Sábado, 8 de Janeiro de 2011

Cidade Maravilhosa – 5– por Sílvio Castro

(Continuação)

Retrato ¾ de um jovem jornalista na “Cidade Maravilhosa”

Meu pai, Walter Castro, foi sempre um jornalista e na sua juventude igualmente um editor de jornais (veja-se a biografia em S. Castro, Walter Castro, um Cidadão da Modernidade brasileira - No centenário do nascimento, 1909-1965; Edições Galo Branco, RJ, 2009) e, por isso, desde a mais tenra infância aprendi a conviver com a presença de linotipos, impressoras e as mais diversas máquinas, bem como com aquelas outras das grandes resmas de papel para a imprensa. Até mesmo aprendi e fixei a música compassada das máquinas no silêncio das noites do interior brasileiro. Portanto, crescido em contacto com jovens amigos que viviam este mesmo ideal, fiz vários e efêmeros jornalsinhos de 1 ou 2 páginas, reproduzidos por velhas máquinas xerox, quando não os fazia manualmente e repetidos em fotocópias. Foram vários, essas pequenas publicações, e me serviram para traduzir os sonhos que eu e meus amigos acalentávamos então e que se caracterizavam pela contínua mutabilidade, natureza de que eram feitos...

Sendo assim, natural que, chegado ao apogeu da juventude, logo me dedicasse com grande empenho à prática do jornalismo naqueles anos explosivos da década de 50, vividos pela Cidade Maravilhosa com um entusiasmo e ritmo que faziam com que as vinte e quatro horas de um dia passassem sempre com a velocidade própria de uma participação direta com as coisas e com as gentes, numa contagiante atmosfera plena de estímulos predominantemente gratuitos.

Depois do meu mais antigo artigo publicado num jornal de tiragem maior, a grande experiência vivida pelo adolescente em férias de junho na casa de amigos da família na bela e mineira cidade de Santos Dumont, em 1948, pequeno artigo que tratava justamente do grande inventor aeronáutico brasileiro que dá nome à cidade, antes chamada Marília, devo esperar vários anos para ver coroada minha ambição de ver publicada num grande jornal do Rio uma minha colaboração literária. Mas, de repente isso acontece, quando sai nas pretigiosas páginas do suplemento literário do Diário de Notícias meu primeiro e tímido produto para a crítica literária brasileira. A partir de então, como uma maravilha inesperada, começo encontrar espaços nas páginas literárias mais importantes da Cidade Maravilhosa e de Niterói: além do Diário de Notícias, na Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, Diário Carioca, Jornal do Comércio, O Globo, O Fluminense; com colaborações de ensaios ou de crítica literária relativas à mais recente produção de escritores brasileiros. Mas igualmente de publicações de contos e poemas, e isso mais particularmente em revistas e periódicos literários como Leitura, Revista da Semana, Revista do Livro, Cadernos Brasileiros, Jornal de Letras. Muitas vezes minha colaboração para os jornais cariocas vinham reproduzidos em jornais e periódicos de grandes capitais brasileiras, como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre.

Entre as matérias publicadas, no campo de entrevistas literárias por mim então realizadas, valorizo de maneira especial aquela feita com o poeta brasileiro moderno por excelenza, Cassiano Ricardo. O texto, com o título “Aqui fala Cassiano Ricardo”, foi publicado nas páginas dos Cadernos Brasileiros, revista trimestral do Rio de Janeiro, dirigida por Afrânio Coutinho, no seu volume: Ano IV, n° 6, abril-maio-junho, 1962. Esta entrevista possivelmente terá levado Cassiano Ricardo a escrever o seu famoso ensaio Algumas Reflexões sobre a Poética de Vanguarda, RJ, 1964; bem como dedicar-me a parte mais experimental, “babilônia“, de seu livro de poemas Jeremias sem-chorar, RJ, 196

