enviado e introdução por Julio Marques Mota
Uma cavalgada “Wagneriana” para o abismo
Introdução
É a primeira vez que apresentamos um texto de Satyajit Das no Estrolabio. Grande especialista em produtos derivados, autor de diversas obras no campo dos mercados financeiros, apresenta-nos aqui o que nos parece ser uma extraordinária desmontagem do que foi o neoliberalismo na Europa ao longo das últimas décadas: uma Europa que não só perdeu muitas das suas indústrias, que exangue é incapaz de criar postos de trabalho para os seus cidadãos, uma Europa das civilizações que agora as ignora, uma Europa das culturas que deixa agora as Universidades em ruínas, uma Europa que a reboque do que aumenta foi vive agora obcecada pelas políticas de austeridade em tempo de crise, assente numa profunda crise política a gerar uma não menos profunda describilidade no sistema democrático quando governo a governo, todos eles, negam hoje o que afirmaram ontem, afirmam como programa de amanhã o contrário daquele com que se apresentam ao eleitorado ontem, uma Europa sem nenhum dirigente à altura da grave crise que se atravessa, uma Europa prisioneira dos mercados de capitais, uma Europa que incapaz de regular os CDS, mesmo depois da crise, vive agora assustada com o que eles podem financeiramente representar, uma Europa que da indústria fez um deserto em nome da concorrência com quem a não respeita, uma Europa cravada de dívidas onde se pode perguntar se desta forma é por incompetência ou por maldade dos nossos políticos a cavalgada para o abismo a que estamos a assistir.
E com isso ninguém está preso, ninguém irá preso. São os mercados, dir-se-á. Dessa cavalgada para o abismo, é dela que nos fala o presente texto.
Coimbra, 27 de Junho de 2011.
Júlio Marques Mota
CV de Satyajit Das
Satyajit Das é um especialista internacional na área de produtos derivados e na gestão de risco. Tem sido consultor de grandes empresas e instituições na Europa, América do Norte, Ásia e Austrália. Trabalhou com o Commonwealth Bank of Australia, Citicorp Investment Bank and Merrill
Lynch Capital Markets Australia. É autor, entre outras, das seguintes obras:
Traders, Guns & Money: Knowns and Unknowns in the Dazzling World of Derivatives (2006);
Extreme Money: The Masters of the Universe and the Cult of Risk (data prevista de edição, Agosto de 2011.)
Uma cavalgada "Wagneriana" para a situação de incumprimento na Europa
Satyajit Das
No livro A importância de se chamar Ernesto de Oscar Wilde, Lady Bracknell numa memorável observação diz que: "perder um dos pais... pode ser considerado como uma infelicidade, mas que perder os dois pode ser tomado como uma falta de cuidado". A zona euro tem necessidade de resgatar três dos seus membros (Grécia, Irlanda e Portugal) com outros três (Espanha, Bélgica e Itália) cada vez mais a serem vistos com diferentes possibilidades de serem atacados devido a uma incompetência institucionalizada.
Em pouco mais de um ano desde o anúncio dos problemas da dívida da Grécia, a crise da dívida Europeia tem subido e descido com os mercados oscilando entre a euforia (a resolução da crise) e o desespero (incumprimento ou reestruturação). Na União Europeia ("UE") "o aumento da confiança", a curto prazo, os programas de "reforço de liquidez", infelizmente, não conseguiram resolver os profundos problemas estruturais.
A preocupação mais recente sobre os países periféricos foi desencadeada pelos problemas da Grécia. Tendo falhado repetidamente em cumprir as metas económicas prescritas pela União Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a Grécia tem necessidades de financiamento adicionais ou de um resgate urgente para honrar os seus compromissos financeiros. Uma preocupação imediata surgiu quando se colocou a sugestão de reter a parcela adicional de 12 mil milhões de euros, o que tornaria impossível que a Grécia possa cumprir os seus compromissos e pagar aos credores uma emissão de obrigação com vencimento em meados de Julho.
O debate tem várias dimensões entre si separadas e até entre si contraditórias. A primeira delas é se a Grécia pode ou não desencadear as acções necessárias para reabilitar a sua economia e as suas finanças a um custo tremendo para a sua população. Uma questão que com esta está relacionada é saber se o plano de políticas imposto, implicando novos acréscimos nas políticas de austeridade, vai realmente ser alcançado e se vai ter sucesso. A segunda é saber se os bancos comerciais, que ajudaram a criar e a dinamizar a situação da estonteante dívida da Grécia, aceitariam alguns prejuízos ficando com uma parte dos respectivos custos de recuperação e saneamento das finanças da Grécia. E por fim, saber qual é o custo de um qualquer incumprimento ou de uma grande reestruturação para a Grécia e para a zona euro. Sobre estas duas últimas questões há divisões entre a Alemanha (os investidores devem assumir a sua quota de perdas) e a França e o BCE em conjunto pois estes defendem que os credores devem ser poupados para evitar um Armageddon financeiro. Estas mesmas questões são relevantes para todos os outros Estados membros da zona euro que estão em situação profundamente complicada.
Enquanto uma crise imediata pode ainda ser evitada, o terreno está agora pronto para uma lenta cavalgada wagneriana, para uma futura reestruturação da dívida de alguns desses países periféricos e para uma crise bancária europeia. As taxas de juro na Grécia atingem cerca de 18% (para maturidades a 10 anos) e cerca de 30% (2 anos), as taxas de juro para os irlandeses e para os portugueses atingem mais de 12-13% (2 anos) e cerca de 10% (para 10 anos), ou seja, estas taxas atestam bem essa trajectória. Os mercados assumem a probabilidade de uma declaração de incumprimento em cerca de 80%. A probabilidade de uma situação de incumprimento na Irlanda e em Portugal é de cerca de 40-50%.
Executado com a criatividade do Norte da Europa, com o charme, a flexibilidade, a humildade e a organização das gentes do Mediterrâneo, com o cuidado e vontade dos dirigentes para o trabalho duro, o plano de resgate europeu - "o grande compact" - está claramente a falhar.
Medicina errada
A resposta da UE baseou-se em dois mecanismos - a prática do BCE e a existência do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira ("FEEF").
O BCE tem financiado os países que têm estado a ser penalizados através da compra dos seus títulos no mercado secundário (cerca de 75 mil milhões de euros) e também tem estado a financiar os bancos, contra garantias bancárias de qualidade cada vez mais duvidosa, como os títulos do governo grego. Há afirmações de que o BCE e outros bancos centrais europeus também têm estado a utilizar o sistema de pagamentos da zona euro para emprestar dinheiro (cerca de 300 mil milhões de euros) aos Estados membros atingidos pela crise. Tudo isso enquanto o BCE tem sido publicamente alvo de críticas pela parte dos bancos, que estão "viciados" que substancialmente estão dependentes do financiamento do BCE.
O FEEF é "temporário" e deve terminar em 2013. Este claramente revelou-se mal projectado. Em vez do total atingir 440 mil milhões de euros, o fundo tem apenas capacidade de emprestar cerca 250 mil milhões de euros, devido a falhas estruturais. O FEEF está agora a ser substituído pelo "permanente" Mecanismo Europeu de Estabilidade ("MEE") que terá a capacidade de empréstimo de 500 mil milhões de Euros, o nível inicialmente proposto.
A capacidade do MEE de 500 mil milhões também tem profundas falhas estruturais. Este baseia-se num mecanismo semelhante ao FEEF original para alcançar o seu rating AAA - um sistema de garantias separadas e um dado valor em capital, cash. Este valor de 500 mil milhões de euros é, teoricamente, apoiado por 80 mil milhões de euros em caixa e 620 mil milhões em garantias dos membros da zona Euro. Os 80 mil milhões de euros só serão fornecidos pelo período de 5 anos a partir de 2013. Em parte, isso foi uma concessão aos países membros, incluindo a Alemanha, que estavam relutantes no plano politico para fornecerem o dinheiro, excepto o crédito. Esta é uma provisão para a possibilidade de ser necessário acelerar os pagamentos para o fundo, se necessário, por exemplo, pela necessidade de resgates adicionais. O mecanismo também permite que os países membros entrem com dinheiro para apoiar o MEE quando o seu rating de crédito cai abaixo de um limite especificado que pode reduzir o seu próprio rating, o do MEE.
Como com o FEEF, a interdependência e a confiança dos Estados-membros da zona em se garantirem uns aos outros é problemática. Alguns dos fiadores são eles próprios tão vulneráveis com o passivo real e contingente em questão. Por exemplo, por cada 100 mil milhões de euros fornecidos pelo MEE, o passivo potencial da Itália aumenta em 18 mil milhões de euros, o que é equivalente a 1% do PIB do país, e a responsabilidade potencial da Alemanha de 27 mil milhões de euros, o que é também equivalente a 1% do PIB alemão.
O recurso ao Mecanismo pode resultar numa espiral de baixas de notação de risco de crédito e exige a entrada de mais dinheiro. Para os garantes mais fracos, a sua posição financeira pode ficar comprometida, potencialmente incentivando-os a retirarem-se mesmo do MEE. Para os membros mais fortes, isto gera uma maior pressão quanto ao seu apoio, pois isto pode enfraquecer o seu rating de crédito e as suas finanças.
A posição é ainda agravada pelo facto de que os países não membros da zona euro, os países da União Europeia que não são membros da zona euro, podem não fazer parte da nova estrutura. O Reino Unido indicou que não fará parte do MEE, privando os membros da Zona Euro de uma fonte significativa de financiamento e de apoio (cerca de 14% do FEEF).
O MEE perpetua os problemas existentes e introduz mais alguns. O acesso ao financiamento do MEE exige o acordo unânime entre os membros da zona Euro. O MEE pode fornecer empréstimos apenas quando o país que os recebe concorde em aceitar as condições impostas pela UE / FMI quanto à reforma das finanças públicas e da economia. O Mecanismo permite que se possa emprestar ao país atingido ou que se comprem os seus títulos no mercado primário, mas não no mercado secundário.
Ao contrário do FEEF, o financiamento pelo MEE seria sénior para a dívida pública existente (uma característica habitual nos resgates do FMI e do financiamento em situação de falência, o que foi surpreendente excluído na condição de resgate inicial). O Mecanismo Europeu de Estabilidade estipula que a reestruturação é uma exigência que não se pode considerar e que é própria de um governo que pretende ser considerado como "insolvente". Além disso, a partir de 2013, todos os títulos de dívida pública a serem posteriormente emitidos dentro da zona Euro terão de incluir cláusulas de acção colectiva ("CACs"), estabelecidas para tornar obrigatória a reestruturação da dívida pública sob certas condições.
Se as pressões de financiamento das economias actuais em crise continuarem, então os mecanismos de apoio existentes pode ser inadequados. Os países, que já pediram apoio, podem precisar de procurar apoio adicional se as fontes de financiamento comercial lhes permanecem vedadas. As dívidas a vencerem-se e os défices orçamentais projectados para a Grécia, Irlanda e Portugal vai exigir cerca de 300 mil milhões de euros em novos financiamentos entre 2011 e 2013. Se a Espanha precisar de recorrer ao mecanismo de financiamento da UE, em seguida, a capacidade de fornecer fundos adicionais seria severamente complicada.
Na realidade, um mecanismo de apoio da UE com um valor na ordem de 1,5-2,0 milhões de milhões de Euro seria o valor necessário para assegurar uma capacidade credível para socorrer as economias em apuros. Alguns ministros das Finanças europeus já apelaram a um aumento do MEE na ordem de 1,5 milhões de milhões de euros. Os acordos existentes representam menos 3 a 4 vezes, e assim o apoio político para a viabilidade económica de um Mecanismo assente nestes valores é fortemente improvável.
Ao mesmo tempo, os termos do MEE, especialmente a subordinação dos credores existentes para o financiamento de resgate e as clausulas colectivas obrigatórias farão com que cada vez mais e com mais força os credores e investidores evitem o financiamento dos países vulneráveis. Com efeito, isso irá levar a que as economias periféricas se tornem cada vez mais dependentes do apoio da UE, desencadeando a espiral negativa acima descrita.
Deixando a pele no jogo
Os resgates da UE têm procurado sempre e em primeiro lugar proteger os bancos europeus contra os efeitos de uma situação de incumprimento pelos mutuários, como a Grécia, a Irlanda e Portugal.
