Para "As Raparigas de Coimbra" 1 Ó choupo magro e velhinho, Corcundinha, todo aos nós: És tal qual meu avôzinho, Falta-te apenas a voz.
2 Minha capa vos acoite Que é p'ra vos agazalhar: Se por fóra é cor da noite, Por dentro é cor do luar...
3 Ó sinos de Santa Clara, Por quem dobraes, quem morreu? Ah, foi-se a mais linda cara Que houve debaixo do céu! 4 A sereia é muito arisca, Pescador, que estás ao sol: Não cae, tolinho, a essa isca... Só pondo uma flor no anzol!
5 A lua é a hostia branquinha, Onde está Nosso Senhor: É d'uma certa farinha Que não apanha bolor!
6 Vou a encher a bilha e trago-a Vazia como a levei! Mondego, qu'é da tua agoa? Qu'é dos prantos que eu chorei?
7 A cabra da velha Torre, Meu amor, chama por mim: Quando um estudante morre, Os sinos chamam, assim.
8 - E só porque o mundo zomba Que poes luto? Importa lá! Antes te vistas de pomba... - Pombas pretas tambem ha!
9 Therezinhas! Ursulinas! Tardes de novena, adeus! Os corações ás batinas Que diriam? sabe-o Deus...
10 Teu coração é uma igreja: N'uma eça dorme, alli, Manoel, bemdito seja, Que morreu d'amor por ti.
11 Manoel no Pio repoiza: Todos os dias, lá vou Ver se quer alguma coiza, Perguntar como passou.
12 Agora, são tudo amores A roda de mim, no Caes, E, mal se apanham doutores, Partem e não voltam mais...
13 Aos olhos da minha fronte Vinde os cantaros encher: Não ha, assim, segunda fonte Com duas bicas a correr!
14 Nossa Senhora faz meia Com linha feita de luz: O novello é a lua-cheia, As meias são p'ra Jezus.
15 Meu violão é um cortiço, Tem por abelhas os sons Que fabricam, valha-me isso, Fadinhos de mel, tão bons...
16 Ó fogueiras, ó cantigas, Saudades! recordações! Bailae, bailae, raparigas! Batei, batei, corações!
(in 'Só')
Os versos de António Nobre, que frequentou a Universidade entre 1888 e 1900, não serão dos mais explícitos na diferenciação que se estabelecia entre estudantes, vindos de todo o País, e os habitantes da cidade - tricanas e futricas, como se de duas espécies diferentes se tratasse.
Mais nítida é essa forma dicotómica de branquear a estúrdia de alguns estudantes e de ridicularizar a pacatez das gentes coimbrãs em José Trindade Coelho, que cursou Direito entre 1880 e 1885. Publicou em 1902 In Illo Tempore, livro em que são evocadas as guerras entre estudantes e futricas pelos corações das tricanas, o ambiente boémio vivido na Academia e a recordação das figuras da Universidade - estudantes e lentes.
Referindo-se às tricanas, diz que elas tinham «uma cara quase sempre bonita, e espirrando sempre vivacidade; e naqueles braços, naquelas pernas, naquele busto, quando gesticulam, quando marcham, quando estão paradas, qualquer coisa que deve ser a própria graça, como só os artistas apreciam." (...) "Como andam sempre muito afinadinhas, desde os pés à cabeça...vão-se os olhos a olhar para elas e fica a gente a dizer consigo que nunca viu mulheres assim... Sua chinelinha de biqueira, em que só lhes cabe metade do pé; sua meia branca, ou às riscas, muito esticada; saia de chita, das cores mais claras, deixando ver os tornozelos e acima dos tornozelos duas polegadas de perna; aquele aventalinho muito pequenino, que é mais um chique que outra coisa; o chambre de chita clara, aberto no peito em decote quadrado; e então o xaile de barras, ou a capoteira, passando por baixo do braço direito e lançando (com elegância que se não descreve, mas que os estudantes copiaram para as suas capas) por cima do ombro esquerdo!" . Uma tricana, diz-nos José Pedro Machado no seu Grande Dicionário é «s.f. Rapariga ou mulher do povo na região de Coimbra e no distrito de Aveiro». E os futricas? Quem são os futricas? Diz José Pedro Machado: «S.m. Designação depreciativa que os estudantes de Coimbra dão aos não estudantes, principalmente aos da cidade.» Temos, portanto, navegando à solta pelo imaginário nacional, uma visão das gentes de Coimbra que é a dos estudantes, na sua maior parte vindos de fora. Uma visão que peca por um disparatado elitismo.
Na Desgarrada do filme "Capas Negras" (1947), realizado por Armando de Miranda, são visíveis todos os ícones dessa visão mítica e folclórica que seis décadas antes talvez fizesse algum sentido. Embora se estivesse em meados do século vinte, o regime fazia passar a imagem passadista que convinha ao departamento de Estado dirigido por António Ferro. Amália Rodrigues, Alberto Ribeiro, Artur Agostinho e outros, intervêm nesta desgarrada. A dupla é a mesma que criou a internacionalizada "Coimbra" - Raul Ferrão, a música, José Galhardo, a letra. Um cantor representando um futrica afirma que «o amor de um estudante não dura mais do que uma hora».