Terça-feira, 27 de Julho de 2010

De cada um, segundo as suas capacidades, a cada um, segundo as suas necessidades!

Carlos Mesquita

Lembro-me de um filme publicitário inglês em que um casal idoso, viajando no seu automóvel, ouve uma canção Punk (em alemão parece-me) e segue o ritmo da música alegremente, abanando o capacete e rindo cúmplices um para o outro; em rodapé passa a legenda, a letra é toda obscenidades. O slogan era qualquer coisa do género, “ não faça figuras tristes, matricule-se na escola de línguas XPTO”. São muitos os exemplos de gafes monumentais do nosso mundo político quando fazem citações para armar em cultos, usando frases de notáveis, a maior parte das vezes fora do contexto, para evidenciar que leram um ou outro teórico, ou simplesmente repetindo expressões que andam por aí, e que nunca usariam se soubessem a sua origem. Recentemente, Aguiar Branco discursando pelo PSD, resolveu transformar a sessão solene das comemorações do 36º aniversário do 25 de Abril, num cómico stand up, citando uma frase de Lenine que podia ter sido escrita por um carteiro dos CTT ou um dirigente de clube de futebol da segunda circular. Satisfeito pelo efeito – gargalhadas da plateia – continuou o número, expelindo uma versão livre de um parecer da revolucionária polaca e fundadora do partido comunista alemão, Rosa Luxemburgo, sobre a liberdade; aqui, ele ou quem lhe escreveu a conversa, teve o cuidado de truncar a frase, pois a expressão completa dita por políticos tão pouco respeitadores da liberdade dos outros, pediria uma barra de sabão azul e branco para lavar a boca. Mas a situação mais bizantina a que assisti ultimamente, foi o novel ideólogo laranja Calvão da Silva, em declarações sobre a proposta de revisão constitucional do PSD, que pretende higienizar a lei fundamental retirando-lhe os marxismos das letras e da pontuação. Disse Calvão da Silva: “É preciso que o Estado seja mais justo e equitativo na distribuição da riqueza, não tratando todos por igual (…) e que se aplique o princípio, a cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas possibilidades”. Calvão da Silva, professor universitário e presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, devia saber que estava a citar Karl Marx, e logo a rematar um paleio argumentativo anti-marxista. E não é um Marx qualquer, uma frase encontrada nos perdidos e achados como a citação de Lenine feita por Aguiar Branco, mas um texto fundamental para os marxistas que é a “Crítica ao programa de Gotha”. Calvão da Silva podia ter recuperado o princípio de distribuição para uma sociedade de transição, mas resolveu defender o critério para uma sociedade socialista, aquele que Marx entendia que na “fase superior do comunismo” a “sociedade poderá inscrever nas suas bandeiras: De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades.”

Para os nossos liberais um dia os cidadãos são desiguais entre si, para no outro serem iguais e desiguais ao mesmo tempo, tanto defendem os direitos sociais como a sua não universalização, já professam a satisfação das necessidades quando o socialismo sempre admitiu transitoriamente uma distribuição desigual, no fundo denotam uma grande ignorância sobre a base ideológica da sua família e o limite teórico das correntes políticas. Daí a confusão sobre o papel do Estado, do trabalho, dos factores de correcção social, da equidade ou do igualitarismo. Podiam começar por decidir se querem tratar de forma desigual os desiguais.

Eu ando a traduzir o conceito de que o trabalho é para ser feito segundo as capacidades de cada um; vivo num 2º andar sem elevador, já disse à minha mulher: - A próxima bilha de gás acartas tu que não quero que os vizinhos pensem que somos comunistas, ou pior, que lhes passe pela cabeça que somos do PSD.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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4 comentários:
De Luis Moreira a 27 de Julho de 2010
Iguais nunca seremos, meu caro. mas podemos criar uma sociedade onde haja oportunidades iguais para todos.
De carlos loures a 28 de Julho de 2010
Bom texto, Carlos Mesquita - claro, lúcido e irónico q.b., porque há coisas que já não é possível levarmos a sério. Por exemplo, Luís, essa de que, no modelo de sociedade que seguimos, todos temos as mesmas oportunidades. Mas, Mesquita, houve um lapso auditivo da nossa parte que alterou o que o professor Calvão da Silva realmente disse: "De cada um segundo as suas habilidades, a cada um segundo as suas rapacidades". Deve ter sido isto (ou vice-versa) que ele disse.
De Luis Moreira a 28 de Julho de 2010
Eu digo que é para a igualdade de oportunidades que devemos caminhar, não para a igualdade, sermos iguais.Nunca seremos e isso é bom.Mas é claro que estamos muito longe da igualdade de oportunidades.
De Carlos Mesquita a 28 de Julho de 2010
O que eu digo é o que está no texto, mas parece-me que ao contrário do que diz o nosso Carlos Loures, não está claro; senão não havia este tipo de comentários.

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