Uma segunda nota aos leitores e visitantes de Estrolabio
O Expresso chamou-me a atenção para um debate que terá havido em que alguém se terá reclamado de Professor Doutor Catedrático de modo a distinguir-se do seu aparente opositor, que seria apenas Professor Doutor. O senhor de Professor Catedrático a reclamar-se dá pelo nome de António Nogueira Leite e o segundo foi o ex-ministro Manuel Pinho, o tal dos dois esticadinhos a quem uma empresa portuguesa pagou, bem pago, para dar umas aulas na Universidade de Columbia, onde terá recebido o nosso primeiro-ministro de então, José Sócrates. Uns para os outros estão, portanto.
Simplesmente num outro dia dei por mim a olhar para um debate na televisão e fixei a minha atenção porque nele participava alguém que desde longa data muito estimo, o engenheiro João Cravinho. E foi bom de novo ouvir o senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado a falar da crise.
O tempo passa, a situação económica e social em cada país pela crise atingida degrada-se e os relatórios mundiais que nos falam com números sobre a acumulação de riqueza dizem que o volume de riqueza em activos já ultrapassou os valores de 2007. Os ricos estão mais ricos, os pobres estão mais pobres. A equação é simples. É o que nos diz o relatório da Merrill Lynch e Capgemini, é o que nos diz o relatório de Boston Consulting Group, ambos de 2011. É o que nos dizem os relatórios de qualquer grupo produtor de bens de grande luxo, quando referem que a crise por lá não passou.
Nesse debate que nos propunha o senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado? Que se passasse por cima do que aconteceu, que se deixasse de andar à procura de culpados, que olhássemos para o futuro. Seria mais ou menos isto que eu ouvi e lembro-me bem da resposta do meu amigo João Cravinho que lhe respondeu que assim o senhor nunca saberá as causas da crise e portanto nunca estará em condições de evitar uma próxima crise, possivelmente bem perto, terá inclusive João Cravinho avisado.
Por proposta do Carlos Loures foi-me pedido uma peça para no nosso blogue falarmos sobre o 4 de Julho, sobre a independência dos Estados Unidos, para falarmos da liberdade ou da falta dela. Aceitei e decidi-me virar para vários documentos fundamentais sobre a crise económica e financeira. O povo português, espoliado por um governo de subservientes do grande capital, conjunto liderado então por José Sócrates, substituído agora por um outro com gente mais nova que crê ainda mais na necessidade de o povo português continuar a espoliar, sabe pouco sobre a crise. Eu próprio que por estas águas ando pouco ou mesmo nada sei.
Estarei um pouco como Donald Rumsfeld a propósito do que sabemos que sabemos, (known, known), a propósito do que sabemos que não sabemos (know, unknown) e do que nem sequer sabemos que não sabemos, (unknown, unknown). Da crise todos sabemos pouco, os que dela e com ela se preocupam, pelos dados que temos, mas sabemos as incógnitas que não sabemos, aquelas cujos dados nos escondem e que queremos conhecer para a crise poder entender e aos principais responsáveis responsabilidades vir a querer, e sabemos também que há as incógnitas que nem sequer sabemos que não sabemos, que estão talvez fora do nosso quadro mental para perceber a realidade e portanto desse quadro excluídas.
Se alguma analogia haveria aqui diríamos que nós estamos nos dois primeiros conjuntos enquanto o senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado no terceiro caso poderá então ser colocado. Quisemos então aguçar o apetite aos nossos leitores, aos nossos visitantes do Estrolabio, propondo-lhes a leitura de longos excertos de um relatório produzido por uma Comissão nomeada pelo Presidente Obama com o objectivo de investigar os mecanismos da crise. A esta comissão chamou o New York Times de Comissão Pecora II, por homenagem a Ferdinand Pecora, o homem que levou à descoberta dos mecanismos e dos meios utilizados que levaram à crise de 29-33 do século passado e que por essa via levou à construção de um conjunto de leis que durante décadas de uma nova crise deste tipo nos defenderam. Passo a citar:
1. Na primeira metade do século 20, nós criámos uma série de protecções — o Federal Reserve como um emprestador de última instância, o seguro federal para os depósitos, amplos regulamentos para fornecer uma protecção contra as situações de pânico que tinham regularmente flagelado o sistema bancário da América no século XIX. No entanto, nos últimos 30 anos ou mais permitiu-se o crescimento de um sistema bancário sombra, opaco e assente no enorme volume de dívida de curto prazo, que rivalizava com a dimensão do sistema bancário tradicional. As componentes chave do mercado, por exemplo, os multi millhões de milhões de crédito do mercado repo, as múltiplas entidades fora do balanço, bem como a utilização de produtos derivados OTC (negociados fora da bolsa) estavam assim fora da vista, escondidos, sem as protecções que tinham sido criadas para evitar os colapsos financeiros. Nós tínhamos um sistema financeiro do século XXI com as salvaguardas do século XIX.
2. O sistema financeiro que analisámos tem pouca semelhança com o sistema financeiro da geração dos nossos pais. As mudanças nas últimas, só três últimas, décadas têm sido notáveis. Os mercados financeiros tornaram-se cada vez mais globalizados. A tecnologia transformou a eficiência, a velocidade e a complexidade dos instrumentos financeiros e das transacções. O acesso e a redução do custo de financiamento atingem níveis nunca antes alcançados. E o próprio sector financeiro tornou-se uma força muito mais dominante na nossa economia.
3. A maior tragédia seria aceitar o refrão de que ninguém poderia ter visto a crise aparecer e, assim, que nada contra ela poderia ter sido feito. Se aceitarmos essa ideia, a crise vai acontecer novamente.
Este relatório não deve ser visto como o fim da análise a ser feita pelo nosso país sobre esta crise. Há ainda muito a aprender, muito a investigar e muito a corrigir.
Esta é a nossa responsabilidade colectiva. Cabe-nos a nós fazer escolhas diferentes se queremos resultados diferentes.
Senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado, a minha posição e a da Comissão Pecora II são completamente diferentes da sua, mas da minha que é no plano formal semelhante à da Comissão Pecora, esta, na sua visão das coisas para nada deve contar, porque a Catedrático nunca hei-de chegar. O que importa aqui é que os neoliberais da direita pura e dura chegam ao poder a substituir um outro conjunto de neoliberais, neoliberais ditos de esquerda, pela direita assim são considerados, que às mesmas ordens estiveram dispostos a reinar.
Os escândalos em Portugal também houve, a solidez bancária é mais do que duvidosa, o dinheiro público foi aí injectado, pela Troika novos valores aí serão colocados e da banca publicamente nada se sabe. Nenhuma justificação pública foi dada pelo primeiro-ministro de então quanto aos dinheiros injectados no BPN, nem sobre a estranha blindagem e protecção da Sociedade Lusa de Negócios, nenhuma explicação oficial sobre o BPP, nenhuma também a ser dada quanto ao BCP, em suma, nenhuma explicação para onde é que os milhares de milhões foram e quem é que os levou, esse dinheiro que agora se considera que se esfumou, que rasto não deixou e, por isso, melhor é passar por cima e pagarmos nós todos o buraco financeiro que por este país se deixou. .
Com a presença de um gestor de competência reconhecida à frente do BPN com o é o Dr. Francisco Bandeira, meu amigo de longa data, seria de esperar que a questão viesse em relatórios publicamente esclarecida como tem vindo a acontecer no país do Presidente Obama. Dos Estados Unidos sabemos já o que se passou com Madoff, pelo trabalho, entre outros de Irving Picard, sabemos o que se passou com o Goldman Sachs, o relatório Carl Levin, sabemos o que se passou com Lehman Brothers, o relatório Anton R. Valukas, sobre a AIG, o relatório do Office of the Special Inspector General for the Troubled Asset Relief Program ("SIGTARP") feito sob a direcção de Neil Barofsky, sabemos tanta coisa.
E de Portugal, e do trabalho de homens como Francisco Bandeira no BPN ? Nada, a não ser uma ida ao Parlamento. Muito pouco para os milhares de milhões que dolorosamente o futuro do nosso país irá no presente pagar. E tudo isto com o silêncio de Sócrates, de Teixeira dos Santos e de todos os outros, de socialistas considerados ou por estes apadrinhados. Temo agora e por isso esta nova dedicatória, que com a Direita no poder e com posições como as do senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado se queira fazer um silêncio tumular sobre o que já deveria ser do conhecimento do público, deste público que tudo terá de pagar, e para nunca se poder perguntar, para onde foi então o nosso dinheiro parar, esse que agora nos querem objectivamente roubar.
Porque essa sua posição eu temo, considero minha função onde me é possível, neste caso no blogue Estrolabio, explicar o que até hoje sei do que se entende ter sido a crise e faço minhas as palavras finais da Comissão Pecora II aqui citadas. Na Europa, os Estados nacionais transformaram-se em verdadeiros ladrões legalizados, aos pobres a roubar para aos ricos ir dar, enquanto na América o partido republicano, liderado por Paul Ryan, está numa luta de morte contra a democracia, contra o Presidente Obama, contra o Vice-Presidente Joe Biden, e tenta a todo o custo, com os mesmos argumentos que aqui na Europa, a dívida, o défice, fazer do Orçamento a máquina de tirar aos pobres para dar aos ricos, uma espécie de Robin dos Bosques ao contrário, como muito bem nos avisa Jared Bernstein, ex-principal conselheiro de Joe Biden, uma luta a decidir-se até ao final da terceira semana deste mês.
Quanto ao silêncio que a direita irá tentar colocar em todo este processo da crise em Portugal, seguindo nesse silêncio o silêncio já anteriormente criado por José Sócrates e pelo nosso presidente da República em exercício, espero que o povo português passe da situação de resignado à de Indignado, porque não tenho dúvidas que o conhecimento da situação levará a que todos nós, como em Espanha, como na Grécia e noutros países que se lhes seguirão, passaremos do estado de Resignação ao estado de Indignação. A lógica do silêncio que o senhor Professor Doutor de Catedrático reclamado defende passa por aqui e contra essa lógica está a lógica da verdade que do nosso lado exigimos e disso nos reclamamos, tomando como referência apenas um documento oficial, o relatório Pecora II.
Coimbra, 4 de Julho de 2011
Júlio Marques Mota
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