Sexta-feira, 17 de Junho de 2011

LIÇÕES DE ETNOPSICOLOGIA DA INFÂNCIA - XV, por Raúl Iturra

(Continuação)

 

A essência do recalcamento consiste em afastar uma determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância (1915, livro 11, p. 60 na ed. bras.). A repressão afasta da consciência um evento, ideia ou percepção potencialmente provocadores de ansiedade e impede, dessa forma, qualquer manipulação possível desse material. Entretanto, o material reprimido continua fazendo parte da psique, apesar de inconsciente, e que continua causando problemas.

 

Segundo Freud, a repressão nunca é realizada apenas uma vez e definitivamente: exige um continuado consumo de energia psíquica e neuronal, para manter o material nocivo, reprimido. Para ele os sintomas histéricos com frequência têm sua origem em alguma antiga repressão. Algumas doenças psicossomáticas, tais como asma, artrite e úlcera, também poderiam estar relacionadas com a repressão. Também é possível que o cansaço excessivo, as fobias e a impotência ou a frigidez derivem de sentimentos reprimidos[1].

 

A libido é-me mais importante de analisar, por causa da confusão que causa no saber cultural do conceito. É definido e usado no livro de Moisés e Monoteísmo, da forma seguinte: “Segundo Freud, no ser humano, cada um dos instintos gerais teria uma fonte de energia separadamente. Libido (palavra latina para "desejo" ou "anseio") seria a energia aproveitável para os instintos de vida. "Sua produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem propiciar-nos possibilidades de explicar os fenómenos psicossexuais observados" (1905a, livro 2, p. 113 na ed. bras.). Outra característica importante da Libido é sua mobilidade, ou a facilidade com que pode passar de uma área de atenção para outra.


A energia do instinto de agressão ou de morte não tem um nome especial, como tem o instinto da vida (Libido). Ela supostamente apresenta as mesmas propriedades gerais que a Libido, embora Freud não tenha elucidado este aspecto.[2]

 

 

Ao referir libido, apesar de não estar considerado no texto de Moisés, queria também entrar pelo conceito muito usado no quotidiano, o de fantasma, derivado de um debate entre Freud, Jung e Adler, começado em 1914, ao organizar a teoria da estruturação de personalidade, teoria em formação, uma novidade. Fantasma, palavra, conceito parte dessa teoria muito usada em Etnopsicologia e Etnopsiquiatria, que eu sintetizaria assim: « une substitution des objets imaginaires aux objets réels, un renoncement à l'action motrice visant à la satisfaction avec l'objet réel, et par suite un renoncement à toute mise en acte du fantasme, ce qui par définition est la fonction même du fantasme.


Le psychotique, quant à lui, celui que Freud désigne alors sous le terme de paraphrène, ne connaît aucune substitution de cet ordre imaginaire après retrait libidinal du monde extérieur.

 

En ce sens, le fantasme, ou investissement libidinal d'un mode particulier, devient un mécanisme proprement névrotique, dont la fonction essentielle est d'établir une sorte de médiation entre pulsion et réalité, à la différence de la satisfaction hallucinatoire caractéristique du processus primaire, où l'objet est vécu comme réel mais sans lien avec un objet extérieur, où la coupure avec la réalité est effective, et sans substitution fantasmatique[3]. Em 1915, Freud dedicaria um longo artigo da sua meta-psicologia ao inconsciente: Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (Parte III) (1915 - 1916) reproduzido no Volume XVI Editora Imago, Brasil.

 

