Sábado, 12 de Junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine

Capítulo XVII

Etapa 6: Fátima

Em S. Bento de Labre acolhem-me com solicitude, mostram-me o dormitório das mulheres, a casa de banho, a cozinha, inquirem se trouxe saco-cama, explicam as luzes, a abertura e o fechamento das portas. Largo a mochila, tomo banho, mudo de roupa, instalo o saco em cima de uma cama, vou – mais leve: que prazer – visitar Fátima. Sábado, duas horas e meia da tarde, os parques de estacionamento estão cheios de autocarros, as mesas de merenda repletas de farnéis: frangos e coelhos assados, panelas de arroz, centos de pastéis, imensos pães-de-ló, pacotes e pacotes de bolos... Eu comi na Giesteira duas sanduíches preparadas em Minde com um sumptuoso queijo de ovelha.

Dou uma volta completa pelos espaços religiosos do santuário. Observo o desencanto dos peregrinos, lançando as velas para um monte, por falta de espaço para elas arderem verticalmente. Sento-me na Capela das Aparições. Olho à minha volta: os peregrinos são idosos. O que será Fátima daqui por cinquenta anos? Os netos destes peregrinos continuarão a vir? É provável. O povo precisa de apoio nas dificuldades, encontra-o fazendo promessas, que devem depois ser cumpridas; Fátima reforça-lhes a esperança.

Uma amiga francesa percorreu a pé, durante dois meses, os mil e seiscentos quilómetros que vão de Le Puy-en-Velay a Santiago de Compostela. Tanto no percurso francês como no espanhol, aqueles com quem falava pediam: reze por nós em

Santiago. Por conseguinte, logo no segundo dia, a Corinne comprou um caderno para apontar os nomes e, chegada a Santiago, ela que não tem fé, rezou pelos que tinham. Eu também não rezo por mim mas pelos que encontrei. Ave Maria, cheia de Graça, afasta dos bombeiros todos os perigos, protege os que marcaram o Caminho, os que saudaram quando passei, os que me encheram garrafas de água...

Procuro Fátima fora do santuário. À entrada de um café três adolescentes exibem piercings e tatuagens – aqui, pela raridade, enfaticamente contestatários. Crescer neste ambiente deve ser perigoso, não menos do que no Carregado, embora por razões distintas. Eu aqui aos quinze anos?... Dou graças aos céus por me haverem poupado aos erros que em tal circunstância teria cometido. Lanço aos jovens um sorriso e entro no café.

Como um quarto de sanduíche, mau pão, péssimo queijo, mistura infecta, que abandono, converso com um habitante, o qual se queixa de Fátima existir apenas em função dos peregrinos, igrejas para os peregrinos, parques de estacionamento para os peregrinos, casas de banho para os peregrinos, mesas de merenda para os peregrinos, lojas e preços para os peregrinos – os habitantes não dispõem de um espaço onde possam correr, de um lugar onde os filhos aprendam a andar de bicicleta. Ele próprio põe o filho e a bicicleta no carro e leva-os à Marinha Grande. Isto é um exemplo, podia dar-me cinquenta, insiste ele.

Regresso a S. Bento de Labre.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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1 comentário:
De Luis Moreira a 12 de Junho de 2010
O santuário deprime-me. Não sei porquê. respeito profundamente quem lá vai à procura de consolo, mas nunca me senti confortável.Má consciência por não dever lá ir?

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