Domingo, 22 de Agosto de 2010

Boaventura de Sousa Santos no Estrolabio - Porqué no te callas?

São pequenos textos de opinião, publicados na revista "Visão" ou no jornal Público. O sociólogo pronuncia-se sobre temas que, embora não sejam recentes, mantêm a actualidade. Começamos com "Porqué no te callas?"




Esta frase, pronunciada pelo Rei de Espanha, dirigindo-se ao Presidente Hugo Chávez durante a XVII Cimeira Iberoamericana, corre o risco de ficar na história das relações internacionais como um símbolo das contas por saldar entre as potências ex-colonizadoras e as suas ex-colónias. Não se imagina um chefe de Estado europeu a dirigir-se nesses termos publicamente a um seu congénere europeu quaisquer que tenham sido as razões do primeiro para reagir às afirmacões do último. Como qualquer frase que intervém no presente a partir de uma história não resolvida, esta frase é reveladora a diferentes níveis.

Revela a dualidade de critérios na avaliação do que é ou não democrático. Está documentado o envolvimento do primeiro-ministro de Espanha, José Maria Aznar, no golpe de Estado que em 2002 tentou depor um presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez, com a agravante que na altura a Espanha presidia à União Europeia. Para Chávez, Aznar, ao actuar desta forma, comportou-se como um fascista. Pode questionar-se a adequação deste epíteto. Mas haverá tanta razão para defender as credenciais democráticas de Aznar, como fez pateticamente Zapatero, sem sequer denunciar o carácter antidemocrático desta ingerência? Haveria lugar à mesma veemente defesa se o presidente eleito de um país europeu colaborasse num golpe de Estado para depor outro presidente europeu eleito? Mas a dualidade de critérios tem ainda uma outra vertente: a da avaliação dos factores externos que interferem no desenvolvimento dos países. Zapatero criticou aqueles que invocam factores externos para encobrir a sua incapacidade de desenvolver os países. Era uma alusão a Chavez e à sua crítica do imperialismo norte-americano. Podem criticar-se os excessos de linguagem de Chávez, mas não é possível fazer esta afirmação no Chile sem ter presente que ali, há trinta e quatro anos, um presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, foi deposto e assassinado por um golpe de Estado orquestrado pela CIA e por Henry Kissinger. Tão pouco é possível fazê-lo sem ter presente que actualmente a CIA tem em curso as mesmas tácticas usando o mesmo tipo de organizações da "sociedade civil" para destabilizar a democracia venezuelana.

Tanto Zapatero como o Rei ficaram particularmente agastados pelas críticas às empresas multinacionais espanholas (busca desenfreada de lucros e interferência na vida política) feitas, em diferentes tons, pelos presidentes da Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Argentina. Ou seja, os presidentes legítimos das ex-colónias foram mandados calar mas, de facto, não se calaram. Esta recusa significa que estamos a entrar num novo período histórico, o período pós-colonial, um período longo que se caracterizará pela afirmação mais vigorosa na vida internacional dos países que se libertaram do colonialismo europeu, assente na recusa das dominações neocoloniais que persistiram para além do fim do colonialismo. Isto explica porque é que a frase do Rei de Espanha, destinada a isolar Chávez, saiu pela culatra. Pela mesma razão têm falhado as tentativas da UE para isolar Roberto Mugabe.

Mas "¿porqué no te callas?" é ainda reveladora a outros níveis. Saliento três. Primeiro, a desorientação da esquerda europeia, simbolizada pela indignação oca de Zapatero, incapaz de dar qualquer uso credível à palavra "socialismo" e tentando desacreditar aqueles que o fazem. Pode questionar-se o "socialismo do século XXI" - eu próprio tenho reservas e preocupações em relação a desenvolvimentos recentes na Venezuela - mas a esquerda europeia deverá ter a humildade para reaprender, com a ajuda das esquerdas latinoamericanas, a pensar em futuros pós-capitalistas.

Segundo, a frase espontânea do Rei de Espanha, seguida do acto insolente de abandonar a sala, mostrou que a monarquia espanhola pertence mais ao passado da Espanha que ao seu futuro. Se, como escreveu o editorialista de El País, o Rei desempenhou o seu papel, é precisamente este papel que mais e mais espanhóis põem em causa, ao advogarem o fim da monarquia, afinal uma herança imposta pelo franquismo. Terceiro, onde estiveram Portugal e o Brasil nesta Cimeira? Ao mandar calar Chávez, o Rei falou em família. O Brasil e Portugal são parte dela?

(Publicado na revista Visão em 22 de Novembro de 2007)
publicado por Carlos Loures às 01:00
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4 comentários:
De Luis Moreira a 22 de Agosto de 2010
Foi uma tentativa indesculpável de autoridade não reconhecida nem legítima!
De carlos loures a 22 de Agosto de 2010
E é um tipo assim, convencido e tonto, que há quem gostasse de ter como chefe de Estado. Por razões evidentes, há súbditos que o onhecem por «el putero». Hugo Chávez, acusado de falar demasiado, demonstrou ao não responder à inaudita provocação, poder de contenção e sentido de Estado.
De carlos loures a 22 de Agosto de 2010
A pergunta que o Professor deixa no ar te, quanto a mim, uma resposta: quer ao Brasil, quer a Portugal, estas cimeiras Iberoamericanas não interessam. São reuniões em que o mundo de língua castelhana quer mostrrar o seu poder. O Brasil é um colosso na América Latina e pode forçar o mosaico castelhano-falante a aprender português (o que já começaa acontecer). A Portugal, interessa mais potenciar a CPLP. A minha resposta ao Professor é - não, Brasil e Portugal não pertencem à família. A uma família em que um Bourbon manda calar chefes de Estado, não devemos, portugueses e brasileiros, pertencer.
De adão cruz a 22 de Agosto de 2010
"Porqué no te callas?" absurdo em qualquer circunstância, muito mais grave do que as palavras de Chávez, por mais incomodativas que fossem. Gesto mal educado e insolente do rei, a cheirar ao mofo do estúpido passado das monarquias colonizadoras. Uma atitude miserável e descortês dessa gente tonta que mais não sabe do que fazer férias de neve das férias de verão das férias de todos os dias, à custa de um povo que trabalha.

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