamente distributiva entre todos os que têm fome e sede dela.
Vamos calar Schubert. A doença precisa de discrição e luto para se curar. Foi o que aprendi dos eruditos citados. Foi o que aprendi da prisão que me dá a vida. Prisão que tem cadeia se eu me quiser deixar encadear.
Filho, filha, vamos preparar o entendimento a partir do trabalho de campo que me fez escrever este texto. Para entregar mais uma reflexão sobre os poderosos do mundo e os fracos, ao senhor professor que te ensina. Queira ele debater comigo. Vamos melhorar a nossa doença enquanto condenamos, por lei democrática, os abusos de poder. A falta de amor, em síntese. Em síntese de aplicação dos direitos humanos como lei do Estado. Restituamos a soberania duma nação. Vamos acabar com as doenças e juntarmos as mãos em paz e união.
Apenas quem é hoje em dia uma lembrança, teria respeitado e feito respeitar a soberania da nação.
Vilatuxe, Pencahue e Vilaruiva, Dia da Mudança da Presidência da República, num país dobrado, mas no partido.
Raúl Iturra
Instituto Superior de Ciências
do Trabalho e da Empresa (ISCTE) / Lisboa
Bibliografia
Jornal a Página da Educação nº 85 - Novembro de 1999, pg. 26
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