Adão CruzEu seguia rua abaixo, pelo lado esquerdo de Sá da Bandeira. À minha frente ia um casal, ela de meia idade, gordinha, ele mais velho, hemiplégico, de bengala na mão direita, arrastando a perna esquerda, pendendo sempre para a direita, trajectória que a mulher ia corrigindo com um pequeno toque na mão dele. Se assim não fosse, as sequelas do seu AVC, à semelhança de um GPS, obrigavam-no a tombar para fora do passeio.
Lá mais ao fundo, frente ao Pingo Doce, o homem, como se uma mola o puxasse sempre para aquele lado, faz, com toda a facilidade um rodopio de noventa graus para a direita, ficando em linha recta com a porta do supermercado. A mulher olha para a direita e para a esquerda (look right and look left, à londrina) e atravessa a rua, tendo o cuidado de pegar na mão do marido, pois de outra forma, com a sua pendência para a direita, ele iria desembocar dez ou vinte metros acima.
Já dentro do Pingo Doce, resolvi seguir os passos daquele par amoroso, ao mesmo tempo que ia dando uma olhadela às prateleiras que me interessavam. A dada altura verifiquei que o homem parou, olhando insistentemente para o sítio onde estavam as carnes de porco. A mulher puxou-o mas ele resistiu. Apoiou-se na prateleira, encostou a bengala, e com a mão direita pegou numa embalagem contendo uma orelha de porco. Imediatamente a mulher gordinha o dissuadiu dizendo-lhe:
- nem penses, vou-te comprar uns grelinhos que via ali e que têm um aspecto do carago!
- Que se fodam os grelos, respondeu ele de forma bem entendível, apesar da fala meia entaramelada.
Só tive tempo de dar meia volta e tapar a boca com a mão, a fim de abafar uma explosiva gargalhada, que eu não saberia explicar aos circundantes.
(ilust.pormenor de quadro de Adão Cruz)
Eu ,ainda jovem, ali na Praça do Chile há um restaurante de Galegos, onde ía almoçar. Um dia, um dos patrões/empregados à mesa estava muito triste, o médico tinha-lhe diagnosticado uma doença cardíaca e pô-lo a dieta. Estivemos a dizer-lhe que já havia muitas possibilidades de cura, que tinha que ter paciência, aí ele rapou do bolso um frasco de comprimidos e diz-nos.Depois de tomar isto se não estiver melhor e não puder comer uma orelhinha de porco, nunca mais tomo comprimido nemhum...
Ahahaha! Mas dou eu porque é muito giro. Razão tinha ele, o mal já estava feito...
Luís, eu em jovem também andava pela Praça do Chile. Morava perto da General Roçadas, conheces?
Sim, e eu morava na Cavaleiro de Oliveira.
Eramos vizinhos. Eu morava na Teixeira Pinto, no bairro das vivendas.
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