Quinta-feira, 1 de Julho de 2010

Patrão Lopes (Joaquim Lopes, salva-vidas: 1798 - 1890) - I

Fernando Correia da Silva

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1798: Joaquim Lopes nasce em Olhão. - 1804: Entra na Escola Primária. - 1817: Emigra para Gibraltar, onde fica apenas 11 meses. - 1819: Segue para Lisboa e daqui para Paço de Arcos. - 1820: Remador na falua que liga a Torre do Bugio a Paço de Arcos. - 1823: 1.º salvamento, de pai e filho, na confluência do rio Oeiras com a foz do Tejo. - 1824: Casa com Maria do Rosário, sua prima em 3.º grau. - 1828: Salva o sargento Francisco de Sales. - 1833: É nomeado patrão da falua do Bugio. - 1856: Salva a tripulação da escuna inglesa Howard Primorose. - 1858: Tenta salvar os náufragos da escuna inglesa British Queen. - 1859: Salva o Comandante e mais dois tripulantes do Stephanie, navio francês. - 1864: Salva grande parte da tripulação do bergantim espanhol Achiles; salva toda a tripulação do iate português Almirante; El-rei D. Luís coloca-lhe ao pescoço o colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa. - 1866: É nomeado mestre da Armada e graduado segundo-tenente. - 1882: Com 85 anos, e já tolhido das pernas, ainda tenta socorrer Lucy, lugre francês. - 1890: Por causa do Ultimatum devolve todas as condecorações que recebera do governo inglês; com 92 anos, morre em Dezembro do mesmo ano.



Filho de pescador, nasceste nos finais do sec. XVIII, à beira-mar, no Algarve, em Olhão. Vais à escola, aprendes a ler, a escrever e a contar, mas aos dez anos já estás a ajudar o teu pai na faina da pesca e logo começas a tratar o mar por tu. Trepas ao mastro, ferras a vela, lanças e puxas as redes, limpas e lavas o convés, manejas remo e croque, mas o que mais impressiona os outros pescadores é a tua assombrosa forma de nadar, pareces um golfinho a brincar por entre as ondas.

Na tua família o dinheiro é escasso. Por isso, aos 19 anos, com a benção dos teus pais, emigras para Gibraltar, em busca de melhor sorte. Mas não suportas o novo ambiente e, 11 meses depois, tornas a casa. Melhor dizendo: tornas à cabana dos teus pais.

Mais uns mesitos em Quarteira (Algarve) e partes para Lisboa. Dali vais para Paço de Arcos, frente à foz do Tejo, onde vivem muitos algarvios. Seduz-te o choque permanente entre as águas fluviais a abrirem passagem para o mar alto e as do oceano a quererem assaltar o leito do rio...


DE PAÇO D'ARCOS AO BUGIO

Na barra do Tejo há cachopos que afloram à superfície. Próximo da margem esquerda, há também um ilhéu rochoso-arenoso sobre o qual foi levantada a Torre de S. Lourenço da Cabeça Seca. Mas como o nome do ilhéu era Bugio, a fortificação passou a ser conhecida como Forte do Bugio. Sua função: guardar a entrada do Tejo. Mas dali nunca foi e jamais será disparado um tiro de ataque ou defesa, só de alarme. O Bugio acabará por ser convertido apenas em farol. Mas em 1820, quando tu arribas, no Bugio há uma permanente guarnição de 50 militares. E a única ligação que eles têm com terra firme, é a falua que faz a carreira Paço de Arcos - Bugio, ida e volta. Nessa falua vais alistar-te como remador. A soldada é apenas 12 vinténs, mal dá para comer. É por isso que arranjas trabalho complementar em canoas de pesca da barra. Pouco tempo depois consegues adquirir a tua própria canoa. Em consequência, começas a viver mais desafogado.

Durante as travessias da falua para o Bugio e da tua faina de pesca, observas atentamente as variações, quer de sentido, quer de intensidade, das correntes na barra, desde a preia-mar à baixa-mar. Observações mais do que vantajosas para aquela que virá a ser a tua vida.

PRIMEIROS SALVAMENTOS

Junto a Paço de Arcos o pequeno rio Oeiras desagua em plena foz do Tejo. Em Julho de 1823 um homem, com o filho às costas, tenta atravessar a vau o rio Oeiras. Perde o pé e ambos são arrastados para longe. Forte é a correnteza e todos temem acudir. Tu não temes, varar e domar as águas que bem conheces, é contigo. Mergulhas, salvas a criança e depois o pai.

Pouco tempo depois, no Forte do Bugio, repetes a proeza quando te atiras à água para salvar um cabo de Artilharia que tinha sido arrastado por uma vaga.

Em Paço de Arcos diz-se que tu fizeste jorrar generosidade e coragem desde Olhão até à foz do Tejo...

CASAMENTO

Em 1824 casas na Igreja de Oeiras (povoação ao lado de Paço de Arcos) com Maria do Rosário, tua prima em 3.º grau, também ela natural de Olhão e tua prometida desde os teus 18 ou 19 anos. Maria do Rosário dar-te-á sete filhos, duas raparigas e cinco rapazes. Dois deles, Quirino António e Carlos Augusto, também irão distinguir-se, tal como tu, no socorro aos náufragos.

O NOVO PATRÃO DA FALUA

Em 1828, outro salvamento que impressiona o povo é o do Sargento Francisco de Sales, também ele envolvido e arrastado por uma vaga quando se preparava para desembarcar no Bugio. Ele a ser arrastado e tu a mergulhares atrás dele, salvação!

