(Conclusão)
Em dezasseis pequenos textos percorri o universo do livro de uma forma pouco ortodoxa, em ziguezagues, dando saltos… Se tivesse de dizer tudo num único texto, sair-me-ia qualquer coisa assim:
O sector do livro vive aquilo a que se pode chamar uma crise permanente. Os editores, sobretudo os pequenos e os médios, encontram sempre inimigos exteriores (não disse que os inventam…) a iliteracia, a falta de poder de compra, a inexistência de hábitos de leitura… A todos estes constrangimentos herdados do passado, junta-se uma nova ameaça - o livro electrónico. Mas antes de analisarmos essa ameaça, detenhamo-nos na observação da estrutura tradicional do negócio.
Na minha opinião parte substancial dos males da edição, está no seu interior, na falta de especialização das editoras médias e pequenas, na tentação generalista, na ausência de concentração em linhas editoriais específicas e da busca de nichos de mercado. Muitos pequenos editores persistem em abarcar todo o leque do conhecimento. Divertem-se, mas arruínam-se.. . Já lá iremos. Para além do aparecimento dos novos suportes de escrita, há uma nova realidade (sócio-económica, tecnológica…) que afectará toda a comunidade editorial – do escritor ao leitor. Comecemos pelo autor.
Pouco há a dizer, pois não é função destes textos (mesmo que eu disso fosse capaz) ensinar os autores a escrever – digo só que devem ter consciência de que escrevem para um público e que devem tentar agradar ao «seu» público. O autor desconhecido ou pouco conhecido que fica passivamente à espera de ser descoberto, escrevendo aquilo de que gosta, sem se preocupar com os eventuais leitores, corre o risco de morrer sem nada ter publicado. Peter Mayer, um dos gurus a cuja ajuda recorri, prevê que no futuro a auto edição irá crescer. Cada vez haverá mais autores que terão de recorrer a esse meio para poder publicar os seus livros. Entre nós, começa a ser comum tal meio.
O tradutor é um co-autor e nem sempre o seu papel é devidamente salientado. Para enfatizar a importância da tradução referi o erro de que fala Roger Martin du Gard, em O Drama de Jean Barois: a virgindade de Maria teve origem no erro de um tradutor, um monge, que ao traduzir o Novo Testamento do grego para o latim, confundiu a palavra jovem com virgem. O que deu lugar ao culto mariano… A tradução é um trabalho mal pago o que, quanto a mim, não desculpa que se façam as traduções que por aí aparecem. Os editores deviam ser mais exigentes e, claro, pagar melhor.
Outro aspecto da edição é o do marketing. Uma das vantagens dos grandes grupos editoriais é o da parte que na estrutura do preço final consagram à publicidade. E, antes disso, o investimento que fazem em estudos de mercado. O pequeno editor confia no instinto – acha que um dado livro vai ser um êxito, mas, em marketing, não se acha, testa-se!», é um axioma do Professor Jorge Manuel Martins. Porém, Peter Mayer (o homem que dirigiu a Penguin) veio surpreendentemente reabilitar o papel do feeling do editor. Dicotomia de que extraí uma síntese – o instinto do editor, o mesmo que no médico se designa por vocação, tem de ser apoiado por meios científicos de avaliação e por uma especialização do editor – do mesmo modo que a existência de médicos com vocação, mas sem preparação académica, faria disparar os números da necrologia, editores «com jeito, mas sem mestre» enchem armazéns de livros que não deviam ter sido editados ou que foram mal comercializados.
As plataformas logísticas de distribuição e os canais de venda serão também afectados pela nova lógica que se vai instalando no mundo da edição. As livrarias, que são muitas vezes os principais centros de cultura, sobretudo em pequenos centros urbanos, ver-se-ão substituídas pela venda através da net. Todo o sistema da indústria livreira, de montante a jusante, do autor ao leitor, terá de se ajustar à nova realidade da produção, do mercado e do consumo.
