Sábado, 11 de Junho de 2011

O Fardo das Imagens - Adelino Lyon de Castro

A pedido do Rui de Oliveira publicamos uma adenda à Agenda Cultural desta semana contendo uma correcção à data de encerramento da exposição de Adelino Lyon de Castro presentemente no Museu do Chiado (textos retirados do site do museu:  http://www.museudochiado-ipmuseus.pt/pt/node/971 )

 

 

Adelino Lyon de Castro  O Fardo das Imagens (1945-1953)

Curadoria de Emília Tavares

07.04.2011 - 19.06.2011

 

 

                                                                     Piso 2

 

Adelino Lyon de Castro
O Fardo das Imagens (1945-1953)
Vista da exposição

Sala dos Fornos - Piso 2
Foto Luís Piorro 

 

 

Em 2009, O Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado recebeu a generosa e importante doação, por parte de Tito Lyon de Castro, do espólio fotográfico de Adelino Lyon de Castro. Muito embora tenha sido uma figura de destaque do meio editorial e das letras, tendo fundado com o seu irmão, Francisco Lyon de Castro, as Publicações Europa-América (1945), a sua actividade como fotógrafo é praticamente desconhecida. Foi, sobretudo, um fotógrafo amador, muito embora tenha realizado algumas reportagens, sem dúvida, a mais relevante sobre os Jogos Olímpicos de Helsínquia em 1952. Apesar da sua breve actividade fotográfica, que podemos estabelecer entre meados da década de 1940 e 1953, ano da sua morte, Lyon de Castro produziu um conjunto de imagens cuja temática se apresenta coesa e consistente com as suas ideias políticas de oposição ao Estado Novo, assim como ao ideário de um socialismo humanista. O MNAC- Museu do Chiado apresenta, assim, um conjunto inédito de 70 imagens que nos dão a conhecer a face não oficial, e reprimida, da sociedade portuguesa durante o Estado Novo. Nas imagens de Adelino Lyon de Castro é privilegiado o olhar sobre as mais duras condições de vida dos trabalhadores ou dos excluídos da sociedade, sob a inspiração do ideário do “romantismo revolucionário”(Henri Lefebvre) tão influente para alguns neo-realistas, O fotógrafo legou-nos um extraordinário e inesperado diário visual do labor, da pobreza e da exclusão enquanto estados de degradação social, e do papel que a fotografia pode ter enquanto meio de denúncia e ensinamento sobre a realidade. Oportunidade também para reflectir sobre os contornos sempre híbridos e insuficientes de representação da realidade através, da leitura e apresentação comparada com as imagens de Lyon de Castro, dos retratos de mendigos do século XIX de Carlos Relvas, dos inventários visuais populares do Estado Novo, de imagens da imprensa panfletária da época e ainda de algumas obras de pintura modernista da colecção MNAC-Museu do Chiado.

 

Emília Tavares

 

Comissária

 

 

“Ao não instruído é tão difícil ler uma imagem como qualquer hieróglifo”, afirmava Ruth Berlau, colaboradora próxima de Bertolt Brecht, em nota no álbum ilustrado daquele autor, ABC da Guerra (1955). Ensinar a ler as imagens fazia parte de todo um programa de transformação social em que a cultura era essencial, em que a consciência do poder manipulatório e enganador das imagens podia ser convertido numa alfabetização sobre todo o complexo de exploração e dominação do sistema social e político. Este aspecto é fulcral para a análise e leitura da obra fotográfica de Adelino Lyon de Castro, sobretudo, quando o cruzamos com as históricas discussões que o movimento neo-realista teve para elaborar uma estética que fosse acessível ao povo ignorante. Colocar os trabalhadores e os excluídos como tema principal em todas as formas de expressão artística não fazia por si só a revolução, era necessário operar todo um processo de consciência da desigualdade social que só assim podia tornar verdadeiras e legíveis as “penas e fadigas do labor”. É por isso significativo que nas imagens de Lyon de Castro exista esse permanente foco nos corpos que cedem perante o “oscilar sob uma carga”, no sentido desse estado de pobreza que se torna abjecta porque “coloca os homens sob o absoluto ditado dos seus corpos, isto é, sob o absoluto ditado da necessidade”(Hannah Arendt). O movimento neo-realista português assimilou de forma esparsa, superficial e insuficiente a capacidade de representação do real da fotografia. Dedicou-lhe alguma atenção pelo pensamento de Mário Dionísio que viu nela uma forma de actuação, interpretação e transformação da realidade, podendo assim defender até a sua feição mais naturalista, na esteira de Henri Lefebvre e do seu “romantismo revolucionário”. As fotografias de Lyon de Castro realizam, assim, esse incessante e híbrido destino de representação da realidade, ao mesmo tempo que reafirmam: “não existe realismo crítico sem crítica prévia ao realismo”. (Georges Didi-Huberman).

 

Emília Tavares


 

A obra fotográfica de Adelino Lyon de Castro, pelo seu carácter de representação social e realista da sociedade, invoca também uma reflexão essencial sobre o papel da fotografia e da sua repercussão na representação do real e da sua relação com a verdade. A fotografia estabeleceu com a representação da realidade novos compromissos, dada a sua natureza ontológica de reprodução mimética da mesma, logo, detentora de valores e índices de “verdade”, impossíveis a qualquer outra forma de expressão artística. Assim, nesta sintética e prolixa apresentação de obras equacionam-se alguns dos limites, possibilidades e paradoxos de representação do real e das contingências estéticas, mas também ideológicas, a que a arte e a fotografia, em particular, têm tido de corresponder. Por um lado, a inclusão dos anónimos e desfavorecidos nos temas da arte, desde o século XIX, corresponde a um primado do realismo a que os ecos das revoluções sociais vieram dar corpo ideológico, mas que se esvaziariam na voracidade do consumo burguês pelo exótico. Por seu turno, a politização de alguns dos principais movimentos artísticos, como o Neo-Realismo, trouxe novas problemáticas, como a forma estética mais eficaz de representar a realidade, mas também de divulgar e formar consciência social através da arte. Entre os mendigos encenados de Carlos Relvas e a tipificação pitoresca dos camponeses por parte do Estado Novo, estabelece-se uma forma de representação que retira ao indivíduo a sua espessura para o enquadrar em arquétipos sociais, adequadamente generalistas que o reduzem a uma imagem global, tal como uma marca. O Modernismo português viveu também sempre em resolução, entre a realidade nada harmoniosa de Mário Eloy ou a realidade composta de Abel Salazar, hibridismo que a fotografia chamou a si, quando a resolveu sob o vasto olhar entre um realismo poético e um naturalismo revolucionário. Em qualquer dos casos, a fotografia portuguesa soube, no seu contexto “fronteiriço”, ir dando expressão ao “fardo” ideológico da imagem. Ainda que prevaleça a questão, sendo “a realidade dita social dupla, múltipla e plural. De que maneira assegura ela uma realidade?” (Henri Lefebvre), a que a imagem possa conferir representação.

 

Emília Tavares

 

 

publicado por Augusta Clara às 09:00
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