Sábado, 25 de Junho de 2011

A Coquete, de Patrícia Highsmith. Tradução de Luís M. Maia Varela.

 

Patricia Highsmith (1921-1995), de seu nome verdadeiro Mary Patricia Plangman, foi uma aclamada e original escritora policial norte-americana, talvez mais apreciada fora do seu país. A adaptação do seu livro Strangers on a train por Hitchcock (em Portugal o filme foi intitulado O Desconhecido do Norte-Expresso) tornou-a famosa por todo o mundo. Mary Helen Becker, na Collier's, assinala que ela escreveu mais sobre personagens normais envolvidos nas consequências dos seus erros, do que sobre pessoas perturbadas, conseguindo assim fazer-nos sentir os seus complexos enredos mais próximos de nós. O presente conto faz parte da colectânea Little Tales of Misogyny, que saiu pela primeira vez em 1974, curiosamente em alemão. Em Portugal a obra foi publicada pela Teorema, a quem VerbArte cumprimenta, e pede compreensão por inserir esta história curta, mas representativa da obra da autora.

 

 

 

 

 

Era uma vez uma coquete que não conseguia desembaraçar-se do seu pretendente. Ele tomava a sério as suas promessas e confissões e não iria deixá-la. Até nas suas insinuações acreditava. Isto aborrecia-a, pois as coisas passavam-se como quando se travam novos conhecimentos: presentes, adulações, flores, jantares, etc.

 

Yvonne, por fim, insultou Bertrand, o pretendente, e mentiu-lhe, não lhe dando literalmente nada ─ o que era ainda menos que o nada que dava aos seus outros amigos. Mesmo assim, Bertrand não poria termo às suas deferências, dado que considerava o comportamento de Yvonne normal e feminino, um excesso de moderação. Yvonne chegou a repreendê-lo e, uma vez sem exemplo, disse a verdade. Como não estava habituado e esperava, antes, hipocrisia da parte de uma mulher atraente, tomou as suas palavras como uma evasiva e continuou a fazer-lhe a corte.

 

Yvonne tentou envenená-lo, deitando-lhe arsénico nas chávenas de chocolate, em casa, mas ele recompôs-se, encarando tal atitude como uma ainda maior e mais fascinante prova do seu medo de perder a virgindade com ele, muito embora ela a tivesse perdido aos dez anos, quando disse à mãe que tinha sido raptada. Assim, mandara ela para a prisão um homem de trinta anos. Durante duas semanas tentara seduzi-lo, dizendo-lhe que tinha quinze anos e que estava louca por ele. Dera-lhe prazer arruinar-lhe a carreira, tornar feliz e envergonhada a sua mulher e deixar na maior confusão a filha de oito anos.

 

Alguns amigos deram a Bertrand um conselho:

 

─ Andámos todos com ela, fomos com ela para a cama, talvez uma ou duas vezes. Tu nem isso tiveste. E ela não vale a pena!

 

Mas Bertrand pensava que era diferente, aos olhos de Yvonne e, embora pensasse que ela ultrapassava os limites da obstinação, via nisso uma virtude.

 

Yvonne incitou um novo pretendente a matar Bertrand. Conseguiu a sua lealdade, prometendo-lhe que casaria com ele, se eliminasse Bertrand. A este disse o mesmo, a propósito do outro. O novo pretendente desafiou Bertrand para um duelo, mas falhou o primeiro tiro, começando, então, a conversar com a sua futura vítima. (A arma de Bertrand recusara-se a disparar). Ambos descobriram que haviam recebido promessas de casamento. Entretanto, ambos lhe haviam igualmente oferecido presentes caros e lhe tinham emprestado dinheiro, nos momentos de crise dos últimos meses.

 

Estavam ressentidos, mas não lhes ocorria uma ideia para porem fim ao comportamento de Yvonne. Por isso, decidiram matá-la. O novo pretendente dirigiu-se-lhe, dizendo que matara o estúpido e persistente Bertrand. Nessa altura, este bateu à porta. Ambos fingiram lutar entre si. Na realidade, empurraram Yvonne de um para o outro e mataram-na com vários socos na cabeça.

 

Contaram que ela tentara meter-se entre eles e fora atingida acidentalmente.

 

Como o juiz da cidade tinha, ele próprio, sofrido e sido vítima da chacota popular por causa dos galanteios dela, ficou secretamente satisfeito com a sua morte, absolvendo ambos, sem qualquer problema. Era suficientemente esperto, para saber que eles não a poderiam ter matado, se não se tivessem apaixonado perdidamente por ela ─ estado que, desde que fizera sessenta anos, lhe inspirava compaixão.

 

Só a criada de Yvonne, que sempre fora bem paga e recebera gorgetas, foi ao seu funeral. Até a própria família a detestava.

publicado por João Machado às 15:00
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6 comentários:
De Luis Moreira a 25 de Junho de 2011
Olha que há mulheres assim. E, sim, não valem nada!E , também, há homens que se perdem por este tipo de mulheres. Bem, perder, perder, nem sempre...
De Augusta Clara a 25 de Junho de 2011
Ahahahhaha!
De Luis Moreira a 25 de Junho de 2011
Não te escapa nada...:-)
De Augusta Clara a 25 de Junho de 2011
Pois não. É que há mulheres que são assim e homens que são assado. E o Hitchcock , que era um homem inteligente e cheio de humor, lá saberia porque escolheu este conto para um filme.
De Luis Moreira a 25 de Junho de 2011
Por ser bom.Até aí já tinha chegado.
De João Machado a 27 de Junho de 2011
A Patricia Highsmith conseguia construir cenários muito densos a partir de situações muito simples e corriqueiras. Por vezes carregava as cores das suas histórias, para mostrar os cenários possíveis, a partir de situações simples ou de mais complexidade. Não sou um leitor intenso da obra dela, mas, pelo que sei, no âmbito do romance policial, ela foi única. O Hitchcock adaptou Strangers on train, um romance, e não um conto.

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