O teu entendimento das manhas da foz e a tua valentia provocam a seguinte situação: em 1833, numa crise de cólera, morre o patrão (comandante) da falua do Bugio. É tradição que assuma a vaga o remador mais antigo. Mas desta vez todos os remadores pedem ao governador do Forte do Bugio que sejas tu o nomeado, apesar de seres o mais recente. E isso - argumentam eles - porque o patrão deve ser o mais hábil e o mais leal dos marinheiros. O governador não hesita, nomeia-te, passas a ser o Patrão Lopes, com direito a morar na Rua Direita de Paço de Arcos, junto àquele que virá a ser o Instituto de Socorros a Náufragos.

HOWARD PRIMOROSE

Em 1856 o Patrão Lopes socorre a Howard Primorose, escuna inglesa que naufraga.

Um salvamento atrás do outro mas aquele que te dá fama nacional e até internacional ocorre em 1856: Os Fortes de S. Julião e do Bugio disparam tiros de alarme, a escuna inglesa Howard Primrose encalhara nos baixios da barra. Tu, mais o teu filho Quirino e uns tantos voluntários, logo saltam para a falua. Seis horas a remar e não consegues aproximar-te da escuna, a falua é muito pesada para manobrar por entre baixios. A essa conclusão já tinham chegado os tripulantes de um escaler da Alfândega e de um vapor de guerra. Regressas a Paço de Arcos e vais buscar a tua canoa de pesca, embarcação bem mais ligeira. Mais 6 horas e a escuna, sob o impacto das vagas, já ameaça partir-se ao meio. Mas, finalmente, vocês conseguem resgatar o comandante e mais cinco marinheiros. Apenas morreu um que, apavorado com o navio a destroçar-se, se atirara precipitadamente à água.

Desembarcas os sobreviventes na estação fluvial de Belém e contas as peripécias ao Comandante da corveta Oito de Julho. Também lhe passas os nomes dos teus camaradas salva-vidas.

Pela tua bravura o governo britânico atribui-te a Medalha de Prata da Rainha Vitória e à tua marinhagem dá umas libras de ouro para aquecer os bolsos...

E as autoridades portuguesas? Não piam, ignoram o salvamento... Circunstância que provoca comentários da imprensa. É então que um oficial do Bugio, metido a esperto, se apresenta como o herói do feito, pois fora ele quem avistara a escuna encalhada e dera sinal de alarme. História logo revelada pelo Jornal do Comércio. Em consequência, El-rei D. Pedro V atribui ao espertalhão a Torre e Espada, a mais importante condecoração portuguesa. Mas passados dois anos, o mesmo Jornal do Comércio repõe a verdade publicando os relatos da tripulação da escuna inglesa e do Comandante da corveta portuguesa Oito de Julho. Por forte pressão da imprensa, é-te por fim atribuída a medalha de prata de D. Pedro e D. Maria.

Também é organizada uma subscrição pública para compensar financeiramente o teu heroísmo. Mas tu recusas, tu devolves, tu refilas:

- Quem tem que me remunerar é o Governo, não é o Povo, porque eu não dependo nem quero depender da caridade pública...

(Continua)

publicado por Carlos Loures às 23:55
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Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 44

Carlos Leça da Veiga

Só Portugal é que não podia ter colónias? (Continuação)

Mesmo tendo de reconhecer-se que nos anos finais do século dezoito, tal como no decurso dos do décimo nono, não estava minimamente estabelecida a noção da globalização e a história dos estados – a génese da sua explicação – teria, de sobremaneira, uma feição eminentemente idealista, apesar disso, já era impossível, a qualquer intelectualidade portuguesa, não saber e, sobretudo, não perceber que o pioneirismo português de Quinhentos, que deu ao mundo novos mundos não era – como não é – uma lenda criada por alguns entusiastas da saga dos Descobrimentos e que foi coisa de tal modo influente e consequente no viver nacional e internacional que só quem pensa perverso não conseguia, como não consegue, vislumbrar e aperceber-se das suas consequências culturais inevitáveis e, coisa indiscutível, perenes.

Mal avisado andará quem imagine conseguir poder viver-se sem uma matriz histórica, contudo, não será por querer fazê-lo que deve cair-se no erro do integralismo, como o dum Alfredo Pimenta e, proclamar – voltar a proclamar – que na História portuguesa tudo quanto a glorifique é bom e errado (falso) qualquer coisa que a manche ou infame.


Fosse no século XVIII, fosse no XIX, no XX ou, agora, no XXI o património histórico nacional e os seus reflexos inevitáveis nos vários sectores sociais nacionais têm de ter uma incidência reconhecida no modo da organização social, cultural, económica e política portuguesa. Fossem as glórias duma estratégia de expansão universal que foi e aconteceu em todos os azimutes, fossem os inconvenientes resultantes duma sua indevida compreensão e aplicação estratégica, fossem, também, aqueles outros consequentes ao seu termino inevitável, hoje em dia, como sempre, não é possível viver-se duma forma organizada sem deixar de dar-lhes o peso merecido que, goste-se ou não, de facto, não é pequeno.

Se ignorar a História é dilacerar o futuro, então, para que este esteja sempre presente e seja vivido com entusiasmo, importa dar uma ênfase constante às vivências – positivas e negativas – de todo o percurso histórico nacional e delas tirar conclusões, em particular, aquelas com influência muito provável na afirmação da vontade política de qualquer Nacionalidade.

