Esta canção, interpretada pelos “Onda Choc”, grupo musical criado pela cantora Ana Faria, diz o essencial sobre o problema de Olivença, território português em poder do estado espanhol desde 1801. Durante todo este tempo, os governos da Monarquia e da República, os da ditadura e os democráticos, têm procedido como se a questão não existisse. Salazar, que apregoava um patriotismo que o levou a envolver o País numa guerra com três frentes para preservar (em África!) a «integridade do território nacional», nada fez para recuperar Olivença, terra portuguesa desde o Tratado de Alcanises, assinado em 1297. Veio a Democracia e o silêncio continuou. Só o almirante Pinheiro de Azevedo, com o seu discurso populista e pícaro, aludiu a um caso que nem os partidos de esquerda incluem nos seus programas. Porém, o estado espanhol nunca se calou com a questão de Gibraltar, menos escandalosa na óptica de Direito Internacional. Lembremos, em síntese, como as coisas se passaram.
Em 1801, durante a Guerra Peninsular, a França firmou uma Convenção com Espanha para a divisão de Portugal, a cujo governo foi apresentado um Ultimato para que quebrasse o Tratado de Windsor com a Inglaterra. Portugal recusou e teve início a campanha conhecida por «Guerra das Laranjas», com movimentações militares a partir da Galiza e no Alentejo. As tropas portuguesas foram derrotadas e Olivença e Juromenha caíram em poder do inimigo. Os tratados de Badajoz e de Madrid, (juridicamente nulos), condenaram Portugal à cedência de parte da Guiana, ao encerramento dos portos portugueses aos navios britânicos. E à perda de Olivença.
A soberania de Portugal sobre o território foi reconhecida pelo Tratado de Paris, em 1814 e pelo Congresso de Viena, em 1815. Espanha nunca aceitou a decisão internacional, continuando a reivindicar Gibraltar. A anexação de Gibraltar pela Grã-Bretanha deu-se em 1704, sendo a soberania britânica sobre o território reconhecida pelo Tratado de Utreque, em 1713. São situações similares, de ocupação manu militari, mas com decisões internacionais diferentes: Portugal tem direito a Olivença; a Espanha perdeu Gibraltar.
À margem do Direito Internacional, Espanha tem direito moral a Gibraltar, pequeno pedaço da Andaluzia, tal como Olivença pertence ao nosso Alentejo. Daniel Hannan, político, escritor e jornalista inglês, pergunta: «Se a Espanha quer Gibraltar, quando pensa devolver Olivença?». Na realidade, do ponto de vista estritamente ético, o estado espanhol não pode reclamar do Reino Unido a devolução do território gibraltino, sem primeiro devolver Olivença a Portugal, bem como Ceuta e Melilha a Marrocos. O jornalista inglês lembra que Portugal perdeu Olivença na sequência de uma ofensiva franco-espanhola a que foi sujeito devido à sua fidelidade à Aliança com o Reino Unido. Portanto, Hannan entende que o governo de Sua Majestade britânica devia mover a sua influência junto das instâncias internacionais para que Olivença nos fosse devolvida. Em contrapartida, digo eu, Portugal poderia movimentar-se junto do seu velho aliado para que devolva Gibraltar à Andaluzia. É tempo de se acabar com estas duas pequenas colónias na Europa – Gibraltar e Olivença.
Os argumentos recorrentes que ouço para que não se reivindique Olivença são a) - É um caso muito antigo e como tal deve ser esquecido. «Não vamos levantar questões como as Aljubarrota, são quezílias do passado», dizem. A anexação de Gibraltar é um século mais antiga e os governos espanhóis, monárquicos, republicanos, fascistas, democráticos, nunca deixaram de exigir a restituição do território. A questão de antiguidade, portanto, não colhe.
b) - «É uma terra pequena. Vamos criar um conflito com Espanha por causa da ninharia de uma vilória?» A cidade de Olivença e as sete povoações que completam o território roubado, perfazem uma área de 750 km2. A área de Gibraltar? – 6,5 Km2. Olivença é cerca de 115 vezes maior do que Gibraltar.
c) - Os oliventinos não querem ser portugueses, pois sendo espanhóis há seis ou sete gerações, não aceitam mudar de nacionalidade. Isto será parcialmente verdade: segundo julgamos saber, na sua maior parte os oliventinos, querendo ver respeitadas as suas raízes culturais, nomeadamente a língua portuguesa, não querem deixar de ser espanhóis. E quem os obriga a ser Portugueses? Estamos todos na União Europeia. Uma cidade portuguesa pode ser maioritariamente habitada por cidadãos estrangeiros, embora comunitários. Os gibraltinos também preferem ser britânicos e isso nunca impediu a diplomacia espanhola de reivindicar a restituição do território. A restituição de Olivença a Portugal não obriga ninguém a mudar de nacionalidade, se não o quiser. Quando muito obrigaria a manobras de logística administrativa entre os dois estados, substituindo os funcionários públicos, incluindo as forças da ordem, por cidadãos portugueses, oliventinos ou não. Todos os problemas que Portugal enfrentaria em Olivença, seriam iguais (ou menores) aos que Espanha teria de resolver caso Gibraltar lhe fosse restituída.
d) Não devemos criar problemas com um estado vizinho e que está connosco na União Europeia, é outro dos argumentos. Porque será então que os espanhóis, que deviam ter com o Reino Unido os mesmos pruridos diplomáticos e de boa vizinhança que temos com eles, não deixam de reclamar Gibraltar? Será que se querem dar mal com um estado tão importante da União Europeia?
Todos os argumentos são deste desprezível jaez. Inconsistentes e procurando iludir a realidade. Porque só há uma explicação. Miserável, mas compreensível: Espanha é muito maior do que Portugal e economicamente mais poderosa. Assuma-se que é por fraqueza de carácter dos governantes que não se reclama a devolução de Olivença. Já que não há coragem para exigir o que nos foi tirado, haja a frontalidade de o admitir. A questão de Olivença resume-se a isso – cobardia dos sucessivos governos portugueses e não só: dos media, sempre tão vorazes na sua necrofagia militante, dos partidos da Oposição, da Igreja Católica, que tem opiniões sobre tudo, mesmo sobre temas em que não devia imiscuir-se. Com a sua escassez de meios, o Grupo dos Amigos de Olivença, continua a pregar num deserto de indiferença.
Desde que haja a chamada «vontade política», a questão tem pernas para andar, sobretudo se no mesmo pacote se colocar a questão de Gibraltar. É preciso que quem governa queira dar os passos necessários. E que quem pressiona quem governa se movimente.
Há dias, no Estrolabio, Carlos Leça da Veiga, denunciando que na Europa há colónias, pedia a independência da Galiza. Pois há uma outra pequena colónia - Olivença, terra portuguesa, roubada há mais de 200 anos. É o rosto da cobardia diplomática dos sucessivos governos de Portugal. Embora não lhe chamem cobardia.
O povo nem sequer é informado de que o problema existe. Os políticos, de uma forma geral, andam há mais de dois séculos a escamotear a questão. Pura cobardia.