Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

A religiosidade de Marx,as ideias de Lutero, e os comentários de Ratzinger-2

Raúl Iturra

Poucos sabem, talvez, como a Reforma mudou a atitude dos cristãos em relação ao dinheiro.

Nos seus estudos, Karl Heinrich analisou e aderiu às ideias de Martinho Lutero. Pastor de almas que introduzira as boas-novas: o valor da pessoa era totalmente independente do seu sucesso, que era avaliado em termos de renúncia do mundo ou em quantidade de bens adquiridos. Com isso, passou a travar uma dupla batalha, contra o ascetismo monástico e o emergente capitalismo. Na verdade, os dois – salvação por obras e esforço humano – são os lados da mesma moeda. Ideias aprendidas por Marx na sua catequese luterana e que ficaram impingidas no seu espírito e mente cultural.

Os pobres ganhavam mérito pela sua pobreza e humildade e os ricos ganhavam--o ao contribuir generosamente para os necessitados. Os gananciosos usavam mal as coisas materiais no seu desejo de adquirir posses e bens; os ascetas relacionavam-se mal com o mundo no seu esforço de abandoná-lo. O resultado final, em ambos os casos, era a insegurança pessoal, já que se colocava confiança na realização pessoal e não em Deus. Essa divindade que o luterano Marx analisava nos textos de debate com outros filósofos, para a qual define um papel social, em 1848, no Manifesto Comunista, como Lutero tinha feito ao estudar a Bíblia - torná-la protestante ao reescrevê-la nos seus princípios teológicos.

Os princípios capitalistas, como o facto de ganhar dinheiro usando o próprio dinheiro, eram incipientes no tempo de Lutero, mas ganharam força e influência na época de Marx. Lutero abominava os capitalistas calculistas: percebia que a sua prática divorciava o dinheiro de finalidades humanitárias e criava uma economia de aquisição. Pregava continuamente contra a crescente economia de créditos e empréstimos e identificava os avarentos e agiotas como os maiores inimigos da humanidade, depois do próprio Diabo.
A fim de aumentar a sua renda, dizia Lutero, o agiota deseja que o mundo inteiro se arruíne e que assim haja fome, sede, miséria e necessidade; dessa forma, todos dependerão dele e serão seus escravos, como se ele fosse Deus. Semelhante às críticas de Marx nos seus textos sobre o Valor de 1862 e 1863, intitulados Teorias da Mais-Valia e no de 1865: Valor, Preço e Lucro.

Essa cobiça por lucros dizia Lutero, antes de Marx, tinha diversas e engenhosas expressões: vendas a prazo, empréstimos, manipulação do mercado (por reter ou despejar mercadorias), criação de cartéis e monopólios, falsificação de falências, comércio de futuros e falsificação de bens. Essas formas de disfarçar a prática de juros abusivos (usura) afectavam todos, principalmente os pobres. Por isso, Lutero exortava os pastores para condenarem a usura colocando-a na mesma classe do roubo e do homicídio e não aceitassem agiotas na comunhão, a menos que se arrependessem. Marx analisou estes conceitos para a sua utopia de Sociedade Comunista que, sem saber, Lutero tinha já adiantado nos seus textos pastorais.

É importante observar que a preocupação de Lutero não era apenas em relação ao uso individual do dinheiro, mas principalmente quanto ao sério dano social inerente na idolatria das “leis” do mercado. A ideia de um “mercado impessoal” e de “leis autónomas da economia” eram-lhe repugnantes, pois entendia-as como idólatras e socialmente destrutivas. Para Marx esse mercantilismo traduz-se numa mais-valia, ideia que, naturalmente, não foi usada por Lutero por se tratar de um conceito definido por Marx, séculos mais tarde. Na obra O Capital, datada de 1862, Marx considera que a sociedade inteira será ameaçada pelo poder financeiro de um pequeno número de grandes centros económicos. A emergente economia mundial começava a engolir as economias locais e urbanas e logo, uma força económica imune a outras leis ou princípios, destruía o etos (natureza moral e princípios governantes) da comunidade local .

