Quarta-feira, 30 de Junho de 2010
Carlos LunaSegue-se um poema que não é de Caetano José da Silva Souto-Maior, mas sim de Francisco de Pina e Melo, elogiando o Escurial e o Panteão dos reis de Espanha. Tem interesse, porque Caetano José fará outro em relação com este.Que intenta esta soberba arquitecturacom tão régio, marmóreo luzimento?Se mostra aqui distinto o nascimento,erra, que é tudo igual na sepultura.Por mais que doure a face à morte escuranunca há-de desmentir o monumento;que vale o resplendor do fingimentoaonde existe a sombra da figura?
Quanto mais se mostrar engrandecidomaior espelho oferta à vaidadevendo-se como é, não como ha(*) sido.
Pois de que serve a fúnebre deidade,se ainda para objecto do sentidoprimeiro está o horror que a majestade?___________
(*) arcaísmo já pouco habitual no século XVIII.
Caetano José fez o seguinte poema como resposta:Padrões dedica a infausta arquitecturaà majestade a cinzas reduzida,que sempre da grandeza destruídaalguma parte nas relíquias dura.Da régia dignidade a sombra escuraaté no último horror "esclarescida",se não chega a eximir do estrago a vidapode honrar no diadema a sepultura.
Na urna o ceptro, melhorado o efeito,faz com que triste advirta o peito humanoas cinzas, que se intimam no preceito.
Que importa pois que brilhe o jaspe ufano,onde toda a vaidade é só respeito,e é somente respeito o desengano?
Poema a uma dama que foi ingrata com o seu amante e que chorava muito por o ver ofendido (nota: este poema não foi publicado no século XIX, nem no XX, por ser considerado, sabe-se lá porquê hoje em dia, erótico!)Tarde de ingratidão, Clori(*), despertas,pois, trocando à piedade hoje o conceito,se ofendeste com erros o meu peito,sentindo os meus estragos, desacertas.Vê que em mim podem ser penas mais certasferidas d`alma, que, com nobre efeito,o coração em lágrimas desfeitopelos olhos te mostras sempre abertas.
Se entre chamas terríveis me arrebatamde amor, e emulação ardentes lumes,pouco, oh Clori(*), outras queixas me maltratam.
Erras, se morto acaso me presumes,que imortal devo ser, poi não me matamnem os teus olhos, nem os meus ciúmes.________
(*) Clori: deusa grega das flores; significa "a mulher".Soneto a uma dama "rigorosa", na qual se notam paixão e melamcolia.Divina, Filis(*) bela, eu te agradeçodos teus rigores a contínua instância,que antes, meu bem, da minha tolerâncianão merecia o mesmo, que mereço.Se o meu pesar do teu desdém foi preço,que adquiriu entre penas a constância,não quero a dita, quero a só jactânciade que me deves tudo o que padeço.Não tenho nem temor, nem resistênciaaos males, a que o peito não repugna,indistinta a paixão, e a paciência.
Hoje até a glória me será importuna,e amor, que fez costume da violênciafará também desprexo da fortuna.________(*) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final infeliz.
Soneto a uma dama que disparou um tiro (!!!!) contra uma imagem de cupido, num acesso de despeito...amoroso, claro!Do seio de Vulcano(*) um golpe ardentedispara Filis(**) contra a seta(***) ervada,de um Cupido, que deixa por cortadaalfaia inútil, se troféu pendente.
Mas não foi esta acção porque hoje intenteFilis(**) mostrar-se contra Amor irada,foi saber se frustrara, estando armada,golpe que o abismo teme, e que o céu sente.
Rendeu-se Amor ao tiro, e as armas logooferta a Filis(**) no mortal desmaio,em que acha o rendimento desafogo.
Por que se veja no primeiro ensaio,que se dos corações Amor é fogo,das almas, e do Amor, Filis(**) é raio!___________(*) Vulcano: Deus do fogo entre os romanos(**) Filis: mitologia grega, símbolo de amor com final infeliz.(***)Atenção: em português, "seta" significa FLECHA !!!Soneto dedicado a uma senhora que charava dias inteiros diante da pintura da mãe, falecida há pouco.Senhora, esse retrato, esse portentotanta saudosa dor nunca alivia,que a memória da amada companhianão melhora, duplica o sentimento.
Lembrado, o bem perdido é mal violento,e ofende essa pintura a fantasia;Não pode ser remédio, é tiraniafazer parcial do dano o entendimento.
Fugi dessa belíssima aparência,queo pranto justamente vos persuadeque as lágrimas faz crédito de ausência.
E o vosso amor, das cores na verdade,há-de achar, para abono da impaciência,a formusura unida com a saudade.(Continua)