No total, os bancos da Alemanha, França e Reino Unido têm exposições de mais de 500 mil milhões de Euros só sobre estes três países. Se a exposição à Espanha for incluída, o total aumenta para cerca de mil milhões de Euros. A posição é complicada pela complexa rede de empréstimos cruzados. Por exemplo, os bancos em Espanha, que podem necessitar de apoio, têm uma exposição de 70 mil milhões de euros só para com Portugal e uma exposição de 13 mil milhões de euros para com a Irlanda.
O que foi determinante para os problemas da dívida Europeia foi o boom de crédito que ocorreu depois da introdução do Euro. Antes da união monetária em 1999, as taxas de juros cobradas em empréstimos para países individualmente reflectia melhor o risco de perda - de movimentos cambiais e da capacidade de reembolso da dívida. A introdução do Euro eliminou o risco cambial. Surpreendentemente, os spreads de crédito caíram drasticamente, reflectindo uma falta de diferenciação entre a qualidade de crédito das nações individuais.
A sub-avaliação do risco foi impulsionada pela crença de que toda a zona euro era avaliada em AAA por causa do apoio "implícito" da Alemanha. Um factor adicional foi o facto de que com os acordos de Basileia 1 e, em menor medida no âmbito de Basileia 2, os regulamentos bancários levaram a que os empréstimos a nações soberanas tinham um tratamento favorável quanto a reservas de capital. A combinação desses factores levou a largos empréstimos para os países periféricos e os seus bancos dinamizaram assim um boom de crédito de grande porte que se está agora a manifestar.
Uma grande parte dessa dívida - sob a forma de dívida soberana, de empréstimos aos bancos e de títulos estruturados com base em hipotecas e empréstimos e às grandes empresas - foi realizada através de bancos menores em França e na Alemanha. Se a Grécia, a Irlanda, Portugal e (finalmente) a Espanha tiverem que reestruturar a sua dívida, então esses bancos sofrerão perdas significativas.
Não está claro se os bancos, especialmente na Alemanha e em França, têm capital e reservas suficientes, para suportar estas perdas. Os relatórios bianuais do FMI sobre a estabilidade financeira têm defendido que os bancos da zona do Euro não têm reconhecido adequadamente as suas perdas.
Os desajustados testes de stress feitos em 2010 conduzidos pelos bancos centrais europeus e pelo BCE não entraram em linha de conta com a perspectiva de um incumprimento soberano na determinação da solvência bancária. Há sugestões de que a posição subjacente de alguns bancos europeus, especialmente Landesbanken alemães, seja altamente problemática.
O incumprimento ou reestruturação de dívida europeia, com toda a probabilidade, irá requerer o envolvimento do Estado na recapitalização dessas instituições. Em suma, vai-se deslocar a atenção do resgate de nações soberanas para os resgates dos bancos nacionais afectados e estes a estarem então afectados pela crise das dívidas soberanas.
Atacar o financiamento do BCE
A situação de incumprimento ou de reestruturação também afectaria o BCE que detém, só ele, cerca de 50 mil milhões de euros da dívida grega. A exposição total de risco do BCE face à Grécia, incluindo empréstimos a bancos gregos e empréstimos contra títulos do governo grego, é muito maior - cerca de 130 a 140 mil milhões de euros.
Se a Grécia entra em incumprimento, imediatamente a seguir o BCE poderia sofrer perdas tão elevadas como cerca de 65 a 70 mil milhões (digamos 50% do montante adiantado). As perdas quase que certamente requereriam a recapitalização do próprio BCE por membros da zona Euro. Em 1 de Janeiro de 2011, o BCE tinha um capital de 5,2 mil milhões de euros (que deverá ser progressivamente aumentado para 10,8 mil milhões de euros).
O BCE é propriedade de 17 bancos centrais da zona do euro com o capital combinado de cerca de 80 mil milhões.
A posição do BCE sobre se aos países periféricos como a Grécia lhes deve ser permitido uma declaração de incumprimento parece ser cada vez mais complicada dada a vulnerabilidade da sua própria posição financeira. Quando Lorenzo Bini Smaghi, um membro do conselho italiano, afirmou que uma reestruturação da dívida grega seria um "suicídio", ele poderia estar a referir-se ao BCE. As declarações acerca dos "interesses adquiridos" dos anglo-saxónicos à procura de forçarem uma reestruturação da dívida grega são agora acompanhadas pelos "interesses próprios" do BCE em evitar essa mesma reestruturação.
