Terça-feira, 21 de Junho de 2011

O Paquete - Adão Cruz

 

Adão Cruz  O Paquete

 

(Adão Cruz)

 

O Paquete entrou no serviço de urgência inchado como um tonel tenso como um balão a que só falta o alfinete para estoirar fígado pulmões ventre de pandeiro tudo está encharcado como uma esponja por um coração entupido sem ar como se morresse afogado ou dentro da linguagem médica como peixe fora d’água.

Insuficiência cardíaca grave insuficiência cardíaca descompensada anasarca…os vários termos para rotular o sofrimento atroz de um jovem sem culpa igual a tantos outros que jogam ténis.

Socorrido na primeira fase de compensação e um tanto aliviado foi internado para estudo e veio fazer um ecocardiograma.

O Paquete tem vinte e seis anos e uma cara aciganada morena de si e roxa da cianose.

Começou a trabalhar como moço de trolha aos treze anos vergado ao peso da tábua e do balde e à força de cachaços lá se erguia quando aninhava com o abafa.

Nunca alguém o levara ao médico.

Não tive coragem de colher a sua história antes desta idade a história da sua infância.

A meio do exame diz-me o Paquete a medo e quase em segredo Sr. Doutorestou à rasca para mijar deixe-me ir mijar pelas almas… no meio de tais máquinas perante aquela gente de bata branca que ele nunca vira mais gorda o sofrimento da sua vida levava-o a pensar que pedir para mijar era quase um crime.

O Paquete tem uma gravíssima estenose mitral com severa insuficiência mitral e tricúspide e um coração do tamanho de uma melancia está numa fase inoperável a rebentar pelas costuras… se operado fosse tudo não passaria de remendo em calças a desfazer-se.

Sem a mínima ideia do que se passa ele submete-se humilde desconfiado medroso como sempre aconteceu em toda a sua vida tem medo que lhe ponham a tábua à cabeça ou o balde na mão e com aquela falta de ar…ele que sempre pediu para o deixarem respirar um pouco antes do peso de outra tábua e de outro balde.

O Paquete nunca fora ao médico e nunca ninguém lhe dera a mão para se erguer todos lhe esfacelaram o coração e a vida até rebentar.

Pobre Paquete pobre barco tão frágil.

Com as lágrimas nos olhos saí do hospital e escrevi esta história de hoje de há séculos e escrevo-a em especial para os meninos e jovens que brincam que jogam que sonham e que vão ao médico.

publicado por Augusta Clara às 19:00
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1 comentário:
De adriano pacheco a 22 de Junho de 2011
Ao ler este texto não posso deixar de exprimir o que sinto:

Há médicos que são gente com dimensão humana.

Fantástico Adão!

Obrigado Augusta Clara pela relevância

Adriano

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