Quarta-feira, 8 de Junho de 2011

Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial, de Roberto Vecchi (Porto, Ed. Afrontamento, 2010). Por Manuel Simões

 

 


 

 

 

 

O Autor tem-se ocupado, desde meados da década de 90, dos temas e problemas relacionados com a literatura da guerra colonial e do seu impacto no imaginário português, a ponto de se poder dizer que é hoje um dos grandes especialistas de uma matéria que remete para “um passado que ainda foge à fundação de uma memória compartilhada”. De facto, data de 1995 a publicação de dois importantes ensaios (“Literatura da guerra colonial: a melancolia como género” e “A guerra colonial entre género e tema: ‘Jornada de África’ de Manuel Alegre”), que constituíram o ponto de partida para esta abordagem global que é parte de uma investigação persistente de alguns anos sobre a guerra colonial e, de modo mais específico, sobre a literatura que procurou representá-la.

 

Ao longo de um preâmbulo e de oito capítulos de grande maturidade reflexiva, até do ponto de vista teórico, o Autor conduz o seu discurso no sentido de observar a literatura da guerra colonial como um modo, entre outros possíveis, para tentar um discurso crítico sobre Portugal, sobre o império colonial (ponto ainda fracturante da história portuguesa contemporânea), sobre o trauma, “sobre a relação entre a violência e a excepção para que sempre remete”.

 

Tal discurso assenta numa reflexão profunda sobre as questões subjacentes e implícitas à representação de mecanismos perversos que conduziram todo um percurso, de que destaco, por razões de espaço: “Usos e genealogia: os corpos despedaçados e a história”; “a melancolia como género”; “Restos, rastos, indícios e fantasmas. Tragédia e trágico” (capítulo 1); saudade, luto, melancolia na literatura da guerra colonial (capítulo 2); e, de modo particular, todo o capítulo 5, como se pode avaliar pela súmula que antecede o capítulo: “Memória e história […] (Quase) lutos, cicatrizes, epitáfios. Enterrar os mortos: as Antígonas trágico-modernas da guerra colonial. A condição póstuma do Autor: tal Império, qual conflito? Quem são as vítimas invisíveis de uma não guerra sem nome? Astúcias e incoincidências do autor póstumo na literatura da guerra colonial. Traumas transbordantes e políticas póstumas do trágico: ‘Enterrar os mortos e cuidar dos vivos’. Culpa e crueldade nas representações da guerra colonial”.

 

Na sua globalidade, o volume constitui um desafio que o Autor faz a si próprio e aos leitores no sentido duma leitura abrangente e iluminante, sob muitos aspectos, dos vários textos ficcionais que se produziram sobre a guerra colonial. Concordo plenamente com Margarida Calafate Ribeiro, prefaciadora do volume, quando afirma que este livro nos leva a reflectir “sobre Portugal de uma forma teoricamente provocante, absolutamente inovadora e distinta do que até agora tem vindo a ser feito”.

 

Roberto Vecchi é professor de Literatura Portuguesa e Brasileira, e de História das Culturas de Língua Portuguesa na Universidade de Bolonha. Para além dos dois ensaios já citados, de certo modo fundadores do que viria a ser a investigação futura, é autor de vários ensaios sobre o mesmo tema, publicados em Portugal, em Itália e no Brasil. Desses estudos destaco: “Mares coloniais, mares da memória. Algumas considerações sobre a literatura da guerra colonial” (1994); “Percursos. Fragmentos de uma ‘recherche’ da África perdida” (1996); “Barbárie e representação: o silêncio da testemunha” (2001): “Experiência e representação: dois paradigmas para um cânone literário da guerra colonial” (2001); “Restos de experiência, rastos de memória: algumas características da guerra colonial” (2001); “Das relíquias às ruínas. Fantasmas imperiais nas criptas literárias da guerra colonial” (2003); e “Império português e biopolítica: uma modernidade precoce?” (2007).

 

(Este livro foi apresentado na Livraria Barata no dia 25 de Outubro de 2010).

publicado por João Machado às 15:00
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1 comentário:
De Francisco Sá Pereira a 13 de Junho de 2011
É sempre gratificante encontrar pessoas que, de todas as formas, elogiam a capacidade, sofrimento e dor de todos aqueles, que obrigatoriamente fizeram a defesa dos interesses colonial naquela época. Parabéns.

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