Grandes Confusões
A estratégia profundamente falhada da Europa implicou a concessão de financiamento para responder às dívidas que se estavam a vencer e aos défices orçamentais num momento em que os mercados não estavam disponíveis para a tomada de fundos por estes países em dificuldade, ou, pelo menos, disponíveis a preços razoáveis. O financiamento pela Troika UE/BCE/FMI reduziria os custos dos empréstimos para aliviar a pressão sobre as finanças públicas desses Estados. As medidas "temporárias" dariam ao país a oportunidade de reformar as finanças públicas e a economia de modo a tornar a sua dívida mais manejável. Com o tempo, as medidas permitiriam que o mutuário reconquistasse a confiança dos credores comerciais e recuperasse o acesso aos mercados. Como corolário, os bancos seriam capazes de acumular reservas e capital contra a possibilidade de alguma modesta depreciação (redução, corte) da dívida como resultado de uma ou outra reestruturação "menor" da dívida, no caso improvável de que assim fosse necessário.
Infelizmente, a premissa de que era um problema de "liquidez" ao invés de ser um problema de "solvência" estava incorrecto. Na realidade, os mercados compreenderam que os resgates da EU foram apenas um passe para “sair-da-prisão” devido às suas pobres (ou fracas) decisões de empréstimo. Não havia nenhuma maneira para que qualquer dessas nações alguma vez fosse capaz de honrar o seu serviço da dívida ou de reembolsar os níveis actuais e projectados de empréstimo necessário.
O Mecanismo da UE forneceu um meio para as nações em dificuldades poderem pagar a dívida a vencer-se e de financiarem os seus défices. Com efeito, a UE e os organismos oficiais têm-se substituído aos credores comerciais, como tomadores da dívida.
O plano de resgate não reduziu os custos em juros para a nação resgatada nem facilitou o seu acesso aos mercados. As taxas de juro dos empréstimos para a Grécia e para a Irlanda são maiores agora do que no momento dos seus respectivos resgates. Apesar de a possibilidade de apoio da UE, o custo para Portugal na sua obtenção de fundos é insustentavelmente alto. A Espanha e outros países, tais como a Itália e a Bélgica, são já vistos como vulneráveis pelos investidores e estes países viram assim os seus custos de obtenção de subirem inexoravelmente.
Os resgates fizeram o que seria menos provável, não o que seria mais provável, ou seja, não fizeram com que estes países venham a recuperar o acesso aos mercados num futuro próximo. Com a dívida existente a vencer-se, o financiamento fornecido pelas fontes oficiais, a União Europeia, o BCE e o FMI, aumentou fortemente à medida que estes países vão precisando de financiamento adicional, a ausência de financiamento privado irá aumentar ainda mais aquela proporção, deixando-os, à Troika, a suportar a maior parte das perdas de qualquer reestruturação que se venha a dar.
A falta de confiança reflecte o fracasso dos planos de reabilitação e o continuado nível de insustentabilidade do endividamento desses países. A falta de crescimento económico e a deterioração das finanças públicas não é provável que seja colocada em breve numa trajectória inversa da que até agora tem sido imposta.
Mesmo nos cenários mais optimistas, a dívida pública bruta nas economias mais problemáticos continuará a aumentar à medida que os défices orçamentais continuarem a exigir financiamento. A dívida da Grécia em relação ao PIB tende a estabilizar em torno de 160-180% por volta de 2014/2015. A dívida da Irlanda, Portugal e da Espanha em relação ao PIB chegará a 125-140%, a 100-115% e a 85-100%, respectivamente e para o mesmo período. A Itália e a Bélgica têm já dívidas relativamente ao PIB acima dos 100%, mas os défices orçamentais são mais baixos e são menos dependentes dos investidores estrangeiros. A Itália, sobrecarregada com níveis muito altos de dívida e de baixo crescimento, foi recentemente colocada em observação "negativa" pelas agências de rating.
Mesmo com taxas de juros subsidiadas, o peso da dívida para a Grécia, Irlanda e Portugal parece insustentável, a tornar estes países insolventes. A posição da Espanha é melhor, mas os problemas no sector bancário do país com a desaceleração do boom imobiliário afectarão as suas finanças de forma significativa. Um crescimento mais lento do que o crescimento global previsto colocaria uma pressão ainda maior em todos esses países.
Estas preocupações sobre a solvência irão conduzir à falta de acesso ao financiamento privado, especialmente depois de 2013, devido à cláusula de subordinação e à inclusão obrigatória de CACs. O fracasso do grande compact vai aumentar a pressão para finalmente se reestruturar a dívida de alguma forma e em algum momento.
A continuação no erro
No curto prazo, os membros da UE e da zona Euro tendem a persistir com a estratégia que falhou. O pacote de resgate para Portugal será financiado pela UE, FEEF, e pelo FMI. À medida que novas e adicionais necessidades de financiamento surgirem será procurada solução dos mecanismos existentes, tanto quanto possível, até que estes estejam esgotados. O BCE continuará a apoiar os planos de resgate. A insistência alemã sobre a partilha de alguns dos encargos para os credores privados vacilou. Em vez disso está na mesa das discussões uma ideia difusa de um compromisso "voluntário" dos credores existentes para refinanciarem a dívida existente agora a vencer-se.
Ao longo do tempo, o fracasso evidente da estratégia de resgate será progressivamente clarificado e evidenciado. As pressões surgirão para melhorar a vigência do pacote de resgate.
Para já, a Grécia recebeu reduções nas taxas de juros sobre o financiamento de resgate e algum prolongamento nos seus termos do financiamento.
A necessidade de proporcionar financiamento adicional para a Grécia em torno de 120 mil milhões de euros já está em discussão. Com toda a probabilidade, será conseguido algum acordo quanto ao fornecimento de fundos, contra a promessa grega que não pode e não será cumprido. Haverá mais e mais do mesmo, num esforço desesperado para evitar a declaração de incumprimento ou de reestruturação da dívida.
No fim, incumprimento ou reestruturação, uma coisa ou outra vai-se tornar inevitável. Inicialmente, pequenas mudanças, como a redução de taxas de juro e ampliação dos prazos de vencimento, talvez como parte de swaps de dívida, pensar-se-á que irá gerir o problema. Em última análise, uma grande reestruturação, a envolver uma enorme depreciação do valor da dívida será então o mais provável. Este é o caso para a Grécia e talvez também para os outros países periféricos.
Esta situação de incumprimentos seria a primeira de um dos países desenvolvidos desde 1948. Como a maioria da dívida é emitida sob a lei local, uma rápida reestruturação é viável pelo acordo de uma maioria simples ou maioria super (digamos 2/3 dos seus credores).
Baseados na história, é esperada uma perda de cerca de 30 a 70% do valor facial das obrigações. Quanto mais longo o tempo que se leva no processo, maiores serão provavelmente as perdas dos detentores das obrigações. A razão é que a menos que o peso da dívida seja inicialmente reduzido, irão continuar os altos custos de manutenção e os défices continuarão a aumentar o nível de amortização necessário para restaurar a situação de solvência.
Uma questão de classe política
A decisão europeia faz lembrar cada vez mais os ecos do lamento do Richard II da peça de Shakespeare: “Desperdicei o meu tempo, agora é o tempo que me desperdiça a mim.” À UE e aos principais membros da zona Euro, nomeadamente a Alemanha e França, falta a coragem política ou a vontade de resolver o problema. A ausência de uma "fácil" ou "indolor" solução significa que os políticos de carreira e os Eurocratas não vêem nenhuma vantagem em defender o processo complexo e talvez confuso ou até caótico de uma situação de incumprimento ou de reestruturação.