A reorganização política necessária e consequente ao regresso à ocupação da sua posição territorial exclusivamente europeia dum Portugal que, até há bem poucos anos, tinha fragmentos territoriais – colónias – espalhados pelo mundo tem de ter linhas de força que incorporem, dum modo muito próprio, todas as consequências duma descolonização que, bem sabido, foi tanto imposta pelos de fora, como preconizada e forçada pelos de dentro fossem, neste caso, muito em especial, as próprias gentes das colónias mas, também, não deve esquecer-se, algumas da metrópole.

Na verdade a descolonização portuguesa, pelo seu carácter eminentemente transformador tanto da vida nacional, como, não pode ignorar-se, da vida internacional, acabou por gerar uma situação política verdadeiramente ímpar – verdadeiramente feliz – como é a de Portugal ser um estado em que só há, coisa raríssima, uma Nacionalidade. Nação e Estado confundem-se pelo que, no panorama mundial, esta circunstância constitui uma mais valia democrática com valor político inegável.

Ao aceitarem-se com submissão desnecessária as regras que, Oeste e Leste, quiseram impor ao jogo político mundial não se soube – não se quis – tirar partido da grande alteração política internacional consequente à descolonização portuguesa o que, para mal nacional, foi e tem sido uma constante dos que conseguiram assenhorear-se do 25 de Abril. Deste acontecimento político com importância geoestratégica não só nasceram para a comunidade internacional mais alguns estados cuja língua oficial é o português – um bem nacional com imenso significado – como, sobretudo, facto com a maior relevância mundial, Portugal, nessa data, passou a ser, na Europa, um Estado com uma só Nacionalidade, uma particularidade assinalável. Esta circunstância política de carácter histórico eminentemente democrático – Portugal não coloniza qualquer Povo – nunca foi utilizada para marcar uma presença e uma intervenção significativa, verdadeiramente ímpar no concerto internacional, muito destacável no conjunto dos Estados da União Europeia.

No discurso internacional português nunca foi chamada a atenção para a necessidade daqueles estados que oprimem outras nacionalidades – que as colonizam – terem de seguir o nosso exemplo. Recorde-se, pelo menos, o que acontece com o Reino de Castela.

Agora, com Portugal confinado, por completo, ao seu espaço europeu, este passa a ter no seu interior uma originalidade política que importa realçar e, por obrigação estrita, tudo fazer-se para que tenha consequências a jusante mesmo quando, para muitos, pareçam completamente despropositadas, fantasiosas ou, como dirão, perigosas.
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sondagem - a direita vem aí ou é a mesma coisa?



Luís Moreira

PSD - 37% ; CDS -6% ;PS - 32% ; PCP -10%; BE -8%, isto coloca PSD mais CDS à beira da maioria absoluta.Quando o eleitorado se move, vencendo a inércia é para continuar, para além das medidas anti populares e dificuldades que o governo vai ter que enfrentar.

O desgaste do governo é muito sério, estamos numa espécie de limbo, desapareceram,discutem-se as SCUTs o que quer dizer que a factura está a chegar.700 milhões de euros/ano e a partir de 2012, 1 300 milhões/ano, e há três meses o grande desígnio de Sócrates era lançar obras públicas em parcerias público/privadas.

Esta dinâmica é írreversível? Ainda há muitos indecisos mas o descrédito de Sócrates é muito sério, não parece que neste mar de dificuldades que ele teimou em não ver,possa inverter a situação.
publicado por Luis Moreira às 19:30
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A terceira depressão - Paul Krugman (saído no New York Times no dia 28 de Junho)


O Paul Krugman foi Prémio Nobel da Economia em 2008. É americano e nasceu em 1953. É professor na Universidade de Princeton. Ensina Economia e Assuntos Internacionais. Descreve-se a ele próprio como um liberal (à maneira americana, com o significado de tolerante, progressista, de ideias abertas). Geralmente classificado como de centro-esquerda, concorda a economia de mercado e a globalização. É portanto um tipo com ideias moderadas (como se costuma dizer). Há imensa coisa sobre ele na internet. Tem uma obra enorme e é colunista no New York Times e escreve para muitas publicações. Pessoalmente penso que a depressão actual é muito profunda, e que se não sairmos rapidamente, a bem ou a mal, do sistema capitalista, vamos sofrer um grave retrocesso civilizacional. Por isso proponho que incluamos este artigo no nosso blogue Estrolabio. (João Machado)


As recessões são comuns, mas as depressões são raras. Tanto quanto eu conheço, apenas dois períodos da história económica foram na altura comummente descritos como "depressões": os anos de deflação e instabilidade após o Pânico de 1873 e os anos de desemprego em massa que seguiram a crise financeira de 1929 a 1931.

Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão do século XX foram períodos de declínio ininterrupto - pelo contrário, ambas incluíram fases de crescimento económico. Mas estes momentos de melhoria nunca foram suficientes para anular os prejuízos causados pela quebra inicial, e foram seguidos por recaídas.

Receio que estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do que com a Grande Depressão, que foi muito mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, acima de tudo, para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos – será, ainda assim, imenso.


E essa terceira depressão será em primeiro lugar o resultado de um fracasso das políticas económicas. Por todo o mundo – como no fim de semana passado na desanimadora reunião do G – 20 – os governos estão obcecados com a inflação quando o perigo real vem da deflação, e pregam a necessidade de apertar o cinto quando o verdadeiro problema está nos gastos inadequados.

