(Continuação)Mais interessantes são os seus comentários sobre a emotividade que descreve ao longo do texto. No seu Século e na sua experiência como médico da burguesia de Viena, tudo o que fosse sentir vergonha, piedade, comiseração, restrição sexual, recato sexual, era feminino. En revanche, toda a iniciativa para gerir, mandar, criar iniciativas sociais, seduzir, dar sermões sobre o comportamento público e, especialmente, como concorrer para sítios de alta hierarquia, investir e lucrar, pareciam-lhe ser hábitos masculinos, não apenas socialmente aceites, bem como esperados pelo grupo social. Este discurso de Freud foi-se modificando, ao longo do tempo, no decorrer da mudança de costumes. As alterações mais notáveis são-nos transmitidas pelos seus textos de 1914, 1915 e 1925 . Se não fosse esta actualização da sua teoria, ela seria hoje desajustada para os costumes actuais. Contudo, depois de ler textos originais e actualizações, não me parece desajustado: a teoria freudiana do inconsciente, transferência, luto e melancolia, complexo de Édipo e outras noções, trabalhou-as uma e outra vez até ao dia da sua morte em 1939, após concluir o seu livro citado sobre a civilização e os seus descontentamentos, texto que parece mostrar certa amargura pelas mudanças de hábitos culturais que o empurravam sempre a alterar o entendimento do inconsciente, ou ele, ou Anna , a sua filha, e Melanie Klein, dissidente da teoria ortodoxa de Freud (ver Anexo 1).
Tenho observado no meu trabalho de campo e nas entrevistas com crianças, que a feminilidade exprime-se no cuidado dos mais novos, na gestão da casa e, especialmente, em invocar a autoridade do pai como legitima para corrigir o comportamento dos mais novos. A mãe de casa parece ser a pessoa que governa esse dia a dia, como parece também corresponder ao pai a sanção final do feito. Ainda, pela minha experiência, diria que a segunda via não é apenas o pai, é também a mãe que trabalha, tem voz e orientação no grupo doméstico, a par e passo do homem do grupo. Ora, no tempo da aprendizagem de Freud, não havia transferência de factos masculinos e femininos entre os dois géneros, como hoje acontece, em consequência da luta feminista e do neo-liberalismo. Por outras palavras, a autonomia da mulher, por causa do seu querer de emancipação e a sua saída de casa para sítios de trabalho, com ou sem hierarquia, parecem ter organizado uma concorrência entre o género masculino e o feminino. Digo parecer ter, porque de facto, tem-me sido referido por pais de grupos domésticos com muitos membros dentro do mesmo, esta ideia: “muito obrigado pelos seus cuidados, senhor Doutor. Antes, era apenas eu quem organizava o trabalho da família toda. Íamos vivendo e mal. Desde que o Senhor Doutor entrou nas nossas vidas, somos muitos mais para trabalhar: a minha mulher, os filhos mais velhos e até os meus pais, que trabalham na horta, um trabalho mais leve para eles, por terem muitos anos”. Porém, a criança tem várias referências para aprender: comportamentos masculinos da mãe e comportamentos femininos do pai. Palavras que, enquanto escrevo, parecem-me antigas, e, no entanto, acabam por ser muito actuais. Pela pesquisa feita ao longo dos anos, tenho apreciado que, em vidas opostas, como na burguesia com muitos bens a gerir e no proletariado, com muitas pessoas a organizar para a produção e a subsistência, continua a existir um chefe de família, legislado no Código Civil Português até 1967 , revogado em 2008. Apenas no proletariado continua a existir comportamentos de pater familias na parte sentimental da vida, pela necessidade de todos trabalharem fora de casa, sem distinção de género, por causa da subsistência ou sobrevivência material. Há um trabalho de uma excelente socióloga sobre o operariado no Barreiro que põe em causa a afirmação anterior, isto é, a uma determinada altura a mulher abandona a fábrica, não por imitar comportamentos da mulher burguesa, mas porque era economicamente mais vantajoso ficar em casa a tomar conta dos filhos. O que ganhava na fábrica era inferior ao gasto com a educação dos filhos cuidados por outros de fora da casa.
Notas:
Freud, Sigmund, (1914, língua germânica) 1925: On narcissism: An Introduction, The Hogarth Press, Londres, Volume IV, sítio para debate e partes de texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Sigmund+Freud+On+Narcissism%3A+An+Introduction&btnG=Pesquisar&meta= ou http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/classiques/freud_sigmund/freud.html; (1915): Instincts and their vicissitudes, The Hogarth Press, Londres. Sítio para contextualização do texto, em: http://www.grtbooks.com/freud.asp?idx=0&yr=1856#instinct. Sítio para debate e textos http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Sigmund+Freud++Instincts+and+their+vicissitudes&btnG=Pesquisar&meta=.