O inconsciente, até as datas das suas novas definições, era concebido por ele como instituído pelo recalque, e seu conteúdo era assimilado ao recalcado, exceptuado este dado extra -individual: "o núcleo do inconsciente", fundamento da fantasia originária, articulado com a hipótese filogenética. Com o artigo de 1915, as coisas mudaram radicalmente, prefigurando as linhas gerais do segundo tópico. Tudo o que é recalcado, esclareceu Freud logo no começo de seu artigo, "tem, necessariamente, que permanecer inconsciente, mas queremos deixar claro, logo de saída, que o recalcado não abrange tudo o que é inconsciente."É o inconsciente que tem a maior extensão entre os dois; o recalcado é uma parte do inconsciente." A sequência desse artigo é um guia para quem quer conhecer os conteúdos genéricos e as leis de funcionamento do inconsciente, entendendo-se que somente o tratamento psicanalítico, na medida em que permite, uma vez superadas as resistências, uma transposição ou uma tradução do inconsciente em consciente, pode levar o sujeito a tomar conhecimentos dos elementos concretos de seu inconsciente.[4] O conceito de fantasma ou fantasia, como todos os usados na terapia Etnopsicológica ou Etnopsiquiátrica, deriva de ideias religiosas, ou relações conscientes ou inconscientes do mundo real, material, com o mundo imaginado ou imaginário, derivado da falta de objecto da vida: o prazer ou pulsão de morte, ou o medo à morte, minha ou de um ser querido. Freud e equipa, especialmente Jung, Adler, Klein e Dolto, retiram das ideias Bíblicas formas de comportamento. Klein fez comentários na sua obra[5], especialmente ao referir que o seu mestre Freud “(1907) advanced his view of obsession neurosis as "a travesty, half comic and half tragic, of a private religion" (p.117) and his related, some would say reductive (Carveth 1998; Rempel, 1997, 1998), view of religion as a "universal obsession neurosis" (p. 126). However, if on the whole, "psychoanalysts continue to favor secular alternatives to traditional religious beliefs and practices" (Wallwork and Wallwork, 1990, p.160), post-Freudian theory has offered more positive ways of conceptualizing religious experience. Nevertheless, we feel justified in saying that throughout his writings Freud emphasized the defensive rather than the adaptive aspects of religion. [6]. Como os autores comentam no seu texto, a escrita de Freud sobre a religião é muito extensa e é quase impossível de sintetizar em apenas um texto. No entanto, e acrescentando as suas visões anteriores, em Totem e Taboo, oferece uma visão positiva, adaptativa do comportamento, com as suas análises de desonra aos adultos, punição à culpa incestuosa e outras ideias que, eu diria, estão no denominados Dez Mandamentos de Moisés. Bion oferece uma definição pós Kleiniana e, evidentemente, pós Freudiana. Com todo, Freudiana no seu conteúdo, como define “que o religioso proporciona um modelo de ser humano como criatura dotada de intencionalidade que transcende as necessidades físicas imediatas[7]

 

Parecia-me necessário entender certos conceitos, antes de entrar pelas duas temáticas que explicam a incompreensão entre adulto e criança. Especialmente, por estarem baseadas em ideias religiosas da vida pessoal dos autores, todos eles israelitas. O Édipo e o ante Édipo ou Jesus e o comportamento erótico da infância salientados nestas crenças dos intelectuais adultos mencionados. Talvez seja mais elucidativo dizer que as ideias psicanalistas não são conceitos inventados: são retirados dos aspectos punitivos do que denominamos religião, da forma que tenho definido em outros textos, especialmente (1992 1ª edição, 2001 2ª, Fim de Século, Lisboa. Ou Afrontamento, Porto 2003: A economia deriva da religião. Textos anteriores que definem como a religião é a lógica da cultura e a lógica da história, é dizer, o que orienta, define, incentiva e proíbe comportamentos entre seres humanos cuja base de agir é a felicidade e o desejo que leva à reprodução, à concorrência, ao lucro, à mais-valia. Agostinho de Hipona e Tomas de Aquino, são a minha base para estas ideias Conceitos todos já definidos nos textos denominados sagrados das várias culturas e invocados por mim em páginas anteriores. No entanto, penso eu,  a melhor definição de religião é a proporcionada por Durkheim em 1912, conceito que contribui para o entendimento da terapia e as suas técnicas adaptativas ao comportamento definido pela Divindade, que os psicanalistas não denominam histeria nem neuroses, apenas alienação. Durkheim considera a religião como a representação sagrada que o povo tem de si próprio e define-a assim: “Uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, retiradas da sociedade e proibidas – crenças e práticas que unificam numa única comunidade moral chamada Igreja todos aqueles que a ela aderem. O segundo elemento que encontra assim lugar na nossa definição não é menos essencial do que o primeiro; porque mostrando que a ideia de religião é inseparável da de Igreja, torna claro que a religião deve ser um facto eminentemente colectivo”[8] Esta definição que tenho usado, na língua original noutros textos, porque define, praticamente, o que os terapeutas procuram: a sociedade e a interacção individual e dentro do grupo. Durkheim, ateu mas pertencente à religião judaica, procura o mesmo tipo de análise de comportamento que Freud e discípulos: uma análise ajustada a uma lógica exógama, não incestuosa, a reconhecer a realidade da libido e de todos os outros conceitos que defini antes. Conceitos entre os quais se encontra o Quarto Mandamento comum às religiões referidas em páginas anteriores: o amor aos ancestrais e o respeito, do qual nasce um conceito que já quase não é usado, o de Édipo, e que Freud analisa no seu texto sobre religião, a partir das seguinte tábuas:

 

Like God.”178 Freud’s concept of the Oedipus complex is obviously interpretable as a powerful psychological representation of the universal desire to be like God: to sin by rebellion, by disobedience, by striving to become the autonomous ruler over one’s own and others’ lives.·


