Sobranceiramente ignorado pelos meios de comunicação social, sem dúvida por causa das suas teses contra a doutrina neoliberal dominante, Maurice Allais tornava efectiva a cortesia e recusava todas as entrevistas. E ainda vivo uma só entrevista e um só texto foram publicados, respectivamente em Fakir e em Marianne2. Aqui a publicação do texto publicado por Marianne 2.
Ah, o bonito baile dos hipócritas! Ignorado enquanto vivo por todos os jornalistas económicos sem excepção, boicotado pelas cadeias de televisão enquanto que actualmente é honrado por aqueles mesmos que negavam a sua existência e olhavam para outro lado sempre que eles publicavam um texto. Porque, recordam estes embalsamadores à Macintosh, é mesmo assim o nosso único prémio Nobel de economia… Um economista brilhante e livre, reconhece Os Ecos que muito pouco dele se lembraram nas suas suas colunas! O liberal e socialista, nota Le Figaro como para justificar que o diário conservador lhe tenha suprimido a sua única tribuna nos anos 90. La Voix du Nord considera Maurice Allais um pensamento único (sim, mas era necessário acrescentar contra O pensamento único).
Ironia da história, a morte de Maurice Allais coincide com um momento da história económica que valida mais do que nunca as suas previsões. A guerra das moedas mostra que das três grandes zonas da economia mundial (América, Ásia, Europa) a Europa é a única incapaz de utilizar o seu mercado para proteger a sua moeda. Os Estados Unidos acabam de adoptar um dispositivo proteccionista para forçar a China a cessar o seu dumping monetário. Quanto à China, sabe-se e desde há muito tempo que a sua adesão à OMC não a impediu de pisar aos seus pés todos os princípios do comércio livre. De imediato, a ideia proteccionista começa, ainda que timidamente, a alargar a sua área de influência. A última convenção internacional do PS é já disso testemunho. Eis-nos pois perante o que teria feito sorrir Maurice Allais que fulminava frequentemente o liberalismo ingénuo dos socialistas.
Marianne foi o único jornal a fazer uma homenagem a Maurice Allais enquanto vivo (mas sem dúvida um pouco tarde). O nosso jornal publicou o último texto de Maurice Allais que aqui reproduzimos .
Contra os tabús INDISCUTÍVEIS
MAURICE ALLAIS, PRIX NOBEL de Economia, 5 Dezembro de 2009
O ponto de vista que exprimo é o do teórico ao mesmo tempo liberal e socialista. As duas noções são inseparáveis no meu espírito, porque a sua oposição aparece-me como sendo falsa, como sendo artificial. O ideal socialista consiste em interessarmo-nos pela equidade da redistribuição das riquezas, enquanto os liberais verdadeiros preocupam-se com a eficácia da produção desta mesma riqueza. Constituem aos meus olhos dois aspectos complementares de uma mesma doutrina. E é precisamente a esse título de liberal que me autorizo a criticar as posições repetidas das grandes instâncias internacionais em favor da livree-troca aplicada cegamente.
O fundamento da crise: a organização do comércio mundial
A recente reunião do G20 mais uma vez proclamou a sua denúncia “ do proteccionismo“, denúncia absurda cada vez que é expressa sem qualquer diferenciação, como acaba de ser o caso. Nós estamos a confrontarmo-nos com o que no passado chamei de “tabús indiscutíveis cujos efeitos perversos se multiplicaram e se reforçaram ao longo dos anos “(1). Porque tudo liberalizar , acabamos de o verificar , conduz-nos às piores desordens. Inversamente, entre as múltiplas verdades que não são abordadas encontra-se o fundamento real da actual crise: a organização do comércio mundial, que é necessário reformar profundamente, e primeiramente que a outra grande reforma igualmente indispensável que é a do sistema bancário.
Porque liberalizar, acabamos de o verificar, leva às piores desordens. Inversamente, entre as múltiplas verdades que não são abordadas encontra-se o fundamento real da crise actual : a organização do comércio mundial, que é necessário reformar profunda e prioritariamente a uma outra reforma igualmente indispensável que é a do sistema bancário. .
