Sábado, 17 de Julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo LI

Décima quarta etapa: de Albergaria-a-Velha a S. João da Madeira

(continuação III)

Maria conta que se perdeu e começou a perguntar, em espanhol, com o sotaque andaluz, às pessoas que encontrava, se havia setas amarelas.

- ...Setas amarillas?

Mais de uma vez, responderam-lhe:

- Santa Maria?... Olhe que não sei! Não conheço... Além é a Nossa Senhora do...

Daqui em diante, quando procurarmos as setas, havemos de berrar:

- Valha-nos Santa Maria!

Maria volta a acelerar e desaparecer. Continuo com o Paul e o Gerhardt. Este não fala português, nem francês nem espanhol. Fala alemão (que só estudei um ano) e inglês (que não gosto de falar); por isso conversamos pouco. Diz-me onde vive (Salzburgo), queixa-se do calor, é o primeiro dia de caminhada, sente-se com pouco treino. No resto do tempo, converso com Paul. Pergunto-lhe por que anda há dez anos pelos caminhos de Santiago. A resposta vai até S. João da Madeira... Fala-me de meditação e de aventura interior, dos limites e da liberdade, de aprendizagem através de um ritmo e de uma disciplina, dos encontros e das coincidências...

Passamos Santiago de Riba-Ul, cuja igreja tem no pórtico uma estátua do apóstolo, atravessamos uma floresta de eucaliptos, onde de novo encontramos a linha de comboio, avançamos por uma ponte medieval, em cujo extremo há um belo espigueiro, trepamos na direcção de Cucujães.

Após numerosas subidas e descidas, entramos em S. João da Madeira. Procuramos logo os bombeiros, orientam-nos para o centro. Sucedem-se várias rotundas, contornamos uma, desejando que seja a última porém, rotunda após rotunda, aparece mais outra. Cansados. Com calor e sede (o meu peixe estaria salgado?). Dois quilómetros mais adiante, chegamos enfim ao centro, já ufanos e aliviados, antecipando o largar da carga: prestes a levitar. Ah, quem nunca aguentou com uma mochila durante trinta quilómetros, quem nunca sentiu, quilómetro após quilómetro, aumentar o peso da dita mochila, não compreenderá este instante de prazer...

Explicam-nos então que têm dois quartéis de bombeiros e o dos peregrinos se encontra na zona industrial. Não é possível... Deve haver aqui um erro, um lapso, um deslize, um engano, um equívoco, um quiproquó, um mal-entendido, um... Pois há: o nosso. Telefono aos bombeiros e, de facto, estão dispostos a acolher-nos – mas na zona industrial.

Esta calamidade basta para dispersar o grupo. Paul e Gerhardt optam logo por uma pensão. Maria, sentada à sombra de um prédio, declara exaustas as forças até à alma imaterial, se alguma tiver – também quer uma pensão. Eu, quanto a residenciais, de Norte a Sul, tenho a minha dose: conheço-lhes os defeitos. Interessa-me saber como é para os peregrinos que queiram pernoitar nos bombeiros; e até, de um ponto de vista pessoal, sinto-me melhor num ginásio, rodeada de heróis, do que numa residencial. Paul reclama, antes que eu desapareça, para ficarmos em contacto, o meu número de telemóvel. Registo também o dele e despeço-me dos companheiros.

Uma diferença – e não a menos significativa – entre nós e os peregrinos de Fátima é que somos viajantes individuais e individualistas, defendemos e respeitamos, cada um à sua maneira, a liberdade, as manias e as particularidades de cada um. Admiramos o comunismo dos grupos portugueses (eu, em todo o caso: admiro-o) mas somos incapazes de nos submeter, daquela maneira, ao apagamento individual dentro do grupo.

Depois dos adeuses e recomendações, tem cuidado, não sejas imprudente, recomeço a caminhar: mais dois quilómetros.
tags:
publicado por Carlos Loures às 10:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links