Now, in a Christian framework, Jesus provides the model for the negation—in fact, for the cancelling out or removal—of the oedipal structure. In contrast to Oedipal man, Jesus does not  show intense hatred but perfect love for God the Father. This love is expressed in what has been called “radical obedience”— that is, total identification with the Father’s will (whereas oedipal man shows radical disobedience). Throughout the Gospels, Jesus consistently speaks of doing his Father’s will and not his own: “I seek not my own will, but the will of him who sent me”179; “not my will, but thine, be done.”180 The result of this radical obedience is the death of the Son. He is not killed by the Father, but by a group of conflict-filled, frightened, and hateful men. That is, the group of brothers kills not the Father but the Son. It is then the Son’s death that occurs, and not the Father’s, as was the case for Oedipal man. The results of this death are not the guilt and remorse that follow the Oedipal murder, but atonement, resurrection, and joy. There is a “rebirth,” in which the Father and Son are now together and not estranged. The followers of Jesus— the new group of brothers (brothers in Christ)—are called to become sons of God by modeling their lives on that of Jesus. One important way in which this is done is through Holy Communion, in which the followers are commanded to eat the body and drink the blood of the Son in the bread and wine; this “totemic” meal is the opposite of Freud’s postulated ancient father-focused Oedipal meal. Website: com debate e texto, em:
http://www.paulvitz.com/FreudsXtnUncon/168.html


To round out the Anti-Oedipal pattern, Jesus shows no sign of sexual desire for his mother; in fact, by choosing celibate life, he explicitly puts sexuality completely aside as a determining motivation. In short, the life of Jesus is the life of Anti-Oedipus (see
Table 5-1).·


Now the extraordinary fact is that Freud was, in many important respects, aware of this logic, which is at the very centre of the Christian view of man. He commented in an important, apparently almost completely overlooked, passage near the end of Totem and Taboo:


“There can be no doubt that in the Christian myth the original sin was one against God the Father. If, however, Christ redeemed humankind from the burden of original sin by the sacrifice of his own life, we are driven to conclude that the sin was a murder. The law of talion, which is so deeply rooted in human feelings, lays it down that a murder can only be expiated by bloodguilt. And if this sacrifice of a life brought about atonement with God the Father, the crime to be expiated can only have been the murder of the father.


In the Christian doctrine, therefore, men were acknowledging in the most undisguised manner the guilty primeval deed, since they found the fullest atonement for it in the sacrifice of this one son
. Atonement with the father was all the more complete[9].

 

(Continua)



[2] Libido: website com texto: http://www.psiqweb.med.br/gloss/

[3] Fantasma, debate de vários autores em vários textos, ligado ao conceito de libido e do inconsciente e do consciente, em consequência, de religião e totem ou, nos conceitos de Wilfred Bion, 1962: Learning from experience, relação do eu –“finito” –, com a meta psicologia ou “infinito” ou conceito religioso do mundo e as suas relações, William Heineman Medical Books, Londres, conceitos que, refere Bion, permitem “fazer” e não “sonhar, como era originalmente o debate entre austríacos e alemães – derivado do conceito Fantasia que existe em alemão e passa a ser fantasma na tradução de começos do Século XX. Fazer, é dizer, mudar de categoria de infinito para finito, passar da fantasia para a materialidade, como refere em Attention and Interpretation, Tavistock Institute, Londres. Website  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=Wilfred+Bion+Attention+and+Interpretation&btnG=Pesquisa+Google&meta=

[4] Definição de nota 52. Website http://www.geocities.com/marcofk2/roudi.htm

[5] Klein, Melanie, especialmente ao longo da sua obra Essai de psychanalyse 1921-1945-Payot 1968 ou website http://www.doctissimo.fr/htm1/psychologie/grands_auteurs/ps_1324_melanie_klein.ht, entre outros. Há versão lusa, Imago, 1991, Rio de Janeiro

[6] Em Forster, Sophia e Carveth, Donald, 1999: “Christianity: A Kleinian Perspective”, texto on-line at Psyche Matter Website com texto: http://www.psychematters.com/papers/carveth.htm .

[7] Bion, obra citada, nota 54, retirada esta parte do texto de Joan e Neville Symington (1997, Routledge), 1999: O Pensamento clínico de Wilfred Bion, Climepsi Editores, Lisboa www.climepsi.pt/catalogo/ livros/972-8449-33-x/972-8449-33-x.htm

[8] Durkheim, Émile, 1912 : Les formes élémentaires de la vie religieuse, Félix Alcan, Paris. Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&ie=UTF-8&q=%C3%89mile+Durkheim+Les+formes+elementaires+de+la+vie+religieuse&spell=1 . Texto completo on- line. No entanto, o debate mais interessante sobre o conceito, especialmente entre ideias do autor e de Weber, pode-se ler na Net em http://geocities.yahoo.com.br/jonhassuncao/durkheim.htm. Debato o conceito entre vários autores no meu texto de 2002: A economia deriva da religião, Afrontamento, Porto, bem como em ainda mais um texto publicado sem o meu consentimento pela mesma editora, em Abril de este ano: “A religião como lógica da cultura, Afrontamento, Porto, 2004.

[9] Vitz, Paul, 2002: Sigmund Freud’s Christian Unconscious, Amazon  http://www.amazon.com/exec/obidos/tg/detail/-/0802806902/002-1307274-1097621?v=glance

 

publicado por João Machado às 14:00
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