Em 2008 e 2009 parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que aumentaram as taxas de juros face à crise financeira, os líderes actuais da Reserva Federal e do Banco Central Europeu cortaram os juros e apoiaram os mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos face à economia em declínio, os governos de hoje permitiram que os défices aumentassem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: a recessão provocada pela crise financeira terá talvez terminado no Verão passado.

Mas os futuros historiadores vão dizer-nos que a terceira depressão não acabou aqui, tal como a melhoria económica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal de contas, o desemprego – especialmente o desemprego de longo prazo – mantém-se em níveis que seriam considerados catastróficos há pouco tempo, e não parece estar a diminuir. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão prestes a cair na armadilha deflacionária tal como já aconteceu ao Japão.

Perante perspectivas tão sombrias, esperávamos que os responsáveis políticos se dessem conta de que ainda não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não: nos últimos meses, observou-se um assombroso regresso da ortodoxia em relação a restrições monetárias e orçamentos equilibrados.

No que diz respeito à retórica, o ressurgimento da velha religião é mais evidente na Europa, cujos responsáveis parecem basear as suas declarações na colectânea de discursos de Herbert Hoover(1) para compor as suas afirmações, chegando a declarar que impostos mais altos e cortes nos gastos irão de facto fazer expandir a economia, fazendo aumentar a confiança dos empresários. Na prática, no entanto, os Estados Unidos não estão muito melhor. A Reserva Federal parece ter consciência dos riscos da deflação – mas nada se propõe a fazer para contrariá-los. A administração Obama sabe dos perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas, como os republicanos e democratas conservadores se negam a autorizar um auxílio maior aos governos dos estados, essa austeridade é inevitável, sob a forma de cortes nos orçamentos estaduais e municipais.

Porquê esta viragem política errada? Os defensores da linha dura referem muitas vezes os problemas da Grécia e de outros países europeus periféricos para justificar as suas acções. E é verdade que os investidores viraram-se contra os governos com défices incontroláveis. Mas não há provas de que a austeridade fiscal de curto prazo, face a uma economia em depressão, os tranquilize. Pelo contrário: a Grécia optou pela austeridade severa e teve como resultado um aumento ainda maior das classificações de risco; a Irlanda impôs cortes ferozes nos gastos públicos e viu-se a ser tratada pelos mercados como se oferecesse um risco maior do que a Espanha, que tem sido bem mais relutante a aceitar os remédios dos defensores da linha dura.

É quase como se os mercados financeiros conseguissem entender o que os responsáveis políticos não conseguem: que enquanto a responsabilidade fiscal de longo prazo é importante, o corte de gastos no meio de uma depressão agrava ainda mais essa depressão e abre o caminho à deflação, e é na realidade uma estratégia contraproducente.

Por isso não acho que a questão seja realmente a Grécia, ou mesmo qualquer apreciação realista da relação entre o défice e o nível do emprego. O que enfrentamos é a vitória de uma ortodoxia que tem pouco a ver com uma análise racional, e cujo credo principal é que impor sofrimento às outras pessoas é a maneira de mostrar quem manda em tempos difíceis.

E quem pagará o preço pelo triunfo da ortodoxia? A resposta é dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos dos quais ficarão sem trabalho durante anos, e alguns dos quais nunca mais voltarão a trabalhar.

Tradução revista por João Machado

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(1) - Herbert Clark Hoover (1874 – 1964). Foi Presidente dos EUA de 1928 a 1932. Republicano, defendeu políticas económicas ortodoxas. Durante o seu mandato ocorreu a Grande Depressão. Em 1932 candidatou-se à reeleição e perdeu contra Franklin Delano Roosevelt.
publicado por Carlos Loures às 17:15
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Introdução a Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)

O socialismo e os seus começos ao longo do século XIX



Aconteceu a Revolução Industrial no Século XVIII na Grã-Bretanha. Rapidamente se espalhou por todo o Continente Europeu e as suas colónias. O emprego acontecia nas cidades, os campos e sítios rurais ficaram vazios.

Uma luta começara: ao dos proprietários de meios de produção, que começaram a investir a sua fortuna em indústrias e manufacturas para fabricar bens que rendessem lucro e mais-valia, pagando salários miseráveis aos que proporcionavam os meios de trabalho, aos que cediam a sua força de trabalho e a da sua família, denominados mais tarde proletários, a seguir uma análise da situação social, da parte de um filósofo, Kart Heinrich Pembroke Marx.


Kart Marx analisou e descobriu a fórmula do capital e a transferiu ao povo trabalhador. Mas, com palavras tão difíceis, que apenas os que eu denomino da classe doutoral, entendiam. Aliás, não era apenas Marx que estudou o capital e os seus lucros: Friedrich Engels, a Baronesa prussiana Johanna von Westphalen, a sua mulher, denominada sempre como Jenny Marx, não apenas sabia, bem como também escreveu um texto retirado do saber do seu marido, do seu amigo Engels e das ideias de Grachus Nöel Babeuf, do Século XVIII. Um Babeuf que organizara a Revolução Francesa, com outros e escrevera um texto que levantara ao povo contra a aristocracia que retirava deles bens que produziam e campos alugados sob o contrato de enfiteuses. O texto era Le Manifeste de plébéians é dizer, o manifesto dos plebeus, em 1785, o que causara um auto governo da primeira Comuna de Paris, e em 1795, a sua morte.

Enquanto escrevia e editava um livro que acabei faz poucos dias: Marx, um devoto luterano, encontrei tanta informação, que me parece impossível não transferir aos leitores.

