Domingo, 9 de Janeiro de 2011

Cidade Maravilhosa – 6– por Sílvio Castro

(Continuação)

 

 

Retrato ¾ de um jovem bacharel em direito na “Cidade Maravilhosa”

Em 1953, depois de um exame vestibular muito concorrido e por isso mesmo mais difícil, entrei para a Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Esta escolha de estudos ocorre em razão dos resultados dos exames vestibulares que no ano anterior eu prestara para Filosofia e Medicina. Desde sempre eu pragramara estudos que unissem minha formação filosófica com aquela médica. Em particular, para uma sonhada união de estudos de Psicologia, do curso de Filosofia, e uma especialização em Psiquiatria, na Medicina. Mas quase tudo se perdeu quando não consegui superar os incríveis exames do vestibular para a Faculdade médica. Começando, entretanto, meu curso de Filosofia, a dupla direção de carreiras agora eu a transferia para os estudos jurídicos, com o novo propósito de apoiar-me nos estudos filosóficos, que terminariam dois anos antes daqueles de Direito, para uma melhor especialização em Direito Penal. E assim foi, até certo ponto...

A vida de estudante da Faculdade Nacional de Direito era muito diferente daquele tranquilo percurso dos estudos na Faculdade da Universidade do Distrito Federal. Na sede histórica da rua Moncorvo Filho, o fervilhar de ações e comoções era quotidiano. Começava pela plena tradição de liderança da vida universitária, não só do Rio de Janeiro, que a Nacional conquistara com as suas atividades várias. A representação dos estudantes se aglutinava no Centro Acadêmico Cândido Mendes (CACO), Centro de muitas histórias, não só no âmbito interno da Faculdade, mas igualmente nas ações políticas sustentadas externamente e sempre em defesa dos mais fracos. No meu período de estudos, a movimentação do CACO para as externações exteriores teve provavelmente seu ápice em 1955, quando a cidade se rebelou ao aumento dos preços dos bondes. Nós, estudantes, tomamos a frente das manifestações em defesa dos trabalhadores que viam suas economias, já pequenas, sofrer um impacto injusto. Como acontece sempre nas manifestações desse tipo, mesmo sendo naturalmente pacíficas, apresentaram-se então episódios de violência e destruição de muitos bondes. Os choques com a polícia militar eram quotidianos, chegando ao máximo de uma tentativa dos policiais de entrar na sede inviolável da Rua Moncorvo Filho. Na oportunidade resistimos ao ataque abusado, dentro da Faculdade de portas cerradas e mandando pelas janelas dos andares superiores do prédio cadeiras, mesas, móveis vários contra os invasores. Foi então que assistimos ao grande episódio do nosso Diretor, o Prof. Pedro Calmom, grande orador e fino retórico, que abria a porta central da Faculdade e se confrontava sozinho com a força policial, dispersando-a definitivamente. Resistimos a toda e qualquer repressão, alcançando finalmente as metas almejadas.

A presença dos estudantes na rua, neste 1954, atinge um ponto dramático com o episódio do suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Milhares deles ocupam todas os grandes espaços da cidade, na caça dos políticos reacionários que conduziram o País àquela tragédia.

Marcante na vida do Centro dos estudantes era a revista Época, pela qual passaram grandes nomes da literatura brasileira, entre os quais Clarice Lispector. Por cerca cinco anos tive oportunidade de colaborar em muitos números de Época.

Durante o meu Curso de Direito e por longo tempo, tive igualmente ocasião de colocar em prática pela primeira vez meus projetos de união dos meus dois cursos formativos, unindo meus verdes conhecimentos de Psicologia com os de Direito Penintenciário. Foi quando criei na Faculdade, sob a égide do CACO, uma “Associação universitária para a recuperação de ex-detentos” (AUREX), com um projeto de amparo trabalhista aos ex-penitenciários. Tratava-se de individuar aqueles entre os condenados próximos ao fim da pena que podiam apresentar condições para usufruir dos lugares de trabalho que anteriormente a Associação conseguira com várias empresas cariocas, empregos destinados exclusivamente a tais fins. Desta maneira, admitido enquanto psicólogo pela Direção da Penitenciária Central do Rio de Janeiro, passei a trabalhar na recuperação de vários detidos que eu, depois de muitos exames, considerava possíveis candidatos à assistência que o meu projeto programara. Devo recordar que a minha turma de Filosofia, de 1954-55 foi a primeira que podia aproveitar no disposto por decreto-lei de 1955 que criava a profissão de Psicólogo, com direito de clínica, o que eu não me senti jamais de exercer.

Por três dias na semana eu passava três ou quatro horas na Penitenciária, junto aos meus “pacientes”. O projeto cresceu rapidamente, com grande sucesso e divulgação. Tanto que, em determinado momento, recebi do Governador de São Paulo, Carvalho Pinto, um convite para participar das reuniões da Comissão estadual encarregada de formular as regras para a nascente primeira penitenciária agrícola a regime semi-livre do Brasil, a ser instalada em Campinas.

Internamente, a nossa vida de estudos era proporcionalmente intensa como as nossas ações nas ruas. O ensino da Faculdade Nacional de Direito era absorvente e incetivador, principalmente pela qualidade do corpo docente e em particular de vários professores. A nossa turma, a de 1953, começada muito reduzida, pouco mais de 60 alunos, isso como consequência da particular dificuldade dos vestibulares daquele ano, teve o privilégio de ver entre os seus professores nomes nacionalmente famosos nacionalmente no tocante às suas disciplinas. Por cinco anos tive professores de alta categoria intelectual, entre os quais, Hermes Lima, um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro, em Introdução à Ciência do Direito; Demóstenes Madureira do Pinho, em Direito Penal; Castro Rebelo, glória histórica das lutas sociais no Brasil, em Direito Comercial; Evaristo de Morais Filho, em Direito do Trabalho; Hélio Tornagui, em Direito Processual; San Tiago Dantas, o mestre maior, em quatro anos de estudos de Direito Civil. Os seminários semanais dos sábados de San Tiago eram sempre esperados com grande expectativa e entusiasmo pelos seus estudantes. Num destes sábados particularmente sentido pelo tema tratado, eu provoquei várias vezes a exposição do Mestre. Depois de terminado o encontro, deixando o anfiteatro onde se desenrolava os seminários, descendo as escadas em companhia de meus colegas, fui abordado por um deles, sobrinho do Professor, que me diz que San Tiago gostaria que eu o acompanhasse até a sua casa e, assim, pudéssemos alargar a nossa conversação.

Quando em 1961 San Tiago, então Ministro das Relações Exteriores, apresenta o decreto que reata as relações diplomáticas entre o Brasil e a URSS, escrevo e divulgo, enquanto Presidente da União Brasileira de Escritores do Estado do Rio de Janeiro (UBE-RJ), uma nota de apôio dos escritores fluminenses à revolucionária decisão de política diplomática. Quando, em 1964, o Governo Militar me exonera da função de Leitor que eu exercia em missão diplomática na Universidade Ca’ Foscari, de Veneza, a razão secreta de tal decisão se encontrava muito certamente ainda naquela nota de adesão a um ato legítimo e democrático.

Muitos foram os colegas de turma e de anos mais adiante da Faculdade que se fizeram no tempo meus amigos definitivos: Luís Fernando Nazareth, depois diplomata de grande fama; Tiago Ribas Filho, jurista de altos méritos; José Roberto Teixeira Leite, o estudioso brasileiro por excelência no campo das artes; Waldir Ribeiro do Val, intelectual de alto nível e companheiro raro de experiências literárias.~

No dia 14 de dezembro de 1957 colei gráu de bacharel em Direito.  Em 30 de abril de 1959, pelo processo n° 012280/59 concretizo minha inscrição Principal na Ordem dos Advogados do Brasil, carteira n° 10.117; inscrição n° 9.034.

Em verdade, há já alguns anos eu exercia de certo modo a advocacia. Isto porque em determinado momento, a partir do meu terceiro ano de estudante de Direito, passei a frequentar com correta assiduidade o escritório de meu pai, advogado de amplos conhecimentos jurídicos e de grande experiência processual. Acompanhando-o desde então às suas muitas visitas ao Forum da rua D. Manuel, tive oportunidade de entrar lentamente nas regras e artimanhas dos diversos cartórios, em particular daqueles civis, bem como comecei a fazer experiência do melhor comportamento diante do juiz que julga uma causa de seu interesse. Com meu pai, entre as muitas coisas que aprendi em diversos campos, uma das mais frutíferas foi aquela ligada à redação judiciária. Ele tinha uma grande versatilidade na redação dos processos que lhe interessavam, dos quais saiam páginas concretas, diretas e de grande ponderação. Depois de 1959, até 1962, procurei seguir essas linhas nas não muitas ocasiões em que me confrontei com um processo de direito civil, o meu campo predileto.

O escritório de meu pai se encontrava em pleno Centro da Cidade, na Av. Presidente Vargas, 529, entre a rua Uruguaiana e a Av. Rio Branco. Naquelas 4 salas muito elegantes do 11° andar de um edifício somente de escritórios, eu fui vários eus, desde o jovem advogado, ao jovem escritor, jornalista, editor, operador cultural. Tudo isso debaixo dos olhos sempre serenos de meu pai, Walter Castro.

Os processos que impetrei na minha curta experiência de advogado não foram muitos e deixaram poucas lembranças, ainda que em geral coroados de razoável êxito. Dentre os meus atos jurídicos tenho a vaidade de recordar-me sempre de um somente: um mandato-de-segurança por mim impetrado, em nome de Walter Castro, parte que se considerava subjetivamente ameaçada, contra o decreto-lei que, com a mudança da capital do País e do Distrito Federal para a nova sede de Brasília, em 1960, criava o Estado da Guanabara, tendo como capital a Cidade Maravilhosa. Julgando que tal decreto ameaçava direitos do Estado do Rio de Janeiro, ao qual a cidade do Rio  sempre pertencera territoriamente, a partir do periodo colonial e com seguimento no período monárquico, depois da Independência de 1822, como parte oficial da Província do Rio de Janeiro e sede da Corte Imperial. Quando em 1889, com a República, passando as antigas Províncias a denominar-se Estados, componentes da nova Federação dos Estados Unidos do Brasil, criava-se o Distrito Federal, tendo como capital a cidade do Rio de Janeiro, esta gozava de momentânea autonomia territorial. Assim, o decreto de 1960 que criava, por simples razões políticas, o Estado da Guanabara ligado unicamente ao território original da cidade do Rio de Janeiro, ofendia diretamente os direitos históricos que o Estado do Rio de Janeiro detinha em relação à Cidade Maravilhosa, direitos que Walter Castro enquanto cidadão fluminense via ameaçados pelo dito decreto.

Imediatamente divulguei na revista Leitura, órgão literário e de opinião sediado no Rio, uma síntese do meu Mandato de Segurança. A repercussão foi grande. A partir de então tive de dar várias entrevistas aos jornais e ao canal televisivo principal da cidade, sempre sobre a natureza do Mandato. A minha ação de excepcionalidade ia contra o meu grande mestre dos estudos de Direito, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, redator do projeto de lei imputado. O Estado da Guanabara, de vida efêmera, foi criado. O meu Mandato de Segurança não chegou a ser julgado.

O jovem advogado interrompe definitivamente as suas atividades quando parto para Veneza no dia 15 de novembro de 1962.

 

 

(Continua)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 20:00

editado por Luis Moreira às 22:14
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