Mas, neste período de transição, onde se situa a principal culpa das disfunções do sector? A principal falha reside na pouca importância que os governantes atribuem ao livro. Para falar só nos últimos cinquenta anos, nem o Estado Novo, nem os governos democráticos souberam criar uma política do livro. Essa política do livro passaria fundamentalmente por duas medidas – incentivar nos jovens o gosto pela leitura e apoiar financeiramente a edição de livros que, prevendo-se de baixa viabilidade comercial, fosse por uma comissão específica considerada de valor cultural. A compra institucional de 500 exemplares de cada edição aprovada por essa comissão, viabilizaria a edição A distribuição pela rede pública de bibliotecas absorveria facilmente estes exemplares. Não se entende por que motivo a arte da escrita, a mais barata de todas, é negativamente discriminada relativamente às outras. O livro, já disse, não é prioridade das famílias portuguesas – se há crise), o livro é dos primeiros bens de consumo a ser sacrificados. Não admira que os cidadãos comuns assim reajam. O desprezo pelo livro começa em quem dirige o País.
Analisado o caminho entre autor e leitor, falemos da ameaça do livro electrónico. Em Portugal não há números – apenas a informação de que esse mercado está a crescer rapidamente. Por iniciativa da Federação de Grémios de Editores, associada a uma fundação privada, em Espanha foram divulgados os resultados de um inquérito realizado em Março. Participaram 280 editoras de todas as dimensões e uma em cada quatro empresas prevê para 2012 comercializar mais de metade dos seus catálogos em versão digital. A banda desenhada é o género que mais irá enveredar por este tipo de suporte, seguindo-se Divulgação geral, Direito e ciências económicas, Ciências humanas e sociais, livro técnico-científico e universitário, e Literatura. Estas versões destinam-se a ser lidas em computadores, e-readers, telemóveis. Prevê-se que os telemóveis sejam os mais utilizados nesta função já em 2011. Um dos impedimentos a uma maior difusão do livro electrónico, é o pagamento de direitos a autores e editores. Problema que afecta ainda mais os compositores e as editoras discográficas. A Google fez, em 2009, propostas de um acordo aos editores europeus relativamente a essa questão.
Não me admiraria que, no futuro, o ensino deixasse de obrigar a acumular conhecimento, passando a habilitar à gestão e utilização do conhecimento armazenado e disponível. Usando as novas ferramentas de comunicação, um grupo de professores da África do Sul inovou a produção de livros didácticos, numa experiência seguida por diversos centros de tecnologia do mundo. Espalhados pelo país, escrevem colectivamente numa página da internet, livros sobre as matérias curriculares. Cada professor adapta o conteúdo à realidade local pelo que o mesmo livro pode ter centenas de versões. Como nem todas as escolas têm acesso à internet (onde os conteúdos estão disponíveis gratuitamente), publicam os textos nas editoras tradicionais sem cobrar direitos. o livro chega às escolas bastante mais barato. "Em pouco tempo, o papel será dispensável", disse o físico Mark Horner, um dos coordenadores do projecto baptizado de Siyavula.
Mas este futuro que se abre para o livro electrónico, tendo influência no mercado do livro impresso, não o extinguirá. Peter Mayer que tem esperança em que as pessoas continuem a ler se lhes derem bons conteúdos e prevê que o livro de qualidade, cuidadosamente impresso e encadernado, voltará a suscitar interesse. Continuará a haver quem queira ter livros nas estantes de sua casa. Inclusivamente, livros que tenha lido na net. A invenção de Gutenberg com quinhentos anos – os caracteres negros sobre o papel branco – ainda é a melhor maneira de ler. Por seu turno, Umberto Eco afirma que a presumível morte do suporte papel da escrita é uma obsessão de jornalistas que lhe fazem a pergunta há 15 anos - «Para mim, o livro é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objecto que, uma vez inventado, não muda. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído.» E tal como Mayer conclui que «O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação.».
Resumindo: a evolução do livro electrónico é um dado adquirido. Afinal telégrafo, telefone, rádio, cinema, televisão, fazem parte de uma genealogia que teve início quando nas cavernas se começou a contar histórias e houve quem as traduzisse em graciosos desenhos, A arte rupestre é uma forma de escrita e de tornar eternas os fugazes clarões de inspiração que são a maior riqueza da Humanidade. O livro electrónico dará lugar a qualquer outra coisa que não podemos prever o que seja. O livro de papel manter-se-á por muitos mais anos até que uma das tais invenções consolidadas de que nos fala Umberto Eco o possa substituir,
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