Terça-feira, 7 de Dezembro de 2010

Réplica à carta aberta de Carlos Loures sempre sobre a Carta de Caminha

Sílvio Castro 
                                                                                
Prezado amigo Carlos Loures, agora sim começo a reconhecer a tua habitual fala, feita de ponderações; apoiada em convincente e jamais deslocada erudição; expressiva demonstração de moderna mentalidade literária. Mas, infelizmente, (me parece...) nem tudo ainda é ouro!...

Quando falo de lugar comum na tua primeira intervenção não transcuro a certeza que todo o conceito de lugar comum pode se transformar em metáfora redentora e de clara força criativa. Como é próprio de um escritor moderno, como sabes ser, tanto em prosa, quanto em poesia. No mesmo sentido considero determinados adjetivos. Sabemos que em geral o adjetivo tem a consistência passageira próprio do leve tempo de uma rosa, a não ser que esta mesma rosa não seja um “nome” e de consequência o adjetivo não possua a consistente força nominal. Assim está para os meus citados “aberrantes”, “anacronísticos”.
A historiografia literária não é uma ciência exata, certo, mas funciona cientificamente na melhor direção da posse de consciência cultural por parte de um povo.
O Brasil existe enquanto complexa realidade desde 1512, quando o cartógrafo veneziano Marini realiza o seu mapa-mundo e dá às novas terras que Caminha já revelara o nome “Brasil” (o mapa original de Marini encontra-se atualmente no Museu do Itamaraty, Rio de Janeiro).
Quando o luso-brasileiro Duarte Coelho, titular da grande Capitania de Pernambuco, escreve ao Rei de Portugal despertando-o para a realidade brasileira, já então ele sabia que o Brasil existia. E que todo o resto era uma fugaz, ainda que dolorosa, situação política, não somente para os brasileiros, como ele, mas igualmente para os portugueses, como ele.
A Carta de Caminha, o primeiro Evento da literatura brasileira, já exprime tudo isso. Esta é a razão pela qual o estudioso paulista Leonardo Arroyo, na sua edição do texto do grande Escrivão, afirmava:

“Mais do que um documento histórico essa Carta de Pero Vaz de Caminha é uma profecia e um instrumento de fé. Por isso deve andar nas mãos do povo“.

A minha posição metodológica quanto à história da literatura brasileira, caríssimo Carlos, não é patriotismo, mas a certeza da força de todos esses valores históricos. Por isso, não duvido que Tomás Antônio Gonzaga seja um poeta brasileiro; bem como não meteria jamais em dúvidas que Gonçalves Crespo pertence à literatura portuguesa.

Eu, para concluir, meu caro amigo, sou tão patriota que de pátrias tenho três, como traduzo num dos meus poemas de Gira Mu(o)ndo (Ed. Galo Branco, RJ, 2007):

Unidade terciária


                                   1.
                                   Não me chamo Raimundo
                                   Raimondo
                                   nem Edmundo;
                                   como certa unidade
                                   fora de qualquer idade
                                   por 1 terço
                                   sou brasileiro,
                                   português por um outro,
                                   italiano na comple
                                   mentaridade.
                                   Os meus 3 terços me levam
                                   a fora
                                   em busca
                                   do sentimento do mundo.

                                   2.
                                   O brasileiro encontra o seu mundo
                                   inteiro e terciário
                                   num constante frêmito vital;
                                   tudo lhe parece inédito
                                   ainda que saiba
                                   que muita descoberta
                                   é um édito
                                   repetidamente lido.

                                   3.
                                   Mar e terra a vista
                                   a bordo da nave insone
                                   conduz no sentimento
                                   do mundo
                                   o ondoso terço
                                   português;
                                   ele sabe que o infinito
                                   está atrás do olhar
                                   que descobre  com naufrágios
                                   a certeza de finisterra.

                                   4.
                                   O terço de italiano é ele
                                   e os dois distinto outros:
                                   viaja no mundo
                                   ainda quando não
                                   sai de Veneza Gênoa Florença
                                   Milão –
                                   nelas encontra horizontes
                                   pintados de azuis amarelos vermelhos
                                   tintoretos
                                    visíveis até mesmo onde
                                   ainda não chegou.
publicado por Carlos Loures às 17:00
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2 comentários:
De Luis Moreira a 7 de Dezembro de 2010
Como se temia, terminou. Esperemos que por pouco tempo.Um abraço aos dois extensivo ao Manuel Simões.
De carlos loures a 8 de Dezembro de 2010
Não terminou. Ainda responderei aos Professores Sílvio Castro e Manuel Simões. Ambos dizem coisas com que concordo e outras com as quais estou em desacordo. Falta-me, sobretudo, dizer quando é que, para mim, começou a Literatura Brasileira. Por enquanto, só disse quando é que entendo que não começou.

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