Carlos Loures
Para encerrar, por agora, esta questão da ameaça do livro electrónico ao livro impresso, começo por transcrever palavras de José Afonso Furtado em O Que é o Livro: «Uma das imagens recorrentes em diversas obras que se dedicam a problemas de História ou da Sociologia do Livro e da Leitura é uma passagem clássica do romance Nôtre-Dame de Paris, de Victor Hugo. Nela, o arcediago abre a janela da sua cela, contempla por algum tempo a Nôtre-Dame, estende a mão para o livro impresso aberto na sua mesa e, lançando um olhar triste para a igreja, profere a conhecida frase: ceci tuera cela.».
Embora como José Afonso Furtado diz, este imagem seja recorrente, utilizo-a mais uma vez porque facilita a compreensão do que quero expor. Segundo o próprio Victor Hugo explica depois, a frase dita pelo arcediago Claude Frollo (o protector de Quasímodo), reflecte o espanto e o receio do sacerdócio, naquele final do século XV, perante o “prelo luminoso de Gutenberg”, o confronto entre a palavra escrita e a palavra falada. Victor Hugo explicita depois num capítulo do romance a sua previsão de que «o livro matará o edifício». Segundo ele a invenção da imprensa é o maior acontecimento da história da humanidade. A «bíblia de chumbo» irá substituir a «bíblia de pedra». Como disse McLuhan, a arquitectura gótica, a escultura, a iluminura ou a glosa medievais eram suportes da arte da memória e o eixo da cultura da escrita. Temia-se que o advento da imprensa pusesse tudo isso em causa e em risco de extinção.
Tal como nesse fim do século XV se temia que um avanço como o que a imprensa significava, pusesse em risco a forma mais popular de comunicar com as massas – a arquitectura gótica, através das quais multidões de gentes iletradas, que faziam das catedrais o seu local de encontro e de passeio dominical (tal como hoje as famílias vão ao centro comercial) «liam», nos elementos escultóricos de pórticos, túmulos, capelas e retábulos, passagens das Sagradas Escrituras, teme-se agora que as novas tecnologias da informação ponham o livro em risco de extinção.
Penso que se trata de um falso receio e de um falso problema. Embora, indubitavelmente, o cenário mude – já mudou - e os editores tenham de se adaptar a ele. E esse é um dos problemas – o mundo da edição está ainda povoado por muitos editores que actuam por emoção, por «fezada», por feeling. O feeling que têm usado como sistema, vai deixar (se é que não deixou já) de ser suficiente – vão ser necessários investimentos, nomeadamente na área da formação.
As novas tecnologias só podem ser aliadas do livro, nunca adversárias. Concorrentes, sim, inimigas, não. Mas isto, se os editores estiverem apetrechados, inclusive com formação específica que desde há dezasseis anos existe, tendo começado com um curso de especialização na Faculdade de Letras de Lisboa e existindo agora outros cursos na Católica e na Nova. Na realidade, do mesmo modo que é impensável um médico ou um engenheiro autodidactas, deveria pôr-se na gaveta das recordações o editor «sem mestre, mas com jeito», como diria o José Fanha.
Os editores continuam a publicar por feeling. E não nego que existem pessoas no mundo da edição com uma espécie de sexto sentido. Mas até esses sobredotados às vezes se enganam. A edição é uma ciência. Existem técnicas que podem ser postas ao seu serviço. A vocação é necessária, mas a formação é indispensável. Na ponderação dos factores que contribuem para a crise do livro, a impreparação dos editores (de alguns editores, diga-se) pesa mais do que a ameaça das novas tecnologias. Essa ameaça perfila-se no horizonte e poderá não passar de uma profecia falhada. A falta de formação de muitos intervenientes na edição, é um mal enquistado desde sempre. E perante esse cenário, não é preciso que o livro electrónico triunfe sobre o impresso em papel – há cavalos de Tróia dentro do mundo da edição.
E assim introduzo a questão que tenciono abordar em seguida – Crise do livro (os editores, parte da solução ou parte do problema?)
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau