Quarta-feira, 13 de Julho de 2011

13 - Terreiro da Lusofonia - por Carlos Loures

 

António Campos (Leiria, 29 de Maio de 1922 — Figueira da Foz, 8 de Março de 1999) foi um dos primeiros cineastas em Portugal a dedicar-se à prática do filme documentário, dentro do conceito de antropologia visual. Explorou o filme etnográfico, recorrendo às técnicas do cinema directo. Foi um dos elementos fundadores do movimento do Novo Cinema em Portugal. Foi um caso invulgar no nosso cinema, pela persistência com que, indiferente a êxitos e a inêxitos, prosseguiu na senda que para si mesmo traçou. Começando como Manoel de Oliveira, pelo cinema documental, raramente, ao longo do seu percurso, se afastou dessa via. Nos anos 50, em Leiria, realizava pequenos documentários, por si custeados.

 

Era praticamente desconhecido. Foi-me apresentado pelo Camilo Mourão, um amigo, professor da escola de Leiria, onde Campos trabalhava como funcionário administrativo. Escrevi crónicas sobre ele (publicadas quase todas no Jornal de Notícias) e dei pequenas ajudas, por exemplo, colaborando na elaboração do guião de “A Invenção do Amor” e integrando a equipa que foi a Vilarinho das Furnas fazer um primeiro levantamento, antes de a povoação ficar submergida pelas águas da barragem, Quando pensou realizar «A Invenção do Amor», baseado no poema de Daniel Filipe, pediu-me e ao Guilherme Valente que lhe escrevêssemos um guião.

 

Influenciados pelo clima distópico do «1984» , de Orwell, escrevemos um «roteiro» que Campos não seguiu integralmente; umas vezes porque as nossas sugestões implicavam meios de que não dispunha, outras vezes porque não estava habituado a seguir ideias que não fossem as suas. O resultado, tendo em conta as condições em que o trabalho foi feito, não foi mau. O realizador Fernando Lopes descreve como mostrou "A Invenção do Amor” a François Truffaut. "Ele veio a Portugal preparar o 'Peau Douce' e organizei uma sessão com o António Campos. E o Truffaut ficou maravilhado. Mostrei-lhe o primeiro filme do António de Macedo, o meu filme 'As Pedras e o Tempo' e o Truffaut disse: 'Pá, o que eu gosto é do António Campos." Embora em patamares de realização diferentes, usando meios, actores, cenários, de qualidades completamente diferentes, existem similitudes entre a «Invenção» e «Fahrenheit 451» ou «Grau de Destruição», o filme realizado por François Truffaut em 1966, a partir do romance homónimo de Ray Bradbury. Quanto a Vilarinho, fez-me o mesmo pedido. Escrevi um primeiro rascunho desse guião, mas não fiquei com cópia. Ter-se-á perdido entre os papéis de Campos (e não se perdeu grande coisa). Lembro-me que a história da aldeia era narrada através dos olhos de um emigrante que voltava depois de Vilarinho desaparecer, recordando em flashbacks a aldeia como ela era. Mas o realizador optou depois por um documentário puro e simples. Era aquilo que gostava de fazer.

 

A ficção não lhe estava no sangue, embora tivesse capacidade para enveredar por essa via, como provou com «A Invenção». A partir dos anos 70, o escritório da editora onde eu trabalhava ficava num edifício da António Augusto de Aguiar, que deitava também para a Gulbenkian., o belo jardim da Fundação, era a vista das janelas do meu gabinete. Atravessando uma estreita rua estava no Centro de Arte Moderna onde havia um restaurante self-service. Muitas vezes almocei com Campos nesse restaurante. Falávamos de projectos que nunca chegámos a concretizar, porque ele nos deixou em 1999, mas também porque não gostava de trabalhar em equipa. Era um solitário, um bom selvagem, como o classificou Paulo Rocha. Por seu turno, Fernando Lopes disse a seu respeito. "Ele viveu numa época particular em que o neo-realismo tinha muita importância - o Alves Redol, o Soeiro Pereira Gomes... São leituras que ele fez. Fizemos todos. Depois, cada um saiu para o seu lado." António Campos saiu para um lado muito seu, criando um nicho especial dentro do documentário etnográfico, recorrendo à ficção, não como fim, mas como meio de explicar melhor o que pretendia. Não sei se a Cinemateca Nacional tem todos os seus filmes. Perder a obra de António Campos seria perder um elo na cadeia evolucionária do cinema português. Um bom selvagem, de facto. Não fez concessões.

 

 

 Fez filmes.

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 11:00

editado por João Machado em 08/07/2011 às 23:40
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