Sábado, 18 de Dezembro de 2010

Dos invernos do nosso descontentamento: de 2008 a 201?, da Islândia, passando pela Irlanda a uma outra qualquer xislândia europeia - I

Uma peça em três actos, o sonho de uma noite de Verão, o pesadelo do dia seguinte e um epílogo. (da compra um clube de futebol até à necessidade de comer tudo até limpar o prato, às igrejas abertas à noite como resposta)

Gerard Lemarquis

1. Islândia: um país à beira da falência
Um país à beira da falência, mendiga no estrangeiro um financiamento a curto prazo, com dois dos três grandes bancos nacionalizados, numa situação de catástrofe, uma inflação de 15% e uma moeda, a coroa islandesa, que, num ano, perdeu 60% do seu valor: esta é a situação actual da Islândia. Como é que se pôde chegar a isto? É a questão que se coloca ao Islandês médio que tem o sentimento de não ter participado em nada para esta triste situação.Esta crise que arrasa a Islândia não é de imediato visível. As grandes artérias de Reykjavik estão cheias dos mesmos sumptuosos 4×4, dia e noite. A floresta de gruas aí continua, pendendo sobre estaleiros parados. Ali, onde se devia construir um palácio da música, “um World Trade Center”, um hotel de luxo de 400 quartos e a nova sede do banco Landsbanki- em falência e nacionalizado desde terça-feira 7 de Outubro de manhã - só a sala de concerto será construída. Mas Reykjavik continua a ser ao mesmo tempo calma e habilidosa, com os seus céus de chuva fulgurantes e o seu desemprego inexistente.
Sim, como é que se chegou até aqui? A Islândia não é um país em vias de desenvolvimento, é uma sociedade muito moderna de 330.000 habitantes, a mais rica das nações nórdicas depois da Noruega, que bate todos os palmarés internacionais. É um Estado de Direito cujas instituições são análogas às dos países escandinavos. E no entanto, chegou-se até esta situação.
 Jornal Le Monde. 9.10.08.


Há primeiramente um problema interno que não é novo: os Islandeses, desde há várias gerações, vivem a crédito, acima das suas possibilidades. Várias gerações o fizeram desde a guerra, é a sua cultura, e sempre pagaram as suas dívidas ao preço de um segundo ou mesmo terceiro emprego. Tem-se aqui o sentimento de se viver quando se tem dinheiro. Mas não é isto que arruinou a Islândia, ainda que os bancos, facilitando sempre a vida aos Islandeses, lhes propusessem ainda recentemente que pagassem o seu alojamento por um período de quarenta anos e sem entrada inicial. Os jovens casais que por isso foram tentados, pagam-no hoje bem caro: a sua dívida excede hoje o valor da sua casa. As gerações precedentes saem-se ligeiramente melhor. As suas reformas serão cortadas, o primeiro-ministro, Geir Haarde, anunciou-o a não deixar qualquer margem de dúvida, segunda-feira, porque os fundos de pensão possuem uma importante carteira de acções nos bancos em situação de falência.

Mas, se o problema fosse apenas interno, a pequena sociedade islandesa em breve estaria recuperada, tanto os ciclos de recessão e de expansão se põem rapidamente em marcha, numa sociedade também ela reduzida. O problema é, com efeito, a dimensão desmesurada dos bancos islandeses em relação ao país assim como a imprevidência e os erros do banco de emissão islandês. O primeiro-ministro revelou que as dívidas dos bancos representavam hoje doze vezes o PNB da Islândia. Era tempo para que os Islandeses, surpreendidos, o ficassem a saber.

O terceiro banco do país, Glitnir, foi o primeiro a não se poder refinanciar. A notícia da sua nacionalização abalou a confiança nas sucursais do segundo banco, Landsbanki. Os seus clientes recuperaram os seus activos na Grã-Bretanha num movimento de pânico, pondo o banco Landsbanki de joelhos. Na situação de incapacidade de pagamento, foi colocado sob o controlo das autoridades financeiras. E quem, durante a crise, deu a impressão de não medir a situação? Quem, desde há anos, evitou assinalar a excessiva dívida dos bancos? O director do banco de emissão, David Oddsson, antigo primeiro-ministro e presidente do partido.

Os bancos islandeses são recentes e a sua história é uma saga edificante. Outrora todos os bancos de Estado, muito numerosos também para um pequeno país, fundiram-se. De De todos eles ficaram apenas três, privatizados nos anos 1990. O esquema é o clássico. Mas a quem confiar o núcleo duro destes bancos? Cruel dilema e conflito de interesses: ricos dirigentes e patrões revelaram-se ser empresários que, uma vez tornados banqueiros, se atribuíram a si-mesmos créditos com uma culpada liberalidade.
Os dois bancos, hoje nacionalizados, têm perfis que se assemelham. Note-se, para os freudianos, que os empresários islandeses são ou irmãos, ou ainda uma associação pai-filho.

O homem de negócios Björgólfur Gudmundsson, que acaba de perder dezenas de mil milhões de coroas em três dias, tinha tentado abrir à concorrência o transporte de frete marítimo na Islândia. Encurralado pela falência, emigrou para a Inglaterra. Alcoólico arrependido mas confiando no futuro do consumo de álcool na Rússia, ai investiu numa cervejaria e introduziu em Saint-Pétersbourg o consumo das misturas “breezers” vodka-soda. Bem gerida, a empresa prosperou e foi vendida à Heineken. “Gudmundsson Monte-Cristo”, e de regresso à Islândia, tinha os meios financeiros para adquirir o Landsbanki com o dinheiro russo. Mas o pai e o filho lançaram-se na farmácia e no telefone na Europa do Leste, e, depois, numa grande variedade de investimentos nem sempre felizes na Grã-Bretanha. O pai, como os oligarcas russos, ofereceu-se a si-mesmo um clube de futebol da primeira divisão britânica, West Ham, um sonho de criança.

Johannes e Jón Ásgeir Jóhannesson, que possuíam 31% do banco Glitnir, o primeiro nacionalisado, é também a história de um pai e de um seu filho. O pai, merceeiro , lançou uma cadeia de super-mercados a preços baixos. O filho casou com a herdeira da maior cadeia de supermercados. Aí também, uma grande ambição deslizou lentamente para a desmesura. Na Dinamarca, a sua sociedade, após ter investido maciçamente no imobiliário, lançou um diário gratuito hoje desaparecido.

A sua situação financeira na Grã-Bretanha também não é mais brilhante: só as pequenas ervilhas congeladas Iceland deram lucros. Todas as insígnias prestigiosas compradas a preço forte no mercado, a joalharia ou os brinquedos deixaram de ser vendáveis. Embora empobrecido o filho voa sempre em jacto privado entre a Islândia e Nova Iorque, onde reside.

Terça-feira de manhã, o banco de emissão dotou a coroa de uma taxa fixa (130 coroas para um euro), e os Russos prometeram um empréstimo de 4 mil milhões de euros. Este regresso dos Russos faz sorrir a quem se recorda da guerra-fria. Os Americanos tinham então uma base de 4.000 soldados que abandonaram depois para destinos mais quentes, a Islândia foi um elo de ligação essencial na detecção dos submarinos soviéticos. Os Russos, na época, “namoravam” os Islandeses, e trocavam petróleo contra roupas de lã e arenque. A Islândia perdeu a sua importância geopolítica, mas poderia voltar a ser interessante se o a fusão dos gelos polares transformar o norte das costas da Sibéria numa auto estrada marítima.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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