Sexta-feira, 27 de Agosto de 2010
Adão Cruz
(Uma achega ao magnífico texto de Carlos Loures)
Eu não sei o que é a poesia, penso que ninguém sabe verdadeiramente o que é a poesia, e duvido muito de quem diz que sabe. Desde a depuração absoluta da palavra à Respiração de Deus, já ouvi todas as definições. No entanto, penso que a poesia é um sentimento como outro qualquer. Por isso, em vez de poesia, prefiro chamar-lhe sentimento poético, como em vez de arte, prefiro dizer sentimento artístico. O sentimento poético é um sentimento como o sentimento do amor, como o sentimento da alegria, como o sentimento da tristeza. Parece-me, contudo, ser um sentimento muito subtil, quase mágico, provavelmente de uma neuronalidade muito delicada, uma espécie de musicalidade, uma essencialidade rítmica e harmoniosa que existe dentro de nós e nos permite, quando permite, a mais nobre e sublime expressão da realidade das coisas e da vida.
Penso, ainda, e parece haver estudos psicológicos, sociológicos e neurobiológicos que o comprovam, que o sentimento poético e o sentimento artístico enriquecem e enobrecem todos os nossos processos de humanização, criam grandes afinidades com a consciência, aproximam-nos de todos os mecanismos de identificação com a verdade, afinam todas as outras emoções e sentimentos, ajudam-nos no caminho do equilíbrio e da harmonia, e até da justiça, ou não devesse ser a justiça a convergência ao mais elevado nível, do equilíbrio e da harmonia.
E mais penso que, muitas vezes, o que andamos para aqui a fazer não tem nada a ver com poesia. Fazer poesia, ou melhor, pesquisar a poesia como eu gosto mais de dizer, é sentirmo-nos como uma espécie de garimpeiros da poesia. Todos sabemos que os garimpeiros são aqueles homens que, nas margens dos rios das regiões auríferas, passam dias, semanas, meses e anos, a lavar pedras e cascalho, a ver se encontram umas pepitas de ouro. Nós, os que nos consideramos pesquisadores de poesia, passamos os dias a lavar o cascalho das palavras a ver se encontramos algumas pepitas de poesia, o que nem sempre acontece. Com a agravante de que há ouro verdadeiro e ouro falso, nem sempre fáceis de distinguir.
E penso, ainda, que a poesia percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística, seja o poema, sua matriz natural, seja a pintura, seja a música. E qualquer forma de expressão artística só é arte, se contiver dentro de si a essência poética. Arte e poesia são irmãs gémeas, não podendo viver uma sem a outra.
Penso ainda, e é mais a este ponto que eu quero chegar, que a poesia, pela sua natureza intimista, é para ser lida a sós, no mais recatado silêncio. Eu não sou grande adepto da poesia lida, dita ou declamada. Reconheço, talvez, algum carácter de excepção no que respeita à poesia chamada de intervenção. De resto, penso que é um tanto caricato andar a ler poesia à mesa dos cafés, poesia no eléctrico ou poesia nas feiras, como é moda ultimamente. Peço desculpa a quem tem uma opinião diferente da minha, mas o mal não está em ter opiniões, mas em não as ter. Eu passo a explicar porque assim penso.
Quando um autor faz um poema, cria-o com toda a sua vida, através de toda a sua estrutura vivencial, com todas as suas emoções e sentimentos, as suas paixões e frustrações, as suas memorizações, a sua cultura, a sua visão do mundo e das coisas. Quem vai ler esse poema não vai ler o poema do autor, mas o seu próprio poema, dado que vai lê-lo com a sua vida, com a sua estrutura anímica e vivencial, através das suas emoções e sentimentos, através das suas paixões e frustrações, deitando mão da sua cultura própria e da sua visão do mundo e das coisas, que podem nada ter a ver com a vida do autor. O poema do autor constitui apenas o estímulo, mais profundo ou menos profundo, mais poderoso ou menos poderoso, que consegue arrancar um novo poema do íntimo de quem lê. Ninguém vê com os nossos olhos, ninguém sente com o nosso íntimo e ninguém pensa com o nosso pensamento.
Suponhamos agora que uma pessoa, que podemos considerar terceira pessoa, resolve ler o poema em público, fazer uma espécie de interpretação colectiva do poema, podendo até escorregar para uma certa aberrância, especialmente se eu não me identifico minimamente com a pessoa, se não me identifico com a sua postura, com a sua linguagem gestual, com a sua voz, com a sua forma de dizer e de interpretar, então aquilo que ouvimos pode não passar do esqueleto do poema, dos andaimes do poema, ou para utilizar a metáfora referida atrás, do cascalho das palavras, porque nestas andanças, a essência poética, as tais pepitas de ouro, podem já ter-se perdido pelo caminho.
Meu pai ontem dizia que a poesia é uma viagem a outro planeta, onde pelo caminho nos encontramos... Entre risos (ele brinca sempre) tocou o cerne - esse lugar breve de lucidez que o poeta alcança. Estou com o Adão porque poeta também, é quem lê e toma conta da obra do outro. Quando a reinventa e alcança o ser, é novamente poeta. Quem lê em voz alta a poesia alheia, chora por dentro, pois acredito jamais ser possível entoar como se lê, um poema.
O Adão tem aqui um texto soberbo.Pesia pura. Eu tenho dois momentos que lhe dão razão. Como já aqui aflorei, quando leitor de Cesário Verde, sentia de tal forma a sua melancolia, que comecei a recear pela minha própria vida. É que eu era um jovem cheio de saúde e ele fora um um ser que não chegou a ter, sequer, juventude! Outra vez tive oportunidade de ouvir Eugénio de Andrade, ele próŕio a ler a sua própria poesia. Começou por dizer " não batam palmas que o poeta não gosta" e caminhava de um lado ao outro com um grosso sobretudo a cair-lhe dos ombros como faziam os poetas Russos, perdidos de alcool e de doenças. Nunca mais me apanham a ouvir um "diseur "...o que eu leio não é o que eles dizem, embora o poema possa ser o mesmo! Abraço Adão!
Pois eu não quero dizer mais nada do que: Que belo texto, um profundo sentir, um belo acorde musical, um poema. Um texto de ouro.
De adão cruz a 27 de Agosto de 2010
Conheci muito bem Eugénio de Andrade. Aliás privei com ele. Foi ele que me ajudou a compor e organizar o meu primeiro livro de poesia " Esta água que aqui vem dar". Mas isso não me impede de dizer que eu, mesmo assim, não gostava de o ouvir ler os seus próprios poemas.
De adão cruz a 27 de Agosto de 2010
Obrigado Augusta. Também sinto o teu comentátio como um poema. Um beijinho
De Pedro Godinho a 27 de Agosto de 2010
Poesia é literatura, às vezes boa às vezes má; mais vezes a segunda que a primeira mas é preciso quantidade para encontrar qualidade.
Sou mais de prosa.
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