A minha maior surpresa, foram os escritos de um aristocrata russo, aparentado com a família Romanov, mas um aristocrata subversivo que entregou a sua vida à defesa do povo, especialmente servos da gleba, que na Rússia Czarista havia muitos, e, mais tarde, por ter que fugir da prisão, dedicara o seu talento a causa operária, apesar dos pedidos do Imperador Czar Alexandre II, um liberal.

Solicitou de Michael Bakunine, a pessoa da minha descoberta, um anarco sindicalista, que, durante os seus aos de prisão, escreve-se as suas Confissões, ser assim perdoado e sair em liberdade. É esta a história que investiguei e que entrego parcialmente ao público o resto está no livro sobre Marx.

Quem era Bakunine? Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (em russo Михаил Александрович Бакунин; Premukhimo, 30 de Maio de 1814 — Berna, 1 de Julho de 1876), também aportuguesado em Bakunine, foi um teórico político russo, um dos principais expoentes do anarquismo em meados do século XIX.

Nascido no Império Russo de uma família proprietária de terras de linhagem nobre, Mikahil Bakunine passou sua juventude em Moscovo estudando filosofia e começou a frequentar os círculos radicais onde foi em grande medida influenciado pelas ideias de Aleksandr Herzen. Deixou a Rússia em 1842 mudando-se para Dresden (Alemanha), e depois para Paris (França), onde conheceu grandes pensadores políticos entre estes George Sand, Pierre-Joseph Proudhon e Karl Marx.

Bakunine refutava a ideia religiosa de livre - arbítrio e defendia uma explicação material dos fenómenos naturais: "as manifestações de vida orgânica, propriedades químicas e reacções, electricidade, luz, calor e atracão natural de corpos físicos, constitui da nossa perspectiva, tantas formas diferentes, mas não menos variantes interdependentes da totalidade de elementos reais daquilo que chamamos de matéria" (Escritos Seleccionados, página 219). A "missão da ciência é, por observação das relações gerais compreender os fatos verídicos, e estabelecer as leis gerais inerentes ao desenvolvimento de um fenómeno no mundo físico e social."




Bakunine, no entanto, rejeitava a noção de "socialismo científico", escrevendo em Deus e o Estado que um "corpo científico, tão logo a ele seja confiado o governo da sociedade, acabaria rapidamente por dedicar-se, não mais para a ciência, mas se envolveria em outro assunto… em sua eterna perpetuação, tomando a sociedade que nele confiou aos seus cuidados, tornando cada vez mais estúpida e, consequentemente, mais necessitada de seu governo e direcção.

Em cima : Xilogravura do rosto de Bakunine, cerca de 1880

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A minha fonte, entre outras, é: Chomsky, Noam (1970). For Reasons of State. New York: Pantheon Books; Man, Society, and Freedom, Mikhail Bakunine, 1871.

Esta é apenas uma introdução. O texto por mim estudado e analisado, segue em anexo a este texto
publicado por Carlos Loures às 15:00
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República nos livros de ontem nos livros de hoje - 46 e 47 (José Brandão)


Episódios da Minha Vida
Volume – I

Magalhães Lima
Perspectivas & Realidades, s. d.



As notas que constituem as minhas Memórias podem considerar se um testamento político. São um documento da minha passagem pela Terra. Alguns episódios são páginas vividas que poderão contribuir para a História do Partido Republicano em Portugal.

Amei a vida e a liberdade com igual fervor. Poucos viveram tão intensamente como eu, porque poucos também amaram tanto a vida. O que deixo escrito são fragmentos da minha alma. Ao despedir-me do mundo, posso bem dizer que vivi para o ideal.

Dedico este livro à memória de Teófilo Braga. Cumpro, ao mesmo tempo, um dever e uma devoção. Incompreendido e caluniado em vida, a sua imortalidade começou no dia da sua morte. Mais do que uma glorificação, este modesto preito representa um agradecimento enternecido ao Mestre amado quem tanto devo.
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Episódios da Minha Vida
Volume II

Magalhães Lima

Perspectivas & Realidades, s. d.


«De futuro é preciso que o carácter sobreleve a todos os mesquinhos interesses e a todas as baixas intrigas. É no carácter que repousa a estabilidade de uma instituição. É preciso que a República se torne sinónimo de virtude, como a definiam os atenienses. É preciso que a República seja republicana!». Com estas palavras finalizou anteontem Magalhães Lima a sua notável conferência.



Não podia reunir-se em fórmulas mais límpidas e perfeitas a aspiração que se desenvolve no peito dos verdadeiros republicanos deste país, como não se podia de uma maneira mais sóbria e mais justa definir a situação a que desgraçadamente chegámos, mercê das culpas de todos nós.

Com a sua inexcedível autoridade republicana, Magalhães Lima fez, implicitamente, o processo da actualidade política portuguesa, porquanto requer que, de futuro, a República seja republicana, para o que serão claros indícios da sua genuinidade a virtude e o carácter.

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publicado por Carlos Loures às 15:00
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E, no entanto, ela move-se...

Luís Moreira




O nosso amigo Adão Cruz, num belo e elucidativo texto fala-nos no Homem como um ser constituindo um todo, onde o "material" e o "espiritual" são uma e a mesma coisa, sem um não existe o outro e vice-versa. Essa diferença resulta das conexões que existem entre as partes que constituem o todo, há uma "causa-efeito" que funciona sempre, resultado das condições em que se formam, das circunstâncias de cada um e de todos os seres humanos.