Anna Freud (Viena, Áustria, 3 de dezembro de 1895 — Londres, 9 de outubro de 1982) foi a sexta filha de Sigmund Freud e Martha Freud. Anna, também ela psicanalista, focou o seu estudo principalmente no tratamento de crianças. Teve várias divergências com Melanie Klein, psicanalista dissidente das teorias freudianas ortodoxas e fundadora da escola inglesa de psicanálise, a quem recorro na pretensão de entender a mente das crianças. Foi a primeira a dar ênfase ao ego na personalidade, não rejeitando as forças do id e as restrições do superego. Anna Freud concebeu o ego humano com certa funcionalidade pró – activa e independente. Também foi responsável pelo estudo dos mecanismos de defesa, tema que estudou aprofundadamente. Para consulta, veja-se: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ana+Freud&meta=
Artigo 1877º : Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maior idade ou emancipação, O Código Civil português vigente foi aprovado a 25 de Novembro de 1966 e entrou em vigor a 1 de Junho de 1967, revogando o anterior Código Civil elaborado pelo Visconde de Seabra e que entrara em vigor um século antes, em 1867. Definia Poder Paternal como direito do pai e Chefe de Família. Encontra-se regulado no livro quarto do Código Civil, ver em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_da_Fam%C3%ADlia. No Código Civil de 1967, continuou, porém, a prevalecer a autoridade masculina, pois o marido permanecia «chefe da família» com poderes absolutos e individuais. A história diz: 1967 - É elaborado um novo Código Civil. Continua a estabelecer que o marido é o chefe da família e que ele tem o poder de tomar as decisões relativas à vida marital e às crianças. Para aprofundar a temática, consulte-se “Evolução dos Direitos das Mulheres em Portugal”, texto completo: http://www.geocities.com/atoleiros/direitomulheres.htm.
No entanto, é-me impossível não reproduzir de imediato, parte deste texto que diz: «1974 - Revolução do 25 de Abril. O regime autocrático é derrubado e substituído por um regime democrático. As mulheres podem aceder pela primeira vez à magistratura, ao serviço diplomático e a certas posições na administração local, que lhes estavam interditas. São abolidas as restrições ao direito ao voto». http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_Civil_Portugu%C3%AAs, ou, em suporte de papel, Editora Almedina, 942 páginas.
Primeira mulher ministra: Maria da Lourdes Pintassilgo, Ministra dos Assuntos Sociais. Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo[1] (Abrantes, 18 de Janeiro de 1930 — Lisboa, 10 de Julho de 2004) foi uma engenheira e dirigente política portuguesa. Foi a única mulher que
desempenhou o cargo de primeiro-ministro em Portugal, tendo chefiado o V Governo Constitucional (1979). Foi também a segunda mulher primeiro-ministro em toda a Europa, a seguir a Margaret Thatcher. A sua historia continua em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_de_Lourdes_Pintasilgo
1975 - Primeiras eleições livres. O artigo 24 da Concordata é emendado: os casamentos católicos podem pedir o divórcio civil. A Comissão da Condição Feminina substitui a Comissão criada em 1973;
1976 - É aprovada a licença de maternidade de 90 dias. Os serviços públicos de saúde colocam à disposição consultas de planeamento familiar. É adoptada uma nova Constituição, que consagra a igualdade de mulheres e homens em todos os domínios;
1977 - A Comissão da Condição Feminina fica ligada ao Gabinete do Primeiro-ministro e é dotada de um Conselho Consultivo, onde as ONG's dos Direitos das Mulheres podem ter assento;
1978 - O Código Civil é revisto segundo a nova lei da família, os cônjuges gozam de direitos iguais. A dependência da esposa em relação ao marido é suprimida;
1979 - Um decreto-lei estabelece a igualdade mulheres/homens no emprego e no trabalho. É criada uma "Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego", ligada ao Ministério do Trabalho, para supervisionar a aplicação do mencionado decreto-lei;
Primeira mulher nomeada Primeira-ministra: Maria de Lourdes Pintassilgo;
1980 - Primeira mulher nomeada Governadora Civil: Mariana Calhau Perdigão (Évora). Portugal ratifica a "Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres”;
Apesar de tudo, o poder paternal e ser Chefe da Família, apenas foi modificado no Código Civil de 2008, que passou a estar definido da seguinte forma: Artigo 1901 Nº1 Na constância do património o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais. Nº 2: Os pais exercem o poder paternal de comum acordo e, se faltar as questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação; se esta não for possível, o tribunal ouvirá antes de decidir, o filho maior de catorze anos, salvo quando as circunstâncias poderosas o desconhecem.
Artigo 1902: (Actos praticados por um dos pais) -1. Se um dos pais praticar acto que integre o exercício do poder paternal, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé. 2. – O terceiro deve recusar-se a intervir no acto praticado por um dos cônjuges quando, nos termos do número anterior, não se presuma o acordo do outro cônjuge ou quando conheça a oposição deste. O Código Civil de 2008 (408 páginas) pode ser consultado em: http://www.verbojuridico.net/download/codigocivil2008.pdf, ou, em suporte de papel, editado por Verbo Jurídico, Coimbra.
Pater familias (plural: patres familias) era o mais elevado estatuto familiar (status familiae) na Roma Antiga, sempre uma posição masculina. O termo é Latim e significa, literalmente, "pai da família". A forma é irregular e arcaica em Latim, preservando a antiga terminação do genitivo em -as (ver Anexo 2).
O estudo foi feito pela Investigadora Auxiliar do ICS, a Doutora Ana Nunes de Almeida, 1993: A fábrica e a família: famílias operárias no Barreiro, Câmara Municipal do Barreiro, 1993. Dados sobre a autora, nas entradas Internet da página web: http://www.google.com.br/search?hl=pt-=X&oi=spell&resnum=1&ct=result&cd=1&q=Ana+Nunes+de+Almeida&spell=1. O texto referido pode ser lido em: https://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/985/1/2.pdf, Revista Sociologia, Problemas e Práticas, Nº11, 1992, páginas 27 a 41. O texto encontrado é: “Meio Social, Famílias e Classes Operárias”, referidos em: https://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/985/1/2.pdf.
(Continua)