Uma tal atividade de free-lance do jornalismo literário, eu a aperfeiçoo com a dedicação, verdadeira aprendizagem, de jornalismo direto e profissional, em redação. A mais longa e duradoura dessas experiências, a faço na Tribuna da Imprensa, onde vivo uma formativa atividade de cronista e redator. O jornal fundado por Carlos de Lacerda, mais tarde, após a morte do fundador, passado a outro grande jornalista, Hélio Fernances, acolhia grande número de jovens aprendizes, vivendo dessa maneira constantemente numa atmosfera alegre e de contágio febril. Eu chegava à redação do jornal em pleno centro da cidade, próximo à Lapa e à Cinelândia, que ainda era muito cedo. Entre as máquinas de escrever dos redatores menores me sentava e produzia o artigo que nascia naquele dia ou que naquele dia o redator-chefe me encarregara de fazer. Logo me via circundado por outras máquinas que traduziam um trabalho intenso que iria entrar pela noite para que o jornal saísse pronto na madrugada seguinte. Quando me era dado o encargo de preparar uma reportagem, eu me dedicava à compilação da matéria e a sua realização nos diversos espaços e lugares a que ela se referia. Encontrava gente, fazia entrevistas, realizava pesquisas. E depois, considerando tudo praticamente pronto, partia para o velho prédio que acolhia a redação. O toque final, em concordância com o redator-chefe, eu então a dava, para que a minha reportagem saísse no número que tantos outros colegas meus estavam preparando. Dentre essas reportagens, recordo aquela sobre o uso do telefone por parte dos cariocas, curiosa e surpreendente matéria que recebeu um prêmio jornalístico especial naquele ano de 1956.

A minha experiência na Tribuna da Imprensa foi essencial para a minha maneira, sempre livre, de praticar o jornalismo.

A outra significativa experiência jornalística se concretizou numa colaboração estável com a redação de o Boletim Cambial. O fato de ser um jornal especializado em economia, finança e mercado me levou a tratar o texto jornalístico com a especificidade que o meu veículo divulgador impunha. Pude nesta redação fazer realidade muitas das noções aprendidas no curso de Economia, na minha formação pela Faculdade Nacional de Direito. O fato de poder dar um sentido pessoal a um evento econômico ou financeiro, isso alargava fortemente aquela personalidade literária predominante em mim. Esta minha liberdade no agir em seio ao Boletim Cambial e a plena satisfação pelos resultados que essa mesma liberdade produzia nascia principalmente do corpo redacional, pequeno em verdade, mas de grande eficiência, com o qual eu trabalhava. Corpo redacional que tinha um redator-chefe de excepcional qualidade, Moacyr Padilha, grande humanista e fino crítico musical, capaz igualmente de gerar um jornal para o público dos negócios e das finanças, como ele igualmente saberá fazer dirigindo a redação de um diário de circulação nacional, O Globo; bem como um outro redator de brilhante versatilidade, José Roberto Teixeira Leite, excelso historiador e crítico de arte que antes dirigira a redação da importante Revista da Semana. Em uma tal companhia, nas noites cariocas do quotidiano da Avenida Presidente Vargas, eu me sentia livre e capaz de tratar qualquer problema aparentemente distante de minhas mais marcadas predisposições culturais. Foi o que me levou a escrever naquelas páginas voltadas para a economia, a finança e o sistema cambial, uma determinada página que fazia da conquista do título de campeão brasileiro de futebol pela esquadra baiana do Vitória que, naquele ano de 1959 quebrara a hegemonia absoluta do eixo Rio-São Paulo no futebol brasileiro, um possível motivo de aumento dos negócios e de progresso econômico para todo o Estado da Bahia.

Os anos da Presidência Juscelino Kubistchek, que começam em 1956 e vão até 1960, culminando com a inauguração de Brasília neste mesmo inesquecível 1960, são uma época de grande entusiasmo em toda a vida brasileira. O constante e exuberante ufanismo nacional, que nem sempre, ou quase nunca, chega a ser sintoma de vão nacionalismo, nesses momentos atinge pontas de esplendor.

