(Continuação)
Este texto não precisa de comentários, excepto dizer que é retirado da realidade social, que segue as águas do moinho da procura da liberdade do homem. Mas, como já comentei, essa liberdade é a subordinação à lei que nos governa e define cada passo que damos na nossa vida e dá nomes às pessoas conforme o seu comportamento. A capacidade de raciocinar, de pensar e decidir, é o que traz a liberdade ao ser humano. O problema é que liberdade… O texto, como todos os outros denominados sagrados que referi, remete a actividade humana para uma metáfora que não vive entre nós, que radica na mente do ser humano e que dita leis por meio de pessoas como Moisés, Elias, Jesus, hierarquias pontifícias, formas de acreditar e que, no fim dos finais, é parte da cultura ou formas de comportamento adequadas às conveniências da nossa individualidade. O que é adequado à nossa pessoa, é viver sem pecado, quer dizer, sermos capazes de fixar um último bem, uma auto-estima que, em metáfora, está definida como a procura de Deus, muito embora a divindade não esteja definida em parte nenhuma. É aí que Freud e os seus seguidores foram capazes de ver as dificuldades da vida, para além da metáfora e entrar dentro de cronologias e contextos genealógicos, orientados por uma libido erótica que leva à reprodução. Ideia que o texto que comento não refere, antes pelo contrário, retira da materialidade da vida o que a ilusão de sermos pais tinha colocado: factos históricos, com provas complementares para demonstrar a sua verdade.
Este texto define já a criança como uma entidade que, como diz o artigo 1739, página 387, livremente soube rejeitar o amor, ou seja, pecou. O pecado, conceito que defini noutro texto, é a forma de organizar as relações entre os seres humanos: nenhum ser humano publicamente rejeita a empatia simpática a outro. No entanto, a metáfora do texto começa por dizer que nascemos todos já na situação de estarmos preparados para não amar, para rejeitar o outro ou procurar no outro o que convém à minha felicidade. É a definição que dou de pecado original no fim do Capítulo II:
1691 “O pecado está presente na história do homem: seria inútil tentar ignorá-lo ou dar a esta realidade obscura outros nomes. Para tentarmos compreender o que é o pecado, é preciso antes de tudo reconhecer a ligação profunda do homem com Deus, pois fora desta relação o mal do pecado não é desmascarado em sua verdadeira identidade de recusa e de oposição a Deus, embora continue a pesar sobre a vida do homem e sobre a história.
(Parágrafo relacionado: 1847)
1692 387 A realidade do pecado, e mais particularmente a do pecado das origens, só se entende à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento de Deus que ela nos dá não se pode reconhecer com clareza o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como uma falta de crescimento, como uma fraqueza psicológica, um erro a consequência necessária de uma estrutura social inadequada etc. Somente à luz do desígnio de Deus sobre o homem compreende-se que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-lo e amar-se mutuamente.
(Parágrafos relacionados: 1848,1739)
O PECADO ORIGINAL UMA VERDADE ESSENCIAL DA FÉ
1693 388 Com o progresso da Revelação, é esclarecida também a realidade do pecado. Embora o Povo de Deus do Antigo Testamento tenha conhecido a dor da condição humana à luz da história da queda narrada no Génesis, não era capaz de entender o significado último desta história, que só se manifesta plenamente à luz da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo [a5]. É preciso conhecer a Cristo como fonte da graça para conhecer Adão como fonte do pecado. É ó Espírito – Paráclito, enviado por Cristo ressuscitado que veio estabelecer "a culpabilidade do mundo a respeito do pecado" (Job 16,8), ao revelar Aquele que é o Redentor do mundo.
(Parágrafos relacionados: 431,208,359,729)
389 A doutrina do pecado original é, por assim dizer, "o reverso” da Boa Notícia de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos graças a Cristo. A Igreja, que tem o senso de Cristo [a6], sabe perfeitamente que não se pode atentar contra a revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo.”[1].
A criança desejada pelos progenitores, chega a este mundo com esta carga de ideias que outros estão a pensar por ela, porque da história da desobediência, é suficiente a que ela própria faz ao longo da sua vida, como para carregar aliás, as desobediências da metáfora da origem bíblica do mundo. O que o texto está a dizer, é a paciência que, como o filho de Deus, Jesus, todo o ser humano deve ter com os mais pequenos. No decorrer da vida, o contrário. A racionalidade catequista é uma forma de pensamento que Freud e Klein, embora judaico-cristãos, usam para entender o nascimento do complexo de Édipo. A análise é feita dentro da sua cultura judaico-cristã, sem comparar com os factos de outras culturas, como da muçulmana, chiita, budista, etc., como Weber tinha estudado entre 1904 e 1919, ao comparar comportamentos católicos e luteranos. Teria sido uma análise de grandes vantagens para entender quem foi primeiro a querer matar o pai, em qual confissão nasce o Édipo, como a tábua que apresentei na Lição Segunda. Pelas provas clínicas e pelas observações culturais feitas em terreno, cada um de nós tem observado um duplo comportamento: esse que se explica pela lei positiva, dentro da qual está o Direito Canónico, a Catequese, a Patrística e a Teologia, mas apenas cristã. Uma outra etnografia comparativa, teria colaborado na explicação do nascimento do complexo, outras culturas das que pouco ou nada entendemos e que, em síntese, seria a luta pela emotividade e a felicidade, sendo o Édipo, numa dessas confissões, um facto de alegria permitido dentro do grupo social que aceita o Édipo, como os Chiitas, Muçulmanos, Sunitas, saduceus, que permitem relações íntimas de consanguinidade, como estão restringidos a unirem-se carnalmente entre eles. Como o sabido caso dos egípcios, faraós e povo, como Keith Hopkins, o meu colega historiador de Cambridge, soube provar. De resto, as relações íntimas entre consanguíneos são um facto sabido e punido. Contudo, acontece entre pessoas de qualquer classe: eis o motivo para as proibições e sanções, ou causas de escândalo.
