Segunda-feira, 6 de Setembro de 2010
Nota prévia: Aproximando-se a "Maratona Poética", temos vindo a publicar textos sobre poetas e sobre a poesia em geral. Este, de João Machado, é o primeiro que faz um levantamento das teses clássicas sobre a Arte Poética.
João Machado
Desde a antiguidade que se tenta enunciar regras para a arte poética. Mais do que evitar a proliferação de má poesia, procura-se assim descobrir o caminho que permita às pessoas comuns fazerem poesia. Na verdade, esta procura subentende o reconhecimento generalizado da importância da poesia para a vida dos homens. Mais concretamente, para a comunicação entre os homens. Numerosos poetas e pensadores deram o seu contributo neste campo, desde Aristóteles e Horácio Flaco, na antiguidade, até Boileau, Edgar Allan Poe e T. S. Eliot.. entre outros, mais recentemente.
O poeta francês Jean de Royére, simbolista, seguidor de Mallarmé, na introdução a Clartés sur la Poésie, livro de 1925, editado por Albert Messein, disse estar persuadido de que a poesia é uma repetição e uma catacrese, e que esta última é o elemento essencial, a figura fundamental, a alma da poesia. Ora bem, o que é a catacrese?
José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, explica que é um substantivo feminino, que vem do grego katakhrisis, pelo latim catachresis, e que é um tropo pelo qual se estende a significação de uma palavra a uma ideia que tem falta de termo próprio, como em “pernas da cadeira”. Por sua vez, Rocha Lima, professor brasileiro, na sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa (página 490 da edição de 1967), refere que na figura catacrese ocorre o total esquecimento do sentido etimológico das palavras, e que é a última consequência de outra figura, a metáfora.
Rocha Lima recorda-nos ainda que a linguagem figurada, ou tropológica, assenta nas alterações de sentido das palavras, fundamentada no que chama a mais natural das leis psicológicas: a associação de ideias.
Talvez haja exagero na definição de poesia avançada por Royére. Mas é um facto que a poesia, como aliás a literatura em geral, contribui grandemente para a renovação e o enriquecimento da linguagem. A procura e a organização das palavras de modo a transmitir o melhor que possível uma mensagem a um auditório, integram o esforço constante do poeta. Outro aspecto do seu trabalho é, sem dúvida, procurar a musicalidade adequada à sua mensagem. Mas aquilo que o termo catacrese procura exprimir, forma sem dúvida uma base essencial para a arte poética.
De adão cruz a 6 de Setembro de 2010
Espero que o Carlos Loures não me bata, mas tenho dito e volto a dizer que, para mim, a poesia é um sentimento, como o sentimento do amor, o sentimento da alegria ou outros, e como sentimento não pode ser explicado, caracterizado por catacreses, metáforas ou esquemáticos jogos de palavras, da mesma forma que o amor não pode ser explicado nem escalpelizado por beijos, afagos ou ternos olhares. Embora o verdadeiro amor se possa expressar e exteriorizar por estes meios, não é por estes meios existirem que o amor existe. Da mesma forma que para ser sentida, a poesia necessita muitas vezes do arranjo de palavras, de catacreses e metáforas, não é por estes elementos estarem presentes que a poesia lá se encontra. Se não houver sentimento poético da parte de quem procura a poesia e da parte de quem lê a poesia, dificilmente esta desabrocha, assim como se não houver amor, ele dificilmente irrompe por mais bonitos e quentes beijos que se interponham. A poesia é um sentimento, que percorre transversalmente todos os actos da nossa vida. O que é difícil é dar de caras com ele.
Ó Adão, eu hoje ando às voltas com a maratona e não posso envolver-me em polémicas, sob pena de não haver maratona. Digo-te só que não podemos chegar a acordo porque tu estás a falar de sentimentos e eu estou a falar da técnica que permite converter esses sentimentos em objecto artístico. A pintura também pode ser descrita nesses termos - não tenhas tu os materiais adequados e não disponhas dos conhecimentos técnicos adequados que os sentimentos hão-de valer-te de muito...
Olha, lê alguuns dos textos da maratona. Boa noite, eu vou para dentro.
Chagámos a Bizâncio :) Mas, por mim, podem repetir esta discussão as vezes que quiserem que eu virei sempre assistir.
Eles deviam polemizar em texto, tão ricos são os comentários .
De acordo, Luís.
De Joao Machado a 6 de Setembro de 2010
De facto, os sentimentos são indispensáveis, mas para os fazer sentir aos outros a arte em geral é um grande auxílio, melhor dito, as artes em geral são um grande auxílio. E cada uma tem as suas técnicas. Acho que foi Ronsard que disse que os melhores poemas nunca são feitos sob o efeito de grandes emoções. Pessoalmente não acredito nisso. Mas ajuda muito dominar a arte de escrever, de pintar, de fazer música, etc. É uma preocupação que vem desde a antiguidade.
Eu, também, não acredito muito nisso, João. O génio não vem da escola.
Ler a repetição destas discussões é como repetir a leitura de um livro: levanta-nos questões que não nos tinham surgido da primeira vez. Como a maratona de poesia já é amanhã, deixo aqui esta pergunta à espera de resposta depois dessa data: quem não dominar a técnica não pode ser um bom poeta? Ou formulada de outra maneira: é garantido que todos os bons poetas dominam a técnica?
Na poesia não sei responder, mas na pintura acho que a técnica é essencial...
Eu respondo-te já Augusta Clara - quem não dominar a técnica, não pode ser um bom poeta. Temos de nos convencer de que a poesia é uma actividade tão séria como outra qualquer - pode-se ser bom arquitecto sem ter aprendido arquitectura? A teoria de que a poesia depende unicamente do sentimento, leva-a para o terreno das ciências ocultas, relega-a para o limbo ou para o circo das excentricidades. Por que é que se exige técnica ao pintor e ao poeta não? A teoria de que a poesia "vem de dentro", "não se aprende" é muito boa para os maus poetas que, desse modo, passam na confusão.
Agora que é preciso ter vocação, sentir intensamente o que se escreve, claro que sim. O arquitecto se apenas dominar a técnica, nunca será um bom arquitecto. O que eu digo é que, sem dominar a técnica, o poeta, por maior que for a sua vocação, sentimento, etc,, não conseguirá transmitir-nos essa riqueza interior. Pode-se ser bom cantor sem cordas vocais? Esta discussão é, como dizes, bizantina. Adeus Augusta Clara, vou regressar à maratona.
De adão cruz a 7 de Setembro de 2010
Concordo em muitas coisas com o Carlos e discordo em muitas outras. Voltaremos ao assunto depois da maratona.
Comentar post