Subscrevo inteiramente, não acredito em algo que não se possa explicar, aí estaremos no domínio da Fé, do acredito porque sim, o que não quer dizer que não exista( se existir um ser humano que acredite em Deus, eu acredito em Deus,Saramago dixit). A formação científica do nosso aventador, ainda para mais sendo médico, não poderia deixar de o levar a essa conclusão tão objectiva, tantas foram as vezes em que se viu perante a vida e a morte do seu semelhante, sabendo que para aquela "causa" só há um "efeito", fosse ele um ente que pudesse tudo e muito sofrimento seria evitado. Não há pois nada para além daquilo que está ao alcance da ciência, e mal estaríamos se "um ente que pode tudo" não quisesse!


Há muito, no que me diz respeito, que percebi que eu na minha pequenez sou muito melhor do que "alguem" que pode tudo mas não quer. Seria um ser desprezível. Não parece no entanto, que a riqueza "espiritual" se possa reduzir a resultados "materiais" como a pintura, e a escrita, a música e o amor, o que seria por si só algo de extraordinário, mas que fazem parte do "todo" ser humano, onde tudo nasce e tudo morre, cada um de nós é a vida, o universo. E, no entanto...

Quantas vezes o médico dedicado se confrontou com situaçãoes miraculosas, o mesmo médico que aprendeu a dissecar cadáveres, como os grandes da medicina ensinaram e descobriram, um após outro, os segredos do corpo humano e foram, um a um, afastando preconceitos, doutrinas sem fundo de verdade, bruxedos e "maus olhados"...

O jovem médico alemão que perante uma plateia de "professores" mostrou, nele próprio, que o coração não é mais que um músculo e que se podia trabalhar nele como em qualquer outro orgão, o amor não mora lá; ou o cientista que vai de férias e que quando volta descobre a penincila numas "culturas" que ía deitar fora, salvando milhões de vidas humanas; como a primeira operação a uma grávida, salvando mãe e filho foi feita por um médico à sua própria mulher e, hoje sabe-se, que não tinha conhecimentos cirúrgicos bastantes, há altura, para fazer uma cesariana...

Tudo se explica porque há um sistema "vivo" que encontra respostas para a sua própria sobrevivência, sem o que pereceria como todos os sistemas que não conseguem a autoregeneração? É por isso que nascem os talentos, os homens e mulheres capazes de fazerem o "mundo pular e avançar"?

Eu não acredito em bruxas mas que as há, há...
publicado por Luis Moreira às 13:30
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A questão dos tabacos - Centenário da República

Carlos Loures


Temos estado a analisar alguns dos motivos que conduziram à queda do regime monárquico. Vimos já como as comemorações camonianas de 1880, lideradas por personalidades republicanas e pelo Partido Republicano Português, fundado em 1876, que aproveitou esses festejos patrióticos para demonstrar a sua capacidade de mobilização e de organização, cooptando numerosos aderentes, contribuiram para o avanço do ideal republicanista.

O Ultimato de 1890 foi outro passo de gigante dado pelos republicanos. Na verdade, o rei e o governo, perante o humilhante “memorando” britânico, pouco poderiam ter feito. A Grã-Bretanha era a super-potência da época e o nosso Exército e a Armada não dispunham de capacidade bélica para a enfrentar. E disso se tratava, pois o nosso “velho aliado” logo nos ameaçou veladamente de bombardear com os seus navios as nossas principais cidades. Creio que uma análise serena e isenta nos levará à conclusão que a questão do regime era irrelevante – Monarquia ou República teriam tido de ceder.


O que talvez pudesse ter sido feito era ter proclamado perante a comunidade internacional a prepotência que estava a ser cometida, no mínimo com um corte de relações diplomáticas.. D. Carlos e o chefe do Governo, José Luciano de Castro, do Partido Progressista, que caiu em consequência, ou António de Serpa Pimentel do Partido Regenerador que o substituiu, nada fizeram para além de tentar salvar a face. O que não conseguiram; pelo menos aos olhos do povo português. E em 31 de Janeiro do ano seguinte deu-se o malogrado movimento no Porto, reflexo do descontentamento que reinava no seio da família militar.

Durante os anos que se seguiram, o campo republicano não cessou de crescer, capitalizando os erros dos governos monárquicos. E assim chegamos a1906, ano crucial no desgaste do regime. Para além da crise política que vinha de trás, a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real, embora correspondendo a factos e a erros ou atropelos da legalidade por parte dos sucessivos governos, foram aproveitados pela máquina de propaganda republicana (e não só).

O governo de Hintze Ribeiro seria o último do rotativismo partidário. Em 19 de Maio de 1906, João Franco seria nomeado chefe do ministério, iniciando um governo de ditadura, com fortalecimento do poder do rei. Começou mal, pois nessa tarde, quando esperavam a chegada de candidatos republicanos, a polícia caiu sobre a multidão, causando alguns mortos e feridos. Foi aquilo a que, com algum exagero, se chamou a «chacina do Rossio». João Franco quis resolver de imediato duas questões que vinham de trás . a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real.

Vejamos hoje a questão dos tabacos. Não vos vou contar a história desde o princípio, de como a partir do século XVI a planta começou a ser introduzida na Europa. No século XVIII, em Portugal, o negócio do tabaco era já significativo. Uma lei de 1736, assinada por D. João V, proibia a entrada de planta estrangeira, em Portugal e em todos os territórios administrados pela Coroa.

