Carlos MesquitaO pacote de austeridade anunciado pelo governo não surpreende quem olha a realidade da vida económica e financeira do país. Tive ocasião de escrever que não percebia porque cá não eram tomadas nenhumas medidas, quando países europeus com problemas semelhantes o faziam. Quando Sócrates dizia que não era preciso aumentar impostos, escrevi que só acreditava nisso quem gostava de andar enganado. Os portugueses gostam de ser enganados? Penso que não, mas acreditam em milagres; mesmo os ateus crêem que alguma coisa irá acontecer para impedir o inevitável.
A divida externa e o deficit das contas públicas não param de subir, os juros da divida são incomportáveis, o crescimento económico é demasiado lento, e os portugueses, com muito ou pouco poder de compra, recusam alterar o seu modo de vida.
Agora diz-se que as medidas são duríssimas, é preciso perguntar, comparado com o quê? A verdade, e nós já vivemos essa situação, é que se tivéssemos escudos em vez de euros, já teriam desvalorizado tornando as importações mais caras, e a inflação nesta situação de pré-bancarrota seria galopante, engolindo boa parte dos ordenados e pensões de reforma.
Nunca saberemos se os remédios do PEC II, de Maio/Junho, bastavam para resolver o problema de 2010, nem sequer se o governo acreditava nisso, os credores e a Sra. Merkel, chanceler da Alemanha e arredores, exigiram medidas com visibilidade e impacto, elas aí estão para serenar os mercados, e consequentemente permitir financiar a economia portuguesa viciada em empréstimos externos.
Sem ir às medidas em concreto, parece que o encaixe do Estado com o fundo de pensões da PT dá uma folga (mesmo incluindo a despesa extraordinária dos submarinos) que permitiria não afectar os mais pobres e de menores rendimentos do trabalho. Para além de serem medidas anti-sociais, esses sectores não gastam em bens supérfluos, compram no mercado interno, fazem mexer a economia local. No fim do ano, quando se souber como foi a execução orçamental, se verá se foi errado economicamente (socialmente é) reduzir o poder de compra das classes mais baixas.
Mas o maior problema é as medidas agora tomadas serem, em princípio, recessivas, podendo levar à retracção do consumo e investimentos privados. Não é fácil conciliar a austeridade com a promoção do crescimento económico, e mais difícil será sem investimento público produtivo.
Como a banca já disse que vai reflectir nos clientes os “sacrifícios do sector financeiro” (o que esperavam?) eram preferíveis normas apertadas para os empréstimos particulares e fazer depender as ajudas do Estado ao sector, do volume de crédito às empresas.
Entretanto podemos ir falando do redimensionamento do Estado, do número de deputados, câmaras, juntas de freguesia, governadores civis, assessores, estudos externos etc. e dizendo o que deve fechar, reduzir ou implodir. Toda a gente tem ideias de como limitar o despesismo do Estado, até no papel higiénico, que tendo duas faces só usam uma.