Como anteriormente referi, no renascimento mudaram as formas de pensar, mas mudaram também as formas de trabalho, que passarei a analisar. Com o advento da Idade Moderna começou a acabar o servilismo, e, em consequência, o feudalismo. Embora, em trabalhos anteriores (especialmente nos 1988 e 1989), tenha já definido estes conceitos, parece-me, neste contexto, ser útil explicar o conceito do modo de produção feudal para entendermos o aparecimento do capitalismo, como fez Marx e o modo de produção denominado capitalista , conceito muito usado mas nunca definido (motivo que me leva a uma digressão de notas de rodapé). Aparece na época do declínio do modo de produção feudal, quando os servos da gleba não recebiam dinheiro pelo trabalho que faziam: semear, plantar, tomar conta do gado e servir na casa do senhor feudal (feudatário ou dependente), súbdito feudais que, sem receber salário, entregavam como renda a maior parte do produto ao proprietário da terra, que, por sua vez, nos tempos da Monarquia Absoluta , entregavam uma parte ao Rei.
Hobsbawm, no início (Prefácio) do seu livro A era do Capital (p. 11), diz com todo o ímpeto: Na década de 1860 foi introduzida uma palavra no vocabulário político e económico do mundo: a palavra capital. Pareceu-nos portanto oportuno intitular o presente volume A Era do Capital, título que recorda o da principal obra do crítico mais penetrante do capitalismo, Das Kapital, de Karl Marx (1867) .
É assim que podemos já procurar a origem da análise sobre o conceito capital, que Marx criou e que muitos de nós continuamos a estudar, para tentar entender as relações sociais na estrutura sócio económica de qualquer agrupamento cultural, denominado também sociedade.

Porque designo estrutura socioeconómica? Porque é o trabalho que rende dinheiro que passa a ser lucro e sustenta a vida social e a sua hierarquia. Toda a estrutura social está orientada por uma hierarquia de pessoas: os que obedecem e os que orientam, os eleitos e os eleitores, as pessoas consagradas para exercer um ministério religioso e os seus seguidores, e, como gosto sempre de acrescentar, os que pertencem à cultura dos doutores e os do povo. Estas ideias são denominadas método funcionalista , por cada pessoa ter um papel para realizar, uma função adscrita e adquirida, entregue pela vida cultural do grupo. Diferente das ideias do estruturalismo, definidas também na nota de rodapé do funcionalismo. A diferença é que o funcionalismo descreve, enquanto o estruturalismo compara e é dessa comparação que decide o que é útil e o que não parece ser verdade.

Nenhuns destes métodos eram satisfatórios para Karl Marx. Aliás, eram métodos que ainda não existiam dentro da cronologia do tempo, era impossível, por isso, usá-los. Não havia a ideia de método comparativo, apenas a cartesiana de ver para acreditar. Na procura de entender a realidade, usou ideias políticas, a partir das quais elaborou um método, retirado dos seus estudos com Hegel, o dialéctico. Ao usar a economia como base da análise das relações sociais, conjugando-a com o método referido, cria o método materialista dialéctico. Recorrendo à teoria económica socialista de David Ricardo, usada para entender a definição do valor do trabalho, aprendendo com Quesnay o mercantilismo e com Smith, a inclinação do ser humano para o trabalho e discordando dos três autores, cria a sua própria teoria, que levaria anos a formular, a do capital, que passaremos a analisar.

Mas antes, quero novamente reiterar, que não defendo que Marx tenha sido um homem religioso, mas sim um profundo conhecedor sobre ideias de fé e confissão (não nos esqueçamos que foi catequizado nas ideias de Lutero sobre economia e religião), ideias que soube usar para a criação da sua própria teoria do materialismo histórico.

Voltemos então à teoria sobre o Capital e ao texto redigido por Jenny Marx, que começa com a análise das condições históricas da revolução europeia: Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot , os radicais da França e os policiais da Alemanha. Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de comunista?

Duas conclusões decorrem desses factos:
1a. O comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da Europa;
2.a. É tempo de os comunistas exporem, à face ao mundo inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partido à lenda do espectro do comunismo” . Marx e Engels estão conscientes que o seu objectivo é um facto que aterroriza a burguesia e os proprietários do capital. O Manifesto é um documento histórico que argumenta sobre a substituição de antigas religiões por novas formas de fé, do nascimento do proletariado (com o fim do feudalismo) e do predomínio de outro grupo, a burguesia, em tempos, revolucionário. Burguesia que se rebelou contra a aristocracia ou proprietários feudais de terras que rendiam, sem serem trabalhadas por eles. A base era o contrato de enfiteuse. Operavam sobre os terrenos trabalhadores rurais ou foreiros, ou pessoas sujeitas ao proprietário das terras, que deviam pagar foro ou pensão anual que o enfiteuta paga ao senhorio directo. Enfiteuta ou pessoa que tem o domínio útil do prédio por enfiteuse ou convenção pela qual o dono de um prédio transfere para outrem o seu domínio útil em troca de um foro.
publicado por Carlos Loures às 14:00
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