(Continuação)
Estamos quase a chegar ao fim desta ziguezagueante viagem através do universo do livro e dos seus problemas.
Foquei com especial atenção a ameaça do livro electrónico ao futuro do livro impresso. Como puderam ver, as opiniões dividem-se – hoje será o depoimento de Umberto Eco, o ensaísta e escritor italiano, co-autor, com o escritor e actor francês Jean-Claude Carrière(1931), de N'espérez pas vous débarrasser des livres - Não Contem Com o Fim do Livro. Numa entrevista concedida há meses atrás a um jornal brasileiro a propósito do lançamento da edição em português, disse coisas interessantes. Como de costume, não transcreverei aqui a entrevista que, aliás, pode ser consultada na net. Farei uma resenha do que, na entrevista, me pareceu mais importante. Porém, Eco não é um observador isento desta questão. O seu amor e apego ao livro impresso são conhecidos - a sua biblioteca tem com cerca de 50 mil volumes. E foi esse amor pelo livro que o levou a aceitar o desafio que o escritor, actor e guionista francês lhe lançou – o de debaterem a perenidade do livro, com vista à publicação de… um livro
O jornalista pergunta-lhe qual diferença existe entre os conteúdos disponíveis na net e numa grande biblioteca: «A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, no seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de seleccionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites fiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correcto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.»
E quando lhe é perguntado se pode existir contracultura na internet, responde «Sim, com certeza, e ela pode manifestar-se tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas a conversar, na China é a única forma de se manter contacto com o mundo».
O entrevistador lembra-lhe que num dado trecho de Não Contem Com o Fim do Livro, Eco e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar. «De facto, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. A minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava em Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje a um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta clicar no computador para ter essa informação. Lembro-me de que, na escola, era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço a sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço às fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória».
«Escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a actual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscovo por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro».
(Continua)
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