Sábado, 30 de Outubro de 2010

Ricardo Carvalho Calero - três poemas

Saudade dumha voz


Assi,
assi cantava ela.
Polo meu coraçom
passa tam fugitivo o seu cantar,
que a lembrança
nom o pode apreixar.
Assi cantava ela,
com aquela voz que era monlho de flores
molhado na água morna da tristeza.
Que cabelos, que vam, que beiços tinha?
É do esqueço. Somente
a sua voz morta fica
no cadaleito do meu peito, acesa.
Perdêrom-se-me os olhos, e o cabelo, e o vam.
Ficou-me só a sua voz,
o eco da sua voz,
sem verba, sem contido.
O seu cantar que cantar era?
Polo meu coraçom
pasa como umha maina bris de outono
remexendo coas asas a arboreda.
Como canta essa bris,
assi cantava ela,
assi era a sua voz.
Aquela voz que era feixe de estrelas
esparegidas polo céu da dor.


( Pretérito Imperfecto, 1980)



A maior parte desta poesia é hipocrisia

A maior parte desta poesia
é hipocrisia.
Nom quer nada dizer e nada di.
Se algo quiger dizer, algo diria.
Quer somente fingir que nom fingia
oferecendo enganos para ti,
que finges crer que é verdade
a mensagem que te envia,
e finges que tés saudade
da saudade que exprimia
alguém que nom a sentia,
mas que se enganava assi,
cúmplice da tua porfia
de enganar a ti e a si.
A ti fingindo entender.
A si fingindo saber
o que queria dizer,
ainda que nom o sabes;
pretendendo ter as chaves
para abrir
o que nunca se fechou,
porque nunca tivo portas,
e aquelas palavras mortas
ajuntavam-se ao achou,
nom por santa inspiraçom,
nem por subconsciente graça:
por rotineira trapaça
e vazia pretensom.
Assi, é feita desta arte,
com notória hipocrisia,
a maior parte
desta poesia.

(Reticências, 1990)


Amigo, o teu caminho já está andado

Amigo, o teu caminho, já está andado.
Mal que bem, cumpriste umha tarefa.
Aos que a julgam com relativa severidade,
di-lhes que ti a olhas com absoluta indiferença.
De neno, criste-te senhor da tua vida.
De velho, ves que foste só um criado.
Dumha força cega ou dumha vontade consciente?
Nom sabes o nome do teu amo.
As belezas carnais que amaste, já esqueletos.
As ideias puras, borrosos arabescos.
A chave que che dérom para a tua traduçom,
resultou afinal que nom abria o texto.
Poderias te consolar coa graça renovada
daquela forma risonha que te engaiolou sempre.
Mas a chuva de pétalas que outrora te agarimou,
levou-na longe de ti um longo vento de neve.
Nom aguardas louvança, que arreu desprezaste.
Compaixom nom a esperas, porque nunca a pediste.
À voz incompreensível que fostrega o teu lombo,
resposta co silêncio das tuas cicatrizes.

(Futuro Condicional, 1982)
publicado por Carlos Loures às 08:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links