O Jardim apresenta hoje uma reportagem da inauguração da exposição de pintura de Adão Cruz na Galeria Zeller, em Espinho no passado dia 14 de Maio.
Adão Cruz Pequeno comentário ao texto de António Gomes Marques
Não quero perder tempo a ajuizar se mereço ou não este belo texto do António.
Sinto que as suas palavras são de uma tão diáfana espontaneidade e de uma tão notória sinceridade que criam em mim um sentimento de transparência que há muito não tinha, e que me permite ver com mais nitidez que a arte é uma relação de vida, uma profunda e poderosa relação de vida que se estabelece através da poesia, a mais nobre e sublime expressão do entendimento da realidade.
As palavras do António conseguem iluminar, como se fosse dia, as ruas da nossa cidade interior, por vezes ensombradas pelo difícil caminho através do qual aprendemos a viver a vida da arte para tentarmos criar a arte da vida. São palavras que nos lembram as amargas trevas que por vezes nos invadem por sermos homens, já que o Homem é um ser atravancado de mitos. E lembram-nos que a arte e a poesia, caminhando de mãos dadas com a razão e a matéria pura, são a força e a energia indispensáveis no espinhoso percurso que vai da prisão à liberdade.
As palavras do António são palavras que inesperadamente me conduzem a um local de encontro comigo mesmo, desses muitos encontros que se foram perdendo ao longo da vida. Por isso elas entraram em mim de forma tão agradável.
Com esta honestidade de pensamento e com esta suavidade e delicadeza de sentimentos, o texto do António conseguiu tocar o cerne da minha relação com o mundo e criar em mim a magnífica sensação de que essa relação tem vida e é inegavelmente o sangue da nossa existência.
São as ruas dessa tua cidade interior povoadas umas vezes pela tempestade outras pela bonança que fazem de ti o Homem Grande que transforma em arte e poesia mesmo as brumas mais densas da vida. Estive lá, vi o teu mundo, senti o abraço que te rodeava e aqui fica a multiplicação do que te dei. Um enorme beijo meu amigo, nada é demais...
Tenho muita dificuldade e em representar por palavras as pessoas de quem eu gosto muito. E, do Adão, eu gosto muito. Ele sabe que o considero um grande ser humano.
Que posso eu dizer mais? Eu e o Adão não nos conhecemos pessoalmente, mas brevemente nos abraçaremos. Na realidade, conhecemo-nos melhor do que a algumas pessoas que connosco convivem há longos anos. Foi para mim, para já, talvez o maior contributo positivo do «estrolabio», dado que foi este blogue que nos levou a este mútuo conhecimento. O Adão fala da relação com o Mundo, que o mesmo é dizer da relação com os Outros. E é nesta relação com os outros que nós temos de procurar construir um mundo melhor, esquecendo o comodismo e o egoísmo trazido pelo nosso bem-estar, embora resultante do nosso trabalho. A Arte tem aí um papel fundamental! Mesmo que saibamos (e devemos ser conscientes disso) que «Não são precisas grelhas, o inferno são os Outros» (Sartre, Huis Clos »), também seremos livres e responsáveis se formos capazes de nisso nos tornarmos, devendo nós saber que só de nós depende. Se soubermos assumir as nossas contradições e respeitar o Outro, também saberemos criar o colectivo e tornar possível a construção do tal mundo melhor para todos que a maioria de nós deseja, mas que tem de passar a querer. Se o conseguirmos, há um outro compromisso que teremos de assumir: o envolvimento na acção que tornou possível esse mundo melhor não nos dá, individualmente, qualquer privilégio para nele viver. Termina assim o poema «Partir!...», de Manuel da Fonseca: - Camaradas, eu vou, esperai um pouco… Ai, mas a vida nunca espera por ninguém… E a noite chega vingadora; o vento rasga-me o fato, as ondas molham-me a carne e a ave pia misticamente no ar; abro os olhos e não vejo, já não ando, já não oiço - e fico, desgraçado de ficar!... (in «Poemas Completos») E nós como é que queremos ficar?, é a pergunta que vos deixo. Não é com certeza desgraçados, mas conscientes e responsáveis do que nos compete fazer!