Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010
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(Foto de José Magalhães)
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Quatro poetas falam de Coimbra e do Mondego - Coimbra, berço de movimentos literários, é fonte de inspiração para canções e poemas - é a cidade-poesia.Carlos de OliveiraELEGIA DE COIMBRA
Gela a lua de março nos telhadose à luz adormecidachoram as casas e os homensnas colinas da vida.
Correm as lágrimas ao rio,a esse vale das dores passadas,mas choram as paredes e as almasoutras dores que não foram perdoadas.
Aos que virão depois de mimcaiba em sorte outra herança:o oiro depositadonas margens da lembrança.
(in Mãe Pobre, 1945).
Manuel Simões
ANTI-ELEGIA DO MONDEGO
Era um tempo de arbítrio, pesado na memória, como um estigma, um tempo que a convivência não tolera, águas claras que não reconhecemos senão como atavio proscrito, irreconciliável com este nosso contemporâneo rio de argila. Dizem os antigos que as barcas serranas desciam então o leito, penetravam dentro da cidade com sua lenha e carqueja e que as mulheres da Ceira, estas tímidas mulheres de negro, traziam nelas as suas trouxas de roupa. As barcas aportavam aqui junto à portagem, com seus côncavos repletos de fadiga, que a cidade trocava por umas tantas moedas ou panos, o sabão da semana ou o linho branco e raro para casar os filhos.Camões ignora tudo isto, a palavra castigada sai-lhe como confidência, o queixume ou lamento do amor não provado. E o desastre de campos devastados pela cheia, os laranjais submersos pouco a pouco, a água subindo sem apelo, a inquyietação nas casas baixas de terracota? E o alastrar progressivo das areias, a outra face deste rio cíclico, tão depressa indomável como inexistente?Rio: onde está o teu fulgor antigo, os devaneios das serenas águas que a canção estimula sob o assombro do reu povo? Pedro e Inês são estátuas mortas, definitivamente pedra e mágoa por terem ocultado o clamor de teus campos, adjacentes ao incontido e ardoroso respirar do espanto.(in Crónica Segunda, Nova Realidade, Tomar, 1976)
Sílvio CastroC O I M B RA
Não olho o rioque correapesar de meu descuido;cuido d’outro e subopor camino duros.Ao lado da Sé Velhaquieta no longo tempovividodas janelas do Conservatóriotrombas pistões trombetas sufocamcom vozes da clave de solo tímido falar em fáde um piano:mais sol ré mi fá sol lá si dóse exalta no ar,mais silencioso se fazo diluído das teclasque se transformamdo sol ao dódódó –No alto das subidasde quebra costasa Universidade escutaa sua voz secular.(in Gira Mu(o)ndo, Rio de Janeiro, 2003)
Manuel Alegre
FLORES PARA COIMBRA
Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.
Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.
Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.