Quarta-feira, 29 de Junho de 2011

Alavanquemos! – por Fernando Pereira Marques

  

 

 

 

 

 

Em primeiro lugar, e como introdução ao tema, gostaria, não propriamente de responder,  mas  de tecer algumas considerações sobre as reacções suscitadas pelo comentário que fiz no “Estrolabio”  na noite eleitoral, tentando cumprir o horário que me foi pedido e, por isso, antes de haver números definitivos. Mas este último aspecto é irrelevante, pois, no essencial, mantenho o que escrevi.

 

Numa conjuntura como a actual, com o desgaste sofrido pelo Governo e pelo primeiro-ministro, que o PSD só tenha conseguido nos últimos dias de campanha descolar da situação de empate técnico existente durante semanas, ilustra o que atrás afirmo sobre a alternativa. E quanto aos resultados propriamente ditos, como diria La Palice, é evidente que o PS perdeu porque o PSD teve mais votos, mas contrariamente ao que li nalguma imprensa, e como aliás então referi,  não foi a maior derrota depois da de 1985.

 

Mas deixando estas minudências de lado, o que de facto interessa retirar é que, utilizando a conceptualização do tal paradigma de Michigan, se assistiu a uma continuidade do sistema  que se caracteriza pela alternância entre dois grandes partidos. Deste modo, quer se queira quer não,  o PS continua a ser um deles, nenhum outro – contrariamente ao que se passou em 1985 com o PRD – lhe disputou tal lugar, donde ser importante o que no seu seio irá acontecer neste novo ciclo entretanto aberto. Sem ele não há alternativa institucional à coligação de direita que agora nos governa, não há perspectivas de travar o desmantelamento do que nos planos político, social e económico ainda resta das conquistas mais significativas do pós-25 de Abril. E em relação a isto, bem tento, como dizia Schopenhauer – e posteriormente  Gramsci -, encarar os factos com o pessimismo da razão, e o optimismo da vontade.

 

Como quer que seja, abstraindo de quem vai ocupar o cargo de secretário-geral – e claro que não é indiferente ser Assis ou Seguro – o PS está comprometido com o programa imposto pelos controleiros europeus e mundiais da finança, e por muito que se queira redimir de ter ajudado a conduzir o país para este impasse, isso condiciona-o e limita-o. Por outro lado, tanto no plano global como europeu, os governos estão sujeitos à chantagem do banditismo financeiro, com os seus homens de mão chamados “agências de rating”.  Consequentemente,  as mudanças que é necessário ocorram dentro do PS, estão dependentes de dinâmicas mais gerais, a nível europeu e não só. Num sentido conducente ao reforço da ditadura dos mercados e da finança, ou num sentido contrário, através da mobilização dos povos – incluindo o nosso -, e da reorganização estratégica da esquerda e dos movimentos sociais, tradicionais ou de tipo novo. As democracias precisam não de um “choque liberal” – como dizia, falando de Portugal, aquela figura  que a governação tornou pesada, circunspecta e direitista, do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amaro – mas de um “choque social”. Ou seja, se não surgirem novos actores sociais e políticos, ou se os que à esquerda ocupam a cena política não conseguirem repor no cerne da sua acção os valores da solidariedade, da liberdade, da igualdade, da democracia, dos Direitos do Homem, da ética republicana, da laicidade, etc., etc. – tudo aquilo por que se têm batido, no decurso de séculos, gerações e gerações de homens e mulheres -, o que nos aguarda são  formas, mais ou menos tecnológicas e comunicacionais, de novos autoritarismos, materializados, de modo mais ou menos soft, em reais e concretos big brothers. Isto é, os verdadeiros detentores do poder que continuarão a dominar com cinismo, a incentivar a ganância, a destruir os elos comunitários, argumentando na “novlíngua” da inversão de valores que enaltece os chamados winners que vivem esmagando os losers, quer dizer, os mais pobres, os mais fracos, os mais desprotegidos.

 

Radical e exagerado o que digo? Como dizia o velho Marx, se ser radical é procurar ir à raiz das coisas, confesso que sou radical. E confesso também que se tivesse menos quarenta anos estaria  a ocupar uma praça qualquer de Lisboa ou de outra capital europeia. Mas a indignação não constitui um programa político e é volátil se não se transformar em força organizada.

 

A natureza do projecto político do Governo, que ainda se está instalar, começa a precisar-se, se dúvidas houvesse: ser ainda mais “troikiano” do que o diktat da chamada “troika” e, como grande desígnio  nacional no plano económico – como confessou aquele sorridente ministro da Economia acabado de aterrar do Canadá – transformar o país numa Florida europeia, um destino de sonho para estrangeiros reformados com poder de compra… Ora há que recusar este projecto que nos quer converter em prestadores de serviços aos europeus mais abonados, e que contrariar o actual primeiro-ministro, decerto bom rapaz, um pouco populista até – aquela de viajar em classe turística faz-me lembrar o Teófilo Braga a ir para Belém de eléctrico -,  quando afirmou, algures, que deverão ser os bancos e os “mercados” a “alavancar” o crescimento. Os povos não se alimentam com a  especulação  que só aproveita aos especuladores, e é premente reconstruir o nosso tecido produtivo nos vários sectores, pois é com força de trabalho, vontade e inteligência que se faz “a  riqueza das nações”. Por isso “alavanquemos” todos para recuperar a nossa dignidade de cidadãos. É disso que se trata.

 

 

publicado por Carlos Loures às 15:00

editado por João Machado em 28/06/2011 às 23:58
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3 comentários:
De Inês Aguiar a 29 de Junho de 2011
Tudo o que eu gostaria de dizer, está aqui nesta crónica assim como a minha vontade alavancar e semear a revolta.
Obrigada e bjo ao Carlos L.
De Augusta Clara a 29 de Junho de 2011
A frase chave (refiro antes a do Gramsci do que a do Shopenauer , todos sabem porquê) é mesmo essa: "encarar os factos com o pessimismo da razão e o optimismo da vontade". A mim, também, me apetecia era ir para a rua, Fernando, com esses tais anos a menos. Mas creio que os jovens de agora estão a acordar. E não nos faz mal nenhum darmos-lhes um empurrãozinho.
De António Gomes Marques a 29 de Junho de 2011
Meu Caro Fernando
Inteiramente de acordo contigo, como se pode verificar pelo que tenho escrito no blogue, nomeadamente em alguns comentários, embora com menos brilhantismo.
O cerne da questão está em frases tuas:
«Mas a indignação não constitui um programa político e é volátil se não se transformar em força organizada»,
o que só se conseguirá com«a mobilização dos povos», no nosso caso dos povos europeus no mínimo.
Quanto ao PS também estou de acordo contigo em que
«as mudanças que é necessário ocorram dentro do PS, estão dependentes de dinâmicas mais gerais, a nível europeu e não só.» O partido de que continuamos militantes tem de ser refundado, eu disse-o antes de Mário Soares e estou convencido de que só as nossas palavras são coincidentes, pois essa refundação não será possível se aquele tão falado aparelho, com Almeida Santos, António Vitorino, Lelo, Raposo, etc., etc. continuar em funções e, pelos acompanhantes dos dois candidatos, sinto que não serão eles a provocar tal refundação.

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