Há duas verdades provadas nos derradeiros cem anos: a procura do erotismo de orgasmo, e a satisfação da fome. Ambas levam à procura do lucro e à mais-valia e, ainda que Marx, Durkheim e Mauss tenham defendido uma devolução de bens ao povo por parte dos proprietários dos meios de produção, cada um deles conseguiu viver dentro de uma mais-valia facilitada pelo seu pensamento. Nenhum deles teve de perguntar qual era a ilusão de ser pai: uma “fessée”[2] à Alice Miller, uma bofetada, uma palmada, um murro, é a resposta que satisfaz. E, digo eu, ai dos adultos que não sabem punir no minuto adequado! Mais tarde na vida, ficam sem Filhos e sem descendentes.
Acabam por ser duas as interpretações do comportamento de criança. De Etnopsicologia, pouco sabemos para entender o comportamento enraivecido ou doce de uma criança, mas devíamos entrar por ele. A ciência antropológica tem armas para entender, suficiente trabalho de campo e milhares de interpretações conforme o que pensa cada um dos profissionais. Mas, e a metodologia complementar à Devereux? Como entender as formas de viver entre uma metáfora e uma procura da realidade feliz? Ainda, como entender que parte dessa felicidade acaba por ser aceitar o sofrimento para fazer arrependimento? A meu ver, a ciência antropológica é parte do inquérito etnológico para saber o comportamento e a conduta social, a partir do entendimento da individualidade. Não digo de cada indivíduo em particular, com nome e ficha, mas sim de cada indivíduo de um grupo cultural, até entender que a masturbação foi pecado para os Romanos até 1992, que a homossexualidade, banida que esteve até finais do Século XX, é hoje um Sacramento que até permite a carreira política, ser dignitário de Igrejas, que o incesto é parte da cultura reprodutiva de etnias que conhecemos, etc. É tentar entender os textos sagrados, ler as suas diferentes versões ao longo do tempo, e observar que mudam conforme a conveniência do grande público.
A Paternidade Eterna, faz tempo acabou. A ideologia de sermos pais faleceu com a globalização, como refiro no meu texto de A Página do mês de Maio de 2004. A companhia filial, o cultivo da descendência, a consanguinidade, o comportamento de estrutura endogâmica, ou exógama, os outros conceitos de família permanente, com amantes ou sem eles, com fidelidade ou com neurose, passam a ser ideias para definir outra vez, conforme a realidade. Se as formas de definir emotividade emitida pelos primeiros clínicos, provam ainda ser verdade, significa que a Antropologia deve trazer para dentro da sua hermenêutica uma forma moderna de entender o trabalho de campo.
A criança é um pecador por dois motivos: porque deixa de amar entre os seis meses e quatro anos e enche-se de ciúmes; e porque, a criança que fica na mente e na afectividade dos progenitores, acaba por precisar de uma liberdade que retira da sua ascendência. É aí onde as tábuas que apresentei no Capítulo anterior, me fazem duvidar na minha análise: o Édipo é um comportamento muito mais aberto que o que no começo Freud e Charcot definiram, mas a vida de Jesus é um ponto comparativo de pouca estima por ser resultado de História inventada no Século III da nossa era, para Constantino invadir o Ocidente através dos Evangelhos e das cartas de Pedro e Paulo de Tarso, sem contar com a escrita dos próprios Evangelhos, pelo Século II e III da nossa era, quer dizer, pela época da necessidade de Roma ser Lei e Bizâncio, Rei.
Não há ilusão de se ser pai, há a solidão de quem já fez o caminho da vida e precisa abrir uma nova alternativa para elevar a sua auto-estima e amar-se como se amou na sua infância.
De momento, vou fechando este rascunho até poder abrir as duas linhas analíticas da conduta humana: a Etnologia e a Terapia Social.
Parede, 18 de Setembro de 2004-09-17
Dia da Independência do Chile,
194 Anos de Soberania do Reino da Espanha.
Reeditado em 18 de Maio de 2011
[1] Mesmo texto, páginas 97 e 98
[2] Miller, Alice, 1996: Breaking down the wall of silence, Virago, Barcelona. Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=+Alice+Miller+Breaking+down+the+wall+of+silence&btnG=Pesquisar&meta=
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