Os grandes dirigentes do planeta mostram uma vez mais a sua ignorância sobre a economia, ignorância essa que os conduziu a confundir dos tipos de proteccionismo : existem alguns proteccionismos que são nefastos enquanto que outros são inteiramente justificados . Na primeira categoria encontra-se o proteccionismo entre países de salários comparáveis que não é, em geral, desejável. Por outro lado existe o proteccionismo entre países de níveis de vida muito diferentes e aqui é não somente justificado mas é absolutamente necessário. É o caso particular da China com a qual foi uma loucura ter suprimido as protecções aduaneiras nas fronteiras . Mas isto é igualmente verdade com países mais próximos, mesmo no seio da Europa . Basta ao leitor interrogar-se sobre a forma eventual de lutar contra os custos de produção de cinco a dez vezes inferiores - se é que as diferenças não são ainda maiores - para confirmar que a concorrência não é viável na maioria dos casos . Particularmente, face à concorrência dos indianos e sobretudo dos chineses que além dos custos extremamente baixos da sua mão-de-obra são extremamente competentes e empreendedores.
É necessário deslocalizar Pascal Lamy, [ou sejá, é necessário deslocalizar a Organização Mundial do Comércio]!
A minha análise é que o desemprego actual se deve a esta liberalização total do comércio, a via assumida pelo G20 parece-me por conseguinte prejudicial. Vai revelar-se como um factor de agravamento da situação social. A esse respeito, constitui uma grande estupidez, a partir de um contra-senso incrível. Da mesma forma que o facto de atribuir a crise de 1929 a causas proteccionistas constitui um contra-senso histórico[1]. A sua verdadeira origem encontrava-se já no desenvolvimento inconsiderável do crédito durante os anos que precederam a crise. Ao contrário, as medidas proteccionistas que foram tomadas, mas somente depois do aparecimento da crise, puderam certamente contribuir para melhor se poder controlar os seus efeitos. Como já anteriormente tinha indicado, estamos hoje a enfrentar uma ignorância criminosa. Que o Director‑Geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, tenha declarado: “Hoje, os dirigentes do G20 indicaram claramente que esperam do ciclo de Doha: uma conclusão em 2010 “, e que este tenha pedido uma aceleração deste processo de liberalização aparece-me um engano monumental. A esta posição uma só classificação: classifico-a de monstruosa. As trocas, contrariamente ao que pensa Pascal Lamy, não devem ser consideradas como um objectivo em si, eles são apenas um meio. Este homem, que antes tinha ocupado um posto em Bruxelas anteriormente, o de Comissário Europeu do Comércio, não compreende nada, nada, infelizmente! Perante tais teimosias suicidas, a minha proposta é a seguinte: é necessário e com toda a urgência deslocalizar Pascal Lamy, um dos factores essenciais de desemprego!
Mais concretamente, as regras a aplicar são elas de uma simplicidade espantosa: o desemprego resulta das deslocalizações elas mesmas devidas às muito grandes diferenças de salários. A partir desta constatação, o que é necessário fazer torna-se imediatamente bastante evidente! É indispensável restabelecer um legítimo proteccionismo. Desde há mais de dez anos, propus que se recreassem conjuntos regionais mais homogéneos, unindo vários países quando estes apresentam as mesmas condições de rendimentos e as mesmas condições sociais. Cada uma destas “organizações regionais “ seria autorizada a proteger-se de maneira razoável contra os desvios de custos de produção que asseguram vantagens indevidas a certos países concorrentes, mantendo ao mesmo tempo simultaneamente, ou seja internamente, no interior da sua zona, as condições de uma sã e real concorrência entre os seus Estados-membros .
Um proteccionismo sustentado, racional e razoável
A minha posição e o sistema que preconizo não constituiriam uma infracção aos países em desenvolvimento. Actualmente, as grandes empresas utilizam estes países pelos seus baixos custos, mas partiriam se os salários aí aumentassem muito. Estes países têm interesse em adoptar o meu princípio e a unirem-se aos seus países vizinhos, dotados de níveis de vida semelhantes, para desenvolverem em conjunto, por sua vez, um mercado interno suficientemente vasto para apoiar a sua produção, mas suficientemente equilibrado também de modo que a concorrência interna não assente unicamente sobre a manutenção de baixos salários. Isto poderia ter a ver, por exemplo, com os vários países do leste da União Europeia, que foram integrados sem qualquer reflexão nem sequer com prazos prévios de dimensão suficiente, mas também para os países de África ou da América Latina. As ausências de uma tal protecção trará a destruição de toda a actividade de cada país que tenