É permitido violar as mentirosas - por Manuela Degerine

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Sábado, 2 de Julho de 2011

É permitido violar as mentirosas - por Manuela Degerine

Primeiro foi o delírio do concluio. Dominique Strauss-Kahn evocara na última entrevista ao jornal Libération a possibilidade de lhe apontarem algum assédio sexual. Logo metade dos franceses berraram: maquinação! Jack Lang, ex-ministro da Cultura e da Educação, o mais cintilante membro da esquerda caviar, escandaliza-se na televisão: il n'y a pas mort d'homme! (Ou seja: não há drama nenhum!) Indignação pública. Jack Lang fez marcha atrás, quisera dizer que, se não havia homicídio, DSK não devia ser preso. Houve uma manifestação para protestar contra o machismo dos políticos.

Todos, na rádio, na televisão, nas famílias, à mesa, no padeiro, ao telefone, na bicha do supermercado, falavam de DSK. Surgiu o embaraço: mamã, o que é uma felação? O humorista François Morel socorreu as famílias com a história do Ursão que queria comer a gazela preta.

Sucederam-se a caução, a residência vigiada de DSK, a descoberta da pólvora: o candidato socialista à presidência da república, presidente da câmara numa cidade com bairros problemáticos, é um socialista milionário. Grande debate nacional. O milionário que abusa de uma pobre imigrante. O director do FMI que agride a criada de quarto. O branco que viola a negra. O judeu que não respeita a muçulmana. O velho que estupra uma jovem. And so on.

Entretanto numerosos socialistas se declaram candidatos à presidência da república. François Morel faz uma crónica na qual avisa que, quanto aos socialistas, especialistas da derrota improvável, todo o desespero é ainda possível.

E agora, outro sismo. Afinal a vítima de DSK terá mentido quando emigrou para os USA e terá até cumplicidade com um traficante de droga. Mais uma vez: o delírio. Por aquela mulher ter mentido antes e depois de ser violada, é como se o acto de DSK não tivesse a menor gravidade. São de imediato entrevistados os amigos de DSK, Jack Lang fala do regresso de DSK, da eleição de DSK... DSK é o novo Edmond Dantès (herói de O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas).

Pergunta um auditor perplexo da rádio France-Inter: Então é permitido violar as mentirosas?...

Em França parece que sim.

tags: dsk, manuela degerine, violação

publicado por Carlos Loures às 16:00

editado por João Machado às 13:34

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19 comentários:

De Manuela Degerine a 3 de Julho de 2011

DSK é presumido culpado, vai ser julgado e, nessa altura, dir-nos-ão o que concluiram; o que me inquieta é - nestas circunstâncias - alguns politicos do PS francês encararem, de maneira evidente, a presumivel violação de uma mulher como pormenor sem importância. Espero que as mulheres, quando votarem, não se esqueçam deste pormenor. (Desculpem: neste teclado francês não tenho acentos do i!)
Manuela Degerine

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De Augusta Clara a 3 de Julho de 2011

É isso mesmo. Estou inteiramente de acordo e não é preciso mais "especulações".

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De Luis Moreira a 3 de Julho de 2011

Exacto, foi sempre o que esteve em equação após o texto da Manuela. Nunca houve especulação nenhuma, a justiça dirá se sim ou não.

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De Carlos Loures a 3 de Julho de 2011

Ainda bem que a Manuela veio participar nesta troca de opiniões. Não são especulações, a meu ver - embora especular não seja crime. A presunção de inocência é uma figura jurídica, no mínimo, tão respeitável quanto a de culpabilidade. Se, no julgamento, DSK for considerado culpado do crime de violação, então a pergunta do tal jornalista faz todo o sentido. Se não, gera um paradoxo - a mentirosa mentiu relativamente à violação, pelo que a questão não existe. Porém, como a Manuela sublinha, a questão vai para lá de um assédio, violação na forma tentada ou mesmo consumada. O PS desvaloriza (vacina para o caso de o veredicto dar o homem como culpado); os adversários carregam as tintas. Em Portugal, as pessoas que estão á direita do social-democrata PS, fazem coro com os que se antecipam à condenação, mas deviam estar caladas - com um rigor semelhante o governo de Passos Coelho teria de ser reformulado. E como dizia o Octávio do futebol «vocês sabem do que estou a falar...». Os do PS, cúmplices no caso português - que é o que me interessa - estiveram calados durante toda a campanha e, só depois de terem sido derrotados, mandaram uma deputada levantar uma lebre que deveria ter sido posta a correr muito antes. Enfim, digo eu, quem tem telhados de vidro... Vou ser franco - o caso do Khan interessa-me quase tanto como o casamento do príncipe do Mónaco. Só o discuto nesta perspectiva - um homem político tem de ter uma reputação à prova de bala - quem assedia criadas de quarto ou vai engatar miúdos de cabeleira feminina, não devia poder participar na vida política. Para não ficarmos muito deprimidos por termos escória humana no governo, podemos sempre recordar o Berlusconi que, não só faz parte do governo italiano, como a ele preside. Fraca consolação. No entanto, é engraçado ver pessoas que fizeram grande escarcéu com licenciaturas obtida em fins-de-semana, virem agora desculpar aquilo que não tem desculpa a não ser a de que a política é um pântano.

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