Sexta-feira, 15 de Julho de 2011

Portugal, a União Europeia e a Democracia nas malhas dos ratings - III

Júlio Marques Mota daqui

 

O verdadeiro debate deveria ser então entre as políticas de austeridade ou as políticas de expansão, a verdadeira indignação deveria estar contra a imposição das políticas de austeridade até agora aplicadas. Como assinalam Victoria 'Chick' e Ann Pettifor, em The Economic Consequences of Mr. Osborne Fiscal’ consolidation: lessons from a century of UK macroeconomic statistics:

 

A questão é agora a de saber se uma redução das despesas (e um aumento de impostos) vai realmente resultar numa redução do défice ou no seu aumento. Um estudo feito por Ann Pettifor mostra-nos, utilizando dados do Reino Unido de 1918-2009, que um corte persistente nas despesas está associado a um aumento da relação dívida/PIB, e que a expansão das despesas está associada com uma queda na relação dívida/PIB (Para uma pequena síntese, veja-se o resumo publicado por Bloomberg. Para uma descrição mais desenvolvida ver o texto “The economic consequences of Mr Osborne”, publicado em 6 de Junho).

 

Este resultado surge porque o governo não está em posição de determinar a sua própria situação financeira líquida, ou seja, se é de défice ou se é de excedente orçamental.

 

A crença de que pode determinar a sua posição de
défice ou de excedente surge assim da generalização feita a partir da
experiência dos indivíduos singulares. É completamente falso estar a falar
desta forma de redução do défice quando se está a falar de governos.

Cada um de nós é economicamente muito pequeno: se
queremos um excedente, cortamos nas nossas despesas com rendimentos dados e/ou
aumentamos os nossos rendimentos e o que fazemos não é importante para ninguém
nem para a economia em geral (a menos que muitos outros estejam a fazer o mesmo).

 

A despesa pública é mesmo muito importante para que se
possa falar assim, até mesmo para os níveis de 1930 (9-14 por cento do PIB
antes da mobilização para a Segunda Guerra Mundial). A mesma relação, depois da
Guerra nunca caiu abaixo de 20 por cento (estes números excluem
transferências). O volume e o sinal do resultado orçamental (défice ou excedente,
sinal mais ou sinal menos) dependem dos planos de todo o sistema económico e
das suas reacções às acções programadas pelo governo.

 

Ainda mais importante do que a proporção das despesas
públicas relativamente ao PIB é o facto de que o seu resultado expresso em
termos de défice/excedente deve ser compensado por um excedente/défice noutros
lugares, seja no sector privado ou seja no sector dito externo, na balança
corrente. Se o governo reduz o seu défice, que sector vai reduzir o seu
excedente? Certamente não será o sector privado, que está a tentar equilibrar
as suas contas. A balança corrente, a posição líquida externa?

Para tentar reduzir o seu défice, através do corte das
despesas e ou através do aumento dos impostos num período de baixa procura e de
desemprego substancial é comprometer a recuperação económica, esse argumento
está a ser bem compreendido.

 

O contra-argumento de que os mercados se recusam a
comprar títulos do governo também é bem compreendido, mas ninguém realmente sabe
qual é ponto de vista do “mercado”: está ele mais preocupado com o volume da
dívida ou com a ameaça de uma recessão ainda maior?

Mas mesmo se uma redução do défice fosse desejável,
surge a questão seguinte que é a de saber então: se o governo quer reduzir o
seu défice, por qualquer razão e estiver equivocado na forma de o conseguir, se
estiver a cortar despesas e/ou a aumentar os impostos, estará o governo a agir
sobre ele, a reduzi-lo? À luz da experiência anterior do Reino Unido a resposta
é não.

 

Desde que o défice não seja algo que o governo possa controlar,
estabelecer a redução do défice é olhar para o problema pelo lado errado de um
telescópio: o caminho para reduzir um défice num período de desemprego e de
fraca recuperação é aumentar a despesa pública ou privada (de preferência gastar
sabiamente, por exemplo, em tecnologias “verdes”) para promover o emprego assim
como melhorias permanentes nas nossas infra-estruturas, incluindo o nosso “capital
humano”.

 

Keynes olhou através do telescópio pelo lado correcto:
“Olhou para os défices depois de ter olhado em primeiro lugar para o desemprego
até porque o orçamento vai cuidar de si próprio”. Dito de outra maneira, teria
que se olhar para o crescimento em primeiro lugar, como objectivo primeiro a
alcançar.

 

Curiosamente até isto aparece na análise feita pela
Moody’s quando afirma:

 

O crescimento económico pode, por seu lado, vir a ser mais fraco do que o esperado, o que poderá comprometer as metas do governo na redução do défice. Além disso, a consolidação fiscal antecipada e a desalavancagem bancária poderão ainda agravar mais a situação. As estimativas consensuais sobre o crescimento para o país têm sido revista à baixa depois do acordo de empréstimo concedido pela UE/BCE/FMI. Mesmo com estas revisões já em baixa, a Moody’s acredita que há ainda riscos que estas estimativas voltem a descer, daí a perspectiva negativa sobre a economia portuguesa.

 

No caminho errado e a mostrá-lo claramente temos o texto da Moody’s. Uma crise, uma crise como esta é uma crise demasiado séria para ser improdutivamente “gasta”, é uma crise de que é necessário e urgente tirar as devidas lições e não é apenas a olhar e contra as agências de rating ficar a reclamar que esta percepção e a prática política daí resultante se podem ganhar. Nunca, direi eu.
Esta ganha-se, para além do que anteriormente foi dito, em perceber o que são as agências de rating, quais são as suas razões de ser ou não ser, pois que uma vez que existem há que claramente saber o que é que as justifica e a função que leva a que os Estados gastem fortunas para que lhes digam publicamente o que os analistas de qualidade podem dizer. Uma coisa para já parece certa: não há nem nunca houve razão de ser para haver agências privadas de rating sobre dívidas soberanas. Agências justificam-se, ninguém o quer negar mas, neste caso, sobre dívidas soberanas estas deveriam ter o carácter de instituições internacionais, sob a égide das Organizações de Bretton Woods. Compreende-se bem que isto se exija. Como afirma Norbert Gaillard, consultor do Banco Mundial:

 

É necessário compreender que não há método quantitativo em matéria de notação soberana. Não existe nenhum modelo pré-determinado fundado sobre um sistema de ponderações que permita estabelecer o rating de um país a partir de certas variáveis tais como a dívida pública ou o défice orçamental. É sobretudo a opinião dos diferentes analistas da agência que importam, mais do que um modelo matemático ou econométrico.
Estes analistas reúnem-se regularmente em comité de notação a fim de debater a notação de um Estado e de determinar o seu rating.


Cada analista expõe o seu ponto de vista. Certos podem, por exemplo, considerar que o nível elevado da dívida pública do país exige uma degradação, outros consideram que a credibilidade política deve ser suficiente para manter o nível de solvabilidade. Na sequência da reunião, procede-se à votação, a cada analista um voto. É pois numa abordagem qualitativa, humana, que assenta a avaliação e a convicção dos analistas.

 

Apesar de tudo, é possível obter algumas das grandes determinantes das notações soberanas. Trata-se do PIB por habitante, da ratio dívida pública relativamente às receitas públicas, da taxa de inflação, da qualidade das instituições e do histórico de incumprimento quando esse histórico existe, o que no caso das dívidas não é frequente país a país.

 

Exemplo de um quadro de bordo da Moody’s:

 

Portugal

Lead Analyst: Anthony Thomas

© 2010 Moody’s Investors Service, Inc.
and/or its licensors and affiliates

 

 

Notes:

[1] Sum of Exports and Imports of Goods and Services/GDP

[2] Composite index with values from about -2.50 to 2.50: higher values suggest greater maturity and responsiveness of government institutions

[3]Euro adopted on January 1, 1999

publicado por siuljeronimo às 20:00

editado por Luis Moreira às 20:44
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