Sílvio Castro
Prezado amigo Carlos Loures, agora sim começo a reconhecer a tua habitual fala, feita de ponderações; apoiada em convincente e jamais deslocada erudição; expressiva demonstração de moderna mentalidade literária. Mas, infelizmente, (me parece...) nem tudo ainda é ouro!...Quando falo de lugar comum na tua primeira intervenção não transcuro a certeza que todo o conceito de lugar comum pode se transformar em metáfora redentora e de clara força criativa. Como é próprio de um escritor moderno, como sabes ser, tanto em prosa, quanto em poesia. No mesmo sentido considero determinados adjetivos. Sabemos que em geral o adjetivo tem a consistência passageira próprio do leve tempo de uma rosa, a não ser que esta mesma rosa não seja um “nome” e de consequência o adjetivo não possua a consistente força nominal. Assim está para os meus citados “aberrantes”, “anacronísticos”. A historiografia literária não é uma ciência exata, certo, mas funciona cientificamente na melhor direção da posse de consciência cultural por parte de um povo.
O Brasil existe enquanto complexa realidade desde 1512, quando o cartógrafo veneziano Marini realiza o seu mapa-mundo e dá às novas terras que Caminha já revelara o nome “Brasil” (o mapa original de Marini encontra-se atualmente no Museu do Itamaraty, Rio de Janeiro).
Quando o luso-brasileiro Duarte Coelho, titular da grande Capitania de Pernambuco, escreve ao Rei de Portugal despertando-o para a realidade brasileira, já então ele sabia que o Brasil existia. E que todo o resto era uma fugaz, ainda que dolorosa, situação política, não somente para os brasileiros, como ele, mas igualmente para os portugueses, como ele.
A Carta de Caminha, o primeiro Evento da literatura brasileira, já exprime tudo isso. Esta é a razão pela qual o estudioso paulista Leonardo Arroyo, na sua edição do texto do grande Escrivão, afirmava:
“Mais do que um documento histórico essa Carta de Pero Vaz de Caminha é uma profecia e um instrumento de fé. Por isso deve andar nas mãos do povo“.
A minha posição metodológica quanto à história da literatura brasileira, caríssimo Carlos, não é patriotismo, mas a certeza da força de todos esses valores históricos. Por isso, não duvido que Tomás Antônio Gonzaga seja um poeta brasileiro; bem como não meteria jamais em dúvidas que Gonçalves Crespo pertence à literatura portuguesa.
Eu, para concluir, meu caro amigo, sou tão patriota que de pátrias tenho três, como traduzo num dos meus poemas de Gira Mu(o)ndo (Ed. Galo Branco, RJ, 2007):
Unidade terciária
1.
Não me chamo Raimundo
Raimondo
nem Edmundo;
como certa unidade
fora de qualquer idade
por 1 terço
sou brasileiro,
português por um outro,
italiano na comple
mentaridade.
Os meus 3 terços me levam
a fora
em busca
do sentimento do mundo.
2.
O brasileiro encontra o seu mundo
inteiro e terciário
num constante frêmito vital;
tudo lhe parece inédito
ainda que saiba
que muita descoberta
é um édito
repetidamente lido.
3.
Mar e terra a vista
a bordo da nave insone
conduz no sentimento
do mundo
o ondoso terço
português;
ele sabe que o infinito
está atrás do olhar
que descobre com naufrágios
a certeza de finisterra.
4.
O terço de italiano é ele
e os dois distinto outros:
viaja no mundo
ainda quando não
sai de Veneza Gênoa Florença
Milão –
nelas encontra horizontes
pintados de azuis amarelos vermelhos
tintoretos
visíveis até mesmo onde
ainda não chegou.