A minha atividade no jornalismo literário de certa forma contribuiu para a criação, que começo a conceber em 1958, do Anuário da Literatura Brasileira, partido vigorosamente no ano seguinte para que a publicação do primeiro número se realizasse no início de 1960, quando já então começavam os nossos esforços para a melhor realização do segundo número.

O jornalismo literário nos anos da década de 1950 assistia a uma brilhante e fervorosa atividade. As colunas literárias diárias se multiplicavam, tendo como referências maiores aquelas de Antônio Olinto, em O Globo, a de Valdemar Cavalcanti, em O Jornal, e a do Jornal do Brasil, firmada por Mauritônio Meira. Periódicos e revistas literárias abriam as suas páginas para os nomes mais ativos da literatura nacional, em particular o Jornal de Letras, de Elísio Condé; a revista Leitura, de Barbosa Melo; e a vigorosa Revista do Livro, órgão do Instituto Nacional do Livro, que tinha então como seu diretor o diligente Alexandre Eulálio. Os jornais principais da cidade publicavam semanalmente o próprio Suplemento literário. Importantes foram aqueles do Diário de Notícias, do Jornal do Comércio , que durante a direção do meu grande mestre de direito civil, San Tiago Dantas, o melhor intérprete brasileiro do universo do D. Quixote, entregou a sua centenária coluna de crítica literária ao jovem especialista baiano Eduardo Portella que ali continuaria as grande empresas críticas de seu antecessor, Austregésilo de Ataíde. E mais os suplementos do Diário Carioca, da Tribuna da Imprensa, de O Fluminense. Suplemento de grander sucesso foi o do Jornal do Brasil, o famoso Suplemento Dominical, dirigido por Reinaldo Jardim, tendo como redatores estáveis figuras como Ferreira Gullar, Assis Brasil, José Lino Grunewald. Nas páginas do Suplemento Dominical a proposta revolucionária da Poesia Concreta, nascida na Paulicéia Desvairada de heranças modernistas, provocadora criatura do talento teórico de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, alcançou o máximo de sua expressão, provocando um interesse que ultrapassou as fronteiras nacionais. Toda essa vida intensa de literatura e cultura circulava por diversos pontos da cidade, tendo porém alguns como referências essenciais, por exemplo, no Ministério da Educação e Cultura, o 9º. andar, onde se encontrava o Serviço de Documentação do MEC, dirigido com maestria por um grande operador cultural, Simeão Leal; ou o gabinete do Diretor do Instituto Nacional do Livro, na Biblioteca Nacional, com diretores como Augusto Meyer e Adonias Filho. Ou ainda, a sala-de-chá da Academia Brasileira de Letras, na qual, nas tardes das quinta-feiras, antes da sessão plenária acadêmica, os diversos imortais recebiam para um chá os simples amigos mortais... Numa dessas quintas-feiras, mais concretamente no mês de outubro, poucos dias depois da publicação de um meu ensaio sobre Bergson, pela oportunidade do centenário de nascimento do maior filósofo do século XX, no Suplemento Dominical do Brasil, justamente do dia 17 de outubro de 1959, ao entrar na sala de chá, sou recebido por uma cordialíssima acolhida da parte do Acadêmico Ivan Lins, o maior especialista brasileiro do Positivismo: “- Professor Sílvio, professor Sílvio, venha até aqui, ao nosso lado!” Depois de cumprimentar-me com a gentileza que lhe era natural, Ivan Lins se dirigiu a outros colegas acadêmicos que lhe estavam vizinhos, Josué Montello, Cassiano Ricardo, Miguel Reale, dizendo-lhes: “- O professor Sílvio, que é já um ótimo conhecedor da filosofia, acaba de escrever um magnífico ensaio sobre Bergson. O professor, em um futuro, de certo estará entre nós.”

Quando no dia 15 de novembro de 1962 partia o jato da Panair que me levava a Veneza, passando inicialmente por Roma, as lides do jovem jornalista mudava de rumos, mas não cessavam completamente.

Porém, esta é uma outra historia.

(Continua)

publicado por Carlos Loures às 20:00

editado por Luis Moreira às 14:55
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