Primeiro foi o delírio do concluio. Dominique Strauss-Kahn evocara na última entrevista ao jornal Libération a possibilidade de lhe apontarem algum assédio sexual. Logo metade dos franceses berraram: maquinação! Jack Lang, ex-ministro da Cultura e da Educação, o mais cintilante membro da esquerda caviar, escandaliza-se na televisão: il n'y a pas mort d'homme! (Ou seja: não há drama nenhum!) Indignação pública. Jack Lang fez marcha atrás, quisera dizer que, se não havia homicídio, DSK não devia ser preso. Houve uma manifestação para protestar contra o machismo dos políticos.
Todos, na rádio, na televisão, nas famílias, à mesa, no padeiro, ao telefone, na bicha do supermercado, falavam de DSK. Surgiu o embaraço: mamã, o que é uma felação? O humorista François Morel socorreu as famílias com a história do Ursão que queria comer a gazela preta.
Sucederam-se a caução, a residência vigiada de DSK, a descoberta da pólvora: o candidato socialista à presidência da república, presidente da câmara numa cidade com bairros problemáticos, é um socialista milionário. Grande debate nacional. O milionário que abusa de uma pobre imigrante. O director do FMI que agride a criada de quarto. O branco que viola a negra. O judeu que não respeita a muçulmana. O velho que estupra uma jovem. And so on.
Entretanto numerosos socialistas se declaram candidatos à presidência da república. François Morel faz uma crónica na qual avisa que, quanto aos socialistas, especialistas da derrota improvável, todo o desespero é ainda possível.
E agora, outro sismo. Afinal a vítima de DSK terá mentido quando emigrou para os USA e terá até cumplicidade com um traficante de droga. Mais uma vez: o delírio. Por aquela mulher ter mentido antes e depois de ser violada, é como se o acto de DSK não tivesse a menor gravidade. São de imediato entrevistados os amigos de DSK, Jack Lang fala do regresso de DSK, da eleição de DSK... DSK é o novo Edmond Dantès (herói de O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas).
Pergunta um auditor perplexo da rádio France-Inter: Então é permitido violar as mentirosas?...
Em França parece que sim.
Aqui está uma visão certeira de um crime que os poderosos deste mundo já transformaram num cenário dantesco. A vítima é culpada e o culpado é a vítima. Tudo porque a vítima é uma mulher com pecado.
A verdade ainda tem caminho a fazer nesta história. Se, de facto, como agora se diz e desde o principio se pôs como hipótese, a empregada provocou a «violação», não sendo a principal mentirosa, fez parte de uma encenação destinada a abater politicamente um homem. Neste caso não se pode falar de violação - as minhas aspas são provisórias. Se este desenlace faz parte de uma contra-encenação e a rapariga foi mesmo violada, tudo muda de figura. De qualquer maneira, ela é uma vítima e, na pior das hipóteses, a CIA ou lá quem foi, jogou com o seu passado e manipulou-a. Teríamos assim duas vítimas...
Mas a Manuela abre uma nova perpectiva. Seja manipulação ou não, uma violação é um crime.Mesmo numa mulher com relações suspeitas e um passado pouco abonatório. Fazem falta no estrolabio os textos da Manuela Degerine.
Com tudo o que está por trás e pela frente, é uma boa pergunta. Na altura, li um artigo do "Le Monde" com uma análise muito bem feita a propósito deste incidente. Não o propus para publicação e estou arrependida de não o ter feito. Até as feministas, de vez em quando, são cobardes. E eu fui. Mantém-se a dificuldade de ser mulher neste mundo. Vou ver se o encontro.
Mas não ponho em causa a pertinência e a correcção da questão levantada pela Manuela - claro que sim, se houve violação, houve crime, Ponto final. A minha dúvida é se os serviços secretos americanos não plantaram a pequena ali no quarto do Dominique, sabendo que ele tem um histórico complicado... neste caso, falar de violação não faz qualquer sentido. No entanto, acho bem que a conduta dos políticos tenha de ser exemplar em todos os planos - seja qual for a orientação sexual que tenham, na minha opinião, um homossexual que vai de cabeleira para o Parque Eduardo VII ou um hetero que vai para o Intendente frequentar o comércio local, não devia poder ser ministro de um governo da República. Porque não se trata de discriminar a sexualidade seja de quem for, mas sim de vedar a carreira política a quem exerce a sua sexualidade de uma forma indigna.
Plenamente de acordo.
De Carlos Mesquita a 2 de Julho de 2011
E se antes de especularem sobre este assunto fossem ler o que diz a Procuradora de Manhattan.
Stauss-kan não foi libertado por a senhora ter mentido quando emigrou ou ser amiga dum traficante, embora isso conte num julgamento na América ou noutro lado.
Para além de inventar as agressões na Guiné, disse ter sido lá vítima de violação, chorando e convencendo, e mais tarde confessou que isso nunca ocorreu.
Depois da cena com Strauss ainda foi limpar outro quarto antes de denunciar o "caso". Etc.
Há gente muito mais poderosa que Strauss-Kan, deixem correr o processo, as discrepâncias dela foram nos interrogatórios na Justiça, se alguém se incriminou foi ela.
Acho que escrevi qualquer coisa sobre isto no meu blog, relacionando com o caso de Julian Assange.
O facto é que a amiga do Sarkozi entrou à Largadère no FMI. E o PS francês catrapum.
Vai lá comer uma colherzinha de açúcar e, depois, vem ler bem o que a gente escreve nas linhas e nas entrelinhas.
Já agora, explica onde é que se especulou - só não especula quem tiver lido o que diz a Procuradora de Manhattan? Bem, eu não vou ler, tu já disseste e eu acredito - comecei por dizer que a verdade ainda tem um longo caminho a percorrer. É especular?
De Carlos Mesquita a 2 de Julho de 2011
Augusta. Essa do áçucar dispenso, queres matar-me ou quê? Não sabes que sou diabético?
Quando dizes "a gente" queres dizer o Carlos Loures, com esse estou de acordo.
Mas olha que há aí "gente" que Viu violações.
Eu espero que os profissionais da investigação e da Justiça esclareçam o caso, neste como em todos, não julgo nem condeno pelas aparências, nem pelo sexo ou pela condição social.
Ai, desculpa, não te quero matar, não! Só não quero que chames especulações às discussões. Estes assuntos dão pano para mangas. Mas, agora, fico-me por aqui.
A Manuela Degerine não viu nada nem diz que viu, limita-se a chamar a atenção para o facto de que o argumento contra a existência da violação é a mulher ser mentirosa. Eu, limito-me a tirar o chapéu, a quem, em vez de ver tenebrosas manigâncias anti-PS vê a luta desigual entre o poder e o dinheiro e uma mulher da limpeza, eventualmente mentirosa.
De Carlos Mesquita a 2 de Julho de 2011
Carlos. Se não especulaste, e não, não é contigo.
Especulação é o título, o final, e alguns comentários;
a violação não foi provada, é para isso o julgamento- se houver, coisa que não acredito, (especulação minha).
Dou aqui encerrada a minha participação neste assunto.
Pois dás. E o PS francês é que está down, as pessoas não interessam. O texto da Manuela é uma pedrada no charco. E já agora o título é soberbo e é dela!
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