Na segunda metade do século XIX, o aumento exponencial do consumo levou a indústria maquinofactureira a um grau de mecanização jamais visto noutras indústrias, como a do algodão, por exemplo. O número de unidades fabris cresceu e logo começaram os grupos económicos a concentrar a produção, comprando as fabriquetas. Depois de um período de monopólio, uma lei de 1864 liberalizou de novo a criação de novas unidades.

De lei em lei, em 1891 restabeleceu-se o monopólio, pedindo o Estado um empréstimo público tomado por banqueiros portugueses em 30%, 25% de um grupo alemão e 45% de um grupo francês. A oposição política denunciou o carácter lesivo que este negócio assumia para a economia nacional.

Durante dois anos, entre 1904 e 1906, a luta pela concessão do monopólio à Companhia dos Tabacos de Portugal fez cair dois governos. Em 25 de Junho de 1904, após Hintze Ribeiro dissolver o Parlamento, o Partido Regenerador venceu as eleições. Porém, a pressão da oposição, centrada sobretudo nos novos contratos dos tabacos (e dos fósforos), fez cair o governo em 18 de Outubro. José Luciano de Castro, do Partido Progressista formou novo governo, mas a questão dos tabacos, a crise na região vinhateira do Douro provocada pela filoxera (bem como a propaganda republicana) faria cair este governo em Março de 1904.

Em Maio de 1905, José de Alpoim sairia com outros seis deputados do Partido Progressista, dando lugar à chamada «Dissidência Progressista. Em Março caiu o governo de Luciano de Castro e formou-se um gabinete encabeçado por Hintze Ribeiro. Era o último acto do sistema rotativista, pois em Maio João Franco dava corpo a uma velha ideia de D. Carlos e era nomeado chefe de um governo de ditadura administrativa, fortalecendo o poder real. Mas a crise dos tabacos tinha de ser resolvida.

Discutia-se a opção por um de dois modelos – administração directa do Estado, a chamada régie ou o arrendamento. Optou-se pela régie. Esse assunto foi arrumado de forma autoritária e só formalmente ficou resolvida, pois o problema dos tabacos voltaria à ribalta em Março de 1926, com manifestações em Lisboa. Em Maio houve o golpe militar de direita e logo no ano seguinte o monopólio foi reorganizado, intervindo além da Companhia dos Tabacos de Portugal, a Tabaqueira (pertencente à CUF) e a Companhia Portuguesa dos Tabacos.

João Franco «resolvera» a velha questão dos tabacos. No horizonte perfilava-se já a questão dos adiantamentos à casa real.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Novas Viagens na Minha Terra



Manuela Degerine

Capítulo XXXV

Passeio pelos museus (conclusão, por ora)

Museu Nacional do Azulejo: O vermelho e o preto

O Museu do Azulejo expõe um trabalho intitulado Casa Perfeitíssima, 500 anos da fundação do Mosteiro da Madre de Deus, 1509-2009. Esta exposição – de paredes vermelhas, uma cor aqui, esta sim, muito significativa – centra-se na figura da fundadora, a rainha D. Leonor, esposa de D. João II e irmã de D. Manuel I, fundadora não só deste convento mas também das Misericórdias e do Hospital das Caldas da Rainha. O conjunto é composto por peças encomendadas pela rainha, oferecidas à rainha ou, de alguma maneira, significativas do ambiente cultural e religioso em que ela viveu. Por exemplo: a Noticia da Fundação do convento da Madre de Deos de Lisboa das religiosas descalças da primeira regra de nossa Madre Santa Clara, publicado em 1639. Ou a tapeçaria de lã e seda, fabricada em Bruxelas, representando o Baptismo de Cristo, uma encomenda de D. Leonor para o convento. Ou o Retábulo das Sete Dores da Virgem, do pintor flamengo Matsys, por ela comprado para o altar da igreja.



D. Leonor atravessou os reinados de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e até o início do reinado de D. João III, o que fez dela uma contemporânea dos faustos, mudanças e inovações trazidas pelos descobrimentos. Não só rainha mas também rica (tanto por herança do pai – o Infante D. Fernando, duque de Viseu e Condestável do Reino, herdeiro universal do Infante D. Henrique – como por mercês a ela atribuídas por D. João II e D. Manuel I), encoraja o teatro de Gil Vicente e a introdução da imprensa, compra – como esta exposição mostra – numerosas obras de arte, vive rodeada pela elite intelectual do seu tempo, funda instituições de socorro a pobres e doentes... Defensora da devotio moderna, numa prática austera da fé, funda em 1509, já viúva, o convento da Madre de Deus, onde se recolhe e fica sepultada – no chão, à entrada da igreja, num espaço de passagem e com a simples inscrição: Aqui está a rainha Dona Lianor mulher del-rei Dom João o segundo que é fundadora deste convento. Ao lado jazem a primeira abadessa do convento e Dona Isabel, duquesa de Bragança, irmã da rainha.

A chegada das relíquias de Santa Auta a Lisboa em 1517, oferecidas pelo imperador Maximiliano I, suscita a encomenda de um retábulo a um pintor cujo nome desconhecemos: o mestre do Retábulo de Santa Auta. Um dos quadros mostra a cerimónia da entrada das relíquias no Convento da Madre de Deus. Vemos, no canto inferior direito, quase fora da imagem, um músico a tocar, da direita para a esquerda vai a procissão – só de homens – transportando as relíquias na direcção da igreja, cujo portal se encontra forrado com panos de brocado. E, do lado esquerdo, por detrás da figura evocadora da santa, num estrado com toldo, igualmente revestido de brocado, acompanhada por outras senhoras, trajando o hábito de religiosa – encontra-se a rainha. Numa modéstia emblemática, não se pode falar aqui de retrato, apenas de uma silhueta… Ou antes: de um acto de presença pia.

Outro presente do imperador Maximiliano, um grande quadro a óleo intitulado Panorama de Jerusalém, chegou a Lisboa com um espaço reservado para ali ser pintada a imagem da rainha. De facto nele aparece, orando, com o hábito negro de religiosa, de joelhos através dos séculos, a rainha D. Leonor, modelo das virtudes que o seu tempo concedia à mais poderosa das rainhas: Princesa Perfeitíssima.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Caetano José da Silva Souto-Maior, um alentejano na corte de D.João V e uma figura popular de Lisboa - 6

Carlos Luna



Soneto a uma dama que enviou, zangada, ao poeta, uns escritos que deste recebera... e que ele queimou.















Morrei, doces despojos, que algum dia
fostes de Clori(*) persuasão gloriosa,
que a chama, ainda que triste, venturosa,
vai conservar no fogo a idolatria.


Para desprezo ser de Clori ímpia
basta arder nessa luz pouco formosa,
porque da chama, que é menos preciosa,
não fica sendo a cinza menos fria.


Não fostes cridos, viestes desprezados,
e das iras de Clori como objectos
sereis sempre uma injúria aos meus cuidados.


Eu só posso mostrar nestes afectos,
fazendo-vos agora desgraçados,
que sois constantes, e que sois discretos.

______

(*) Clóri: deusa grega das flores; a "Mulher".


Poema a uma dama que o poeta não quis ver, depois dela ler alguns versos.


Para venceres basta um só portento,
pois não foram em tudo sempre claras
as vitórias, se acaso acompanharas
com outro encanto o numeroso acento.


Se a minha vida, e o meu entendimento
já dos teus versos são vítimas raras,
serias, se o resplendor não retiraras
menos avara, e eu menos atento.


Outro espírito influi reverente
se hás-de mostrar teu rosto esclarecido,
que um, que tinha, está preso felizmente.


Ou cesse o agrado harmónoco do ouvido,
que hei-de expor a teus olhos indecente
sem mais uma alma, ou menos um sentido.


Soneto dedicado a Francisco Dionísio de Almeida, morto na juventude.

Reduzir esta vida à ombra escura,
na mais discreta, e mais florida idade,
é da morte fatal temeridade
com que infama os decretos da Ventura.


Que avisos, ou que exemplos nos procura,
se ofendido o discurso da impiedade,
toda a ira, a que a perda nos persuade,
faz esquecer o horror da sepultura?


Inveja a Parca o raro entendimento
que agora nos roubou, e ao golpe astuto
sirva de injúria o mesmo monumento.


Porque ´inda que o morrer seja estatuto,
da saudade consegue o sentimento
que pareça vingança o que é tributo.

Soneto dedicado à morte do jovem fidalgo Marquês de Gouveia.

Não extingue da morte o atrevimento
em Múcio(*) excelso a ilustre heroicidade,
muda-lhe só na iníqua austeridade
os cultos do palácio ao monumento.


Rendeu-lhe aclamações o orbe atento,
e hoje o busca no túmulo a saudade,
mas tão distinto o excesso na vontade
quanto vai da lisonja ao sentimento.

Mas intenta triunfar a morte dura,
que o afecto triste do sepulcro fia
na saudosa atenção à fé mais pura.


A memória consagra a tirania,
porque entregue a lembrança à sepultura
faz sempre religiosa a idolatria.
________

(*) Múcio: herói da Antiga Roma.

Soneto dedicado à espada de Pedro Mascarenhas, nobre guerreiro, enfim 

Pendurêa(*) entre louros infinitos
Mascarenhas, o grande, a heróica espada:
porque em ara imortal seja adorada,
troque o mundo os assombros pelos ritos.


Se inveja foi dos Césares invictos,
deixe hoje na razão imaginada
a série dos prodígios, que admirada
não pode ser no ardente dos conflitos.


Cause respeito, se causou desmaio,
que admirado, e rendido eu já contemplo
Pisuerga, Pirinéu, Ebro, e Moncaio.


Descanse a espada, e a Fama no seu templo
em ídolo converta o que foi raio,
chegue a fazer deidade o que era exemplo.
_________

(*) arcaísmo.



Soneto a Afonso de Albuquerque, conquistador português na Índia, numa

ocasião em que, para salvar uma jovem indiana, deixou que se perdesse,

num naufrágio, a carga preciosa.



Não me alteras, oh mar, sempre violento

na fúria destas ondas repetida,

se estou, sendo remédio de uma vida,

contra todo o furor deste elemento.



Nos estragos me adquires novo alento,

pois ficamos com glória esclarecida,

eu assunto da fama encarecida,

tu da riqueza avaro monumento.



Pereça a oriental preciosidade,

e exista a honra da feliz violência,

que foi maior que a dita a adversidade.



Porque fica, apesar desta inclemência,

superado o interesse da piedade,

e a desgraça vencida da inocência.
publicado por Carlos Loures às 09:00
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Enganos

António Sales



Estilhaço no meu peito
o punho errante
da suplicação e ira fermentadas.
Solto a voz amarela da revolta
no meio da pobre gente atormentada.


Olhos marinhos
por lágrimas sulcados,
percursos espinhosos no rumo de viver,
veleiros de esperanças vãs
naufragados
nas cinzas uterinas das manhãs.
publicado por Carlos Loures às 08:00
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.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

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