Paulete Maillard*
Um inquérito recente mostra-o: os professores deixaram de querer o colégio único. Actue-se pois.
A constatação é clara: nas turmas muito heterogéneas de 20 a 30 alunos é praticamente impossível realizar um ensino proveitoso para todos. Existem estabelecimentos escolares em que as turmas se tornam não geríveis quando à heterogeneidade das aptidões se acrescem as desordens da adolescência, os comportamentos agressivos, os comportamentos inadaptados.
É claro, enfim, que quando os alunos acumularam atrasos e deficiências de aprendizagem, deixam de tirar proveito do ensino normal. Passagem para a classe seguinte ou repetência significam então a mesma coisa se as condições de ensino e os processos pedagógicos permanecerem inalterados. É o falhanço. O do aluno e o da instituição escolar.
A questão pode ser abordada de diferentes maneiras. Podemos resignar-nos e aceitar o falhanço escolar considerando que, para uma minoria, este é inelutável. Ou, o que significa o mesmo, ignorar o problema ou minorar a sua dimensão.
Procede-se então a pequenos ajustamentos nos programas e na organização dos estudos sem mudar o essencial. É a política das reformazinhas marginais praticadas pelos governos, tanto de direita como de esquerda, durante decénios. Uma política de avestruz que não é contestada pela facção mais conservadora do corpo docente. A que se opõe a toda e qualquer reforma séria do colégio, mesmo quando reclama, em altos berros, mais meios ... para ensinar como antes. A que se defende nos estabelecimentos calmos dos bairros favorecidos e não hesita, quando aqui se falha, a enviar os seus próprios filhos para estabelecimentos privados, mais selectivos e melhor frequentados.
Cada ano, 150 mil jovens saem do sistema educativo sem diploma nem formação suficiente. Este falhanço da escola pública é largamente imputável às políticas educativas laxistas e irresponsáveis. Luc Ferry propõe agora criar turmas especiais preparatórias profissionalizantes desde o 4º [nosso 9º ano] para os alunos que não conseguem assimilar os programas do ensino geral; em suma, alunos em situação de falhanço.
Esta solução pode interessar, ainda aqui, à facção mais conservadora do corpo docente. Ela permite separar o trigo do joio e criar turmas relativamente homogéneas, nas quais é mais fácil ensinar.
A separação dos alunos em dois blocos não é nova. Mas ela intervinha até agora no final do 3º [nosso 10º ano], quando os alunos de maior rendimento escolar eram admitidos na via real do ensino geral, enquanto os outros eram orientados para a via profissional ou de aprendizes. Novidade, a separação terá lugar agora a partir do 5º [nosso 8º ano]. A partir dos 12-13 anos, estas crianças serão privadas duma formação geral que eles até aí não puderam adquirir (sub-entendido: porque foram incapazes). É a consagração do falhanço da formação geral.
Alcançarão eles a formação profissional para a qual são destinados? Nada é menos certo. Eles não estão preparados. Para aí são enviados contra vontade, não sobre a base de uma escolha pessoal mas empurrados e obrigados, uma vez que não os querem nas turmas do ensino geral. Para aí se sentem mandados como perdedores, marcados pelos falhanços acumulados desde a escola primária. Falhanço escolar e, depois, falhanço profissional estão sobre a mesma trajectória, a da marginalização social e até, por vezes, da deliquência.
Esta política do ministro da Educação, uma vez mais, não se preocupa em resolver os problemas. Ela contorna-os. Desembaraça-se deles, até ao momento em que, anos mais tarde, estes tenham sobretudo a ver com os ministérios da Justiça e do Interior.
Uma outra forma de abordar esta questão é a de partir do princípio que o falhanço nos primeiros e segundo ciclos, e mesmo antes, é inaceitável. Que a fractura escolar entre os alunos que passam com sucesso e os que falham prefigura a fractura social. O que implica fortemente a responsabilidade da instituição escolar.
Nesta óptica, começa por reafirmar-se que certas competências fundamentais (a base), resultantes do ensino geral, devem ser adquiridas por todos os alunos no final da escolaridade obrigatória: o domínio do francês, em particular, mas não somente. Uma obrigação de aprendizagem para os alunos e uma obrigação de ensino para os professores.
Este objectivo pode ser alcançado, mas à custa de uma reforma profunda do sistema escolar. Devem ser alterados: a responsabilização sobre os alunos, a organização dos estudos, os métodos pedagógicos e a formação dos professores. Será necessário, entre outras coisas, cindir o grande grupo, que é a turma heterogénea, em pequenos grupos homogéneos sempre que tal seja necessário; será necessário instituir o regime de tutores, isto é, criar momentos de diálogo individualizado entre o professor e cada um dos alunos.
O domínio destas competências de base conceptualização, comunicação, acção corresponde a necessidades fundamentais de todos nós. Aqui, salvo défices evidentes, relativamente a uma pequena percentagem de alunos, em matérias de ensino especializado, tudo deve ser feito para prevenir o insucesso escolar e para o eliminar imediatamente aos primeiros sinais, tanto na primária como nos ciclos seguintes.
Para além desta formação geral de base, os outros programas de ensino devem ser diversificados e reequilibrados. Isto refere-se tanto às matérias tradicionais história, física, biologia, literatura ... mas também aos outros campos do conhecimento pouco ou ainda não inscritos nos programas escolares.
É indispensável, por exemplo, criar na escola, depois no ciclo, ensinos práticos e consistentes. Por duas razões: primeiramente, para instituir, paralelamente aos programas que conduzem ao liceu de ensino geral, uma preparação para as vias profissionais e técnicas; em seguida, porque se trata de fornecer a todos os alunos a possibilidade de exprimir as suas aptidões e interesses específicos.
Todos os talentos, manuais, artísticos e desportivos, ao lado da cultura académica que privilegia a abstracção e a expressão escrita, devem assumir-se com a mesma dignidade. Não é necessário enviar as crianças para as fábricas. É necessário formá-las para as práticas e técnicas criando laboratórios e oficinas nas escolas.
Esta política é mais complexa sobretudo porque ela implica importantes mudanças na instituição escolar e muito mais cara. Mas é uma verdadeira resposta aos desafios educativos, culturais e sociais que a escola do século XXI deve dar. É nesta via que convém que nos empenhemos.
É um facto, a escola única, monolítica e rígida, está ultrapassada. Haja lugar para os primeiros ciclos diferenciados. Com os primeiros ciclos diferenciados nos seus objectivos educativos e nos seus programas. Um colégio flexível, adaptável, e muito mais eficaz nos seus métodos pedagógicos. Um primeiro e segundo ciclos profundamente reformulados e que, em conformidade com a lei de orientação de 1989, vise a promoção de todos os alunos pelo máximo de sucesso das possibilidades de cada um.
*Secretária Nacional do SE-UNSA, responsável pelo sector da Educação.