Os dirigentes europeus disfarçam que a crise da dívida foi o resultado dos traders e dos mercados financeiros. Anders Borg, ministro das finanças da Suécia disse que "o comportamento dos mercados é como o dos lobos". José Luis Rodríguez Zapatero, o primeiro-ministro de Espanha, culpou "os cínicos hedge funds", "o comportamento arrogante das agências de crédito" e o "capitalismo neo-conservador". O primeiroministro grego George Papandreou acusou os traders de um comportamento de "terror psicológico" no seu país. Michel Barnier, o comissário europeu para o mercado único, acusou as instituições financeiras de quererem "ganhar dinheiro à custa da infelicidade do povo". Zapatero também culpou a imprensa anglo-saxónica de jogo duplo. Em suma e ao que parece mais ninguém, excepto os europeus, é os culpados. A dissonância cognitiva aumenta fortemente.
Cada vez mais, a trajectória da crise é motivada por considerações políticas. O desenlace da crise da dívida na Europa, provavelmente ainda um pouco longe, virá pela via da "rua" ou das urnas.
Nas nações em dificuldade, os protestos e as manifestações públicas estão a aumentar com a população a recusar aceitar ainda mais austeridade. Políticos populistas, mostram-se dispostos a rejeitar a necessidade de maiores "sacrifícios" e a repudiar a dívida do país, como se estejam nas nuvens. O argumento de que o país será um "pária financeiro" internacional já não funciona quando se está já na situação em que ninguém lhe empresta dinheiro tão depressa. E isto também tem menos peso quando já não se tem um emprego e quando se sabe que o país está à beira da ruptura social.
Para os países que devem fornecer a maior parte do dinheiro do resgate, há a angústia de que o aumento do nível de financiamento exigido pelo problema dos mutuários tenha transformado a UE numa "união de transferência" de rendimentos. Karl Otto Pohl, o ex-chefe do Bundesbank, afirmou: "A fundação do euro mudou fundamentalmente como resultado da decisão dos governos da zona do euro se transformarem numa união de transferências, o que é uma violação de todas as regras. Nos tratados que regulam o funcionamento da União Europeia, está neles explicitamente afirmado que nenhum país é responsável pelas dívidas de qualquer outro. Mas o que estamos exactamente a fazer agora, é exactamente isso. Adicionado a isso está o facto de que, contra todos os seus princípios e contra uma proibição expressa na sua própria constituição, o Banco Central Europeu (BCE) tem-se envolvido no financiamento de Estados".
A falta de uma acção decisiva e oportuna permitiu aos partidos políticos mais pequenos ganharem impulso. Partidos como os Verdadeiros Finlandeses na Finlândia e a extrema-direita em França rejuvenesceram, e este último sob a liderança de Marine Le Pen, ganharam eleitoralmente com uma plataforma política composta por uma mistura de rejeitar os resgates, de nacionalismo, de anti-imigração e de outras formas diversas de xenofobia.
Os eleitores descontentes e irritados na Alemanha e outras nações com posição financeira excedentária também podem decidir que é tempo de acabar com o apoio infrutífero e auto-destrutivo aos Estados-membros excessivamente endividados da zona do euro.
Tendo falsamente ligado o problema dos Estados sobre-endividados aos boatos falsos sobre a sobrevivência do euro e da zona euro em simesma, a Europa está cada vez mais à deriva rumo a uma inevitável crise da dívida, desastrosa e desestabilizadora. Em vez de amputar um membro gangrenado, os dirigentes europeus correm o risco de infectar todo o corpo fatalmente - enfraquecendo as posições financeiras dos membros da zona euro mais fortes e as suas economias, que estão a pagar pelo resgate e sofrerão as suas perdas quando os incumprimentos inevitavelmente aparecerem.
O efeito de qualquer situação de incumprimento sobre os mercados monetários mais vastos e sobre a economia global é imprevisível. Dependendo do quantum das perdas e dos requisitos de recapitalização, o acontecimento poderia criar preocupações sobre os seus efeitos sobre os bancos da zona Euro, proporcionando pois um canal de contágio no mercado financeiro. Isso poderia desestabilizar os mercados, transmitindo-lhes o choque através de um alto custo e da menor disponibilidade de financiamento, de forma semelhante ao que aconteceu depois da declaração de falência da Lehman Brothers em 2008.
Satyajit Das, A "Wagnerian" Drift to Default, 26 de Junho de 2011
Satyajit Das é autor de Extreme Money: The Masters of the Universe and the Cult of Risk (que deverá ser publicado em Agosto de 2011).
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