Boaventura de Sousa Santos Um Discurso Sobre as Ciências 9
(Continuação)
A título de exemplo, menciono as investigações do físico-químico llya Prigogine. A teoria das struturas dissipativas e o princípio da “ordem através de flutuações” estabelecem que em sistemas abertos, ou seja, em sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução explica-se por flutuações de energia que em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis,desencadeiam espontaneamente reacções que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado macroscópico. Esta transformação irreversível e termodinâmica é o resultado da interacção de processos microscópicos segundo uma lógica de auto-organização numa situação de não-equilíbrio. A situação de bifurcação, ou seja, o ponto crítico em que a mínima flutuação de energia pode conduzir a um novo estado, representa a potencialidade do sistema em ser atraído para um novo estado de menor entropia. Deste modo a irreversibilidade nos sistermas abertos significa que estes são produto da sua história (28).
A importância desta teoria está na nova concepção da matéria e da natureza que propõe, uma concepção dificilmente compaginável com a que herdámos da física clássica. Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente. A teoria de Prigogine recupera inclusivamente conceitos aristotélicos tais como, os conceitos de potencialidade e virtualidade que a revolução científica do século XVI parecia ter atirado definitivamente para o lixo da história.
Mas a importância maior desta teoria está em que ela não é um fenómeno isolado. Faz parte de um movimento convergente, pujante sobretudo a partir da última década, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais, um movimento de vocação transdisciplinar que Jantsch designa por paradigma da auto-organização e que tem aflorações, entre outras, na teoria de Prigogine, na sinergética do Haken (29), no conceito de hiperciclo e na teoria da origem da vida de Eigen(30), no conceito de autopoiesis do Maturana e Varela (31), na teoria das catástrofes de Thom (32), na teoria da evolução de Jantsch (33), na teoria da “ordem implicada” de David Bohm (34) ou na teoria da matriz-S de Geoffrey Chew e na filosofia do “bootstrap” que lhe subjaz (35).
Este movimento científico e as demais inovações teóricas que atrás defini como outras tantas condições teóricas da crise do paradigma dominante têm vindo a propiciar uma profunda reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico, uma reflexão de tal modo rica e diversificada que, melhor do que qualquer outra circunstância, caracteriza exemplarmente a situação intelectual do tempo presente. Esta reflexão apresenta duas facetas sociológicas importantes. Em primeiro lugar, a reflexão é levada acabo predominantemente pelos próprios cientistas, por cientistas que adquiriram uma competência e um interesse filosóficos para problematizar a sua prática científica. Não é arriscado dizer que nunca houve tantos cientistas-filósofos como actualmente, e isso não se deve a uma evolução arbitrária do interesse intelectual. Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, chegámos a finais do século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento do conhecimento das coisas, isto é, com o conhecimento de nós próprios. A segunda faceta desta reflexão é que ela abrange questões que antes eram deixadas aos sociólogos. A análise das condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes acantonada no campo separado e estanque da sociologia da ciência, passou a ocupar papel de relevo na reflexão epistemológica.
28 I. Prigogine e I. Stengers, La Nouvelle Alliance. Metamorphose de la Science. Paris, Gallimard, 1979; I. Prigogine, From Being to Becoming. S. Francisco, Freeman, 1980; I. Prigogine, “Time, Irreversibility and Randomness”, in E. Jantsch (org.), The Evolutionary Vision. Boulder, Westview Press, 1981, pp. 73 e ss.
29 H. Haken, Synergetics: An Introduction. Heidelberg, Springer 1977; H. Haken, “Synergetics An Interdisciplinary Approach to Phenomena of Self-Organization”, Geoforum, 16 (1985), 205.
30 M. Eigen e P. Schuster, The Hypercycle: a Principle of Natural Self-Organization. Heidelberg, Springer, 1979.
31 H. R. Maturana e F. Varela, De Maquinas y Seres Vivos. Santiago do Chile, Editorial Universitária, 1973; H. R. Maturana e F. Varela, Autopoetic Systems. Urbana, Biological Computer Laboratory University of Illinois, 1975. Cfr. também, F. Benseler, P. Hejl e W. Koch
(orgs.), Autopoiesis. Communication and Society. The Theory of Autopoietic Systems in the Social Sciences. Frankfurt, Campus, 1980.
32 R. Thom, ob. cit.. pp. 85 e ss.
33 E. Jantsch, The Self-Organizing Universe: Scientific and Human Implications of the Emerging Paradigm of Evolution. Oxford, Pergamon, 1980; E. Jantsch, “Unifying Principles of Evolution”, in E. Jantsch (org.), The Evolutionary Vision, cit., pp. 83 e ss.
34 D. Bohm, Wholeness and the Implicate Order. Londres, Ark Paperbacks, 1984.
35 G. Chew, “Bootstrap: a scientific idea?”, Science, 161 (1968), pp. 762 c ss; G. Chew, “Hardon bootstrap: triumph or frustration?”, Physics Today,23 (1970), pp. 23 e ss; F. Capra, “Quark physics without quarks: A review of recent developments in S-matrix theory”, American Journal of Physics, 47 (1979), pp. 11 e ss.
(Continua)
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