Terça-feira, 26 de Outubro de 2010

Fotopoemas - Da divindade da poesia

Poema de Carlos Loures e
Fotografia de José Magalhães

Os poetas criam fantasmas
e não realidades (disse Platão).
É preciso que o poeta crie realidades
com os seus fantasmas (digo eu).

Hoje
entre um café, um cigarro e um entardecer sereno
entro na oficina onde verso a verso
fabrico os meus poemas de combate.

Hoje
procuro palavras que não sejam já palavras,
mas anátemas,
sílabas que já não sejam sílabas,
mas guerreiros couraçados, implacáveis,
ao assalto desta tessitura infame
que se sobre nós se fecha, que se nos abate
como uma montanha sobre o peito.
Corsários,
impiedosos assassinos, desmontando
virgem por virgem, dólar por dólar,
este cenário abjecto que nos encerra e avilta.

Porque a poesia-palavra já foi toda escrita
pelos milhares de bons poetas que vieram antes,
gostaria hoje de escrever uma poesia espingarda
e gostaria de poder dizer ao meu povo:
- Estou contigo povo!
- Toma o meu poema e faz dele um arado;
toma os meus verso e transforma-os em pão
e em esperança.
Toma as minhas palavras, faz com elas uma bomba*
e arremessa-as à máscara de trevas que te ensombra.
..........................................

Anoiteceu
e eu regresso a casa.
E sou apenas um pobre homem
com papéis debaixo do braço
(mas com bandeiras de raiva e indignação
sangrando o coração).

(in A Voz e o Sangue - 2ª edição, 1968)

* Nas duas edições, este verso termina com a palavra «pomba», embora eu tenha escrito «bomba». O dono da tipografia não deixou pôr a palavra bomba. Era um excelente homem e foi o único acto de censura que exerceu. Inútil, pois o livro foi apreendido, eu fui preso e a tipografia devassada de alto a baixo por uma brigada da PIDE.
.
_______________

Terminamos aqui a primeira série de "Fotopoemas". Esperamos, muito em breve, dar início à segunda série.
______________
publicado por Carlos Loures às 10:00
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6 comentários:
De augusta.clara a 26 de Outubro de 2010
E acaba da melhor maneira, com uma fotografia de fantasmagórica beleza e um igualmente belo poema de luta.
Os últimos são os primeiros.
Como diz o Carlos, nem todos os lugares-comuns são estúpidos. Este é um deles.
De carlos loures a 26 de Outubro de 2010
Augusta Clara, só fui o último, não para ter a última palavra. mas porque estive até ao derradeiro momento à espera de alguns poemas que ainda faltam. A série não segue dentro de momentos, mas espero que possamos apresentar uma segunda (com os relapsos, alguns novos e mesmo repetentes) dentro de pouco tempo. Esta não correu nada mal.
De Luis Moreira a 26 de Outubro de 2010
Esta ideia é para manter. Um sucesso. Não faltarão fotos ao Zé nem talento aos nossos vários poetas. o Carlos e o Zé estão feitos!
De augusta.clara a 26 de Outubro de 2010
Luís, passa-se qualquer coisa com o contador de posts. Basta ver, por ex., que a Andreia já apresentou 8 e só lá estão 3. Fui apanhada de surpresa com esta evolução mas ainda não percebi bem como funciona. Já não é preciso abrir conta? E no contador não ficava melhor um ponto do que uma vírgula?
De Luis Moreira a 26 de Outubro de 2010
Augusta, estamos a tratar do assunto. Passo a passo. Depois quando dominarmos melhor o assunto divulgamos.Bjs
De Anónimo a 26 de Outubro de 2010
O contador é do número de referências nas "etiquetas" que surgem no fim dos textos. Só são contadas as ocorrências naquelas e não nos "posts".

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