Boaventura de Sousa Santos Um Discurso Sobre as Ciências (7)
(Continuação)
Mais aprofundada, esta concepção, tal como tem vindo a ser elaborada, revela-se mais subsidiária do modelo de racionalidade das ciências naturais do que parece. Partilha com este modelo adistinção natureza/ser humano e tal como ele tem da natureza uma visão mecanicista a qual contrapõe, com evidência esperada, a especificidade do ser humano. A esta distinção, primordial na revolução científica do século XVI, vão-se sobrepor nos séculos seguintes outras, tal como, a distinção natureza/cultura e a distinção ser humano/animal, para no século XVIII se poder celebrar o carácter único do ser humano. A fronteira que então se estabelece entre o estudo do ser
humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências naturais, pois, se, por um lado, se recusam os condicionantes biológicos do comportamento humano, pelo outro usam-se argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano. Pode, pois, concluir-se que ambas as concepções de ciência social a que aludi pertencem ao paradigma da ciência moderna, ainda que a concepção mencionada em segundo lugar represente, dentro deste paradigma, um sinal de crise e contenha alguns dos componentes da transição para um outro paradigma científico.
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
São hoje muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica que acabo de descrever em alguns dos seus traços principais atravessa uma profunda crise. Defenderei nesta secção: primeiro, que essa crise é não só profunda como irreversível; segundo, que estamos a viver um período de revolução científica que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica e não se sabe ainda quando acabará; terceiro, que os sinais nos permitem tão-só especular acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário mas que, desde já, se pode afirmar com segurança que colapsarão as distinções básicas em que assenta o paradigma dominante e a que aludi na secçãoprecedente.
A crise do paradigma dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições. Distingo entre condições sociais e condições teóricas. Darei mais atenção às condições teóricas e por elas começo.
Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna, um rombo, aliás, mais importante do que o que Einstein foi subjectivamente capaz de admitir. Um dos pensamentos mais profundos de Einstein é o da relatividade da simultaneidade. Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronómicas. Em relação a estes últimos, o problema lógico a resolver é o seguinte: como é que o observador estabelece a ordem temporal de acontecimentos no espaço? Certamente por medições davelocidade da luz, partindo do pressuposto, que é fundamental à teoria de Einstein, que não há na natureza velocidade superior à da luz. No entanto, ao medir a velocidade numa direcção única (de A a B), Einstein defronta-se com um círculo vicioso: a fim de determinar a simultaneidade dos acontecimentos distantes é necessário conhecer a velocidade; mas para medir a velocidade é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos. Com um golpe de génio, Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão-só ser definida. É, portanto, arbitrária e daí que, como salienta Reichenbach, quando fazemos medições não pode haver contradições nos resultados uma vez que estes nos devolverão a simultaneidade que nós introduzimos por definição no sistema de medição (23). Esta teoria veio revolucionar as nossas concepções de espaço e de tempo.
23 H. Reichenbach, From Copernicus to Einstein. Nova Iorque, Dover Publications, 1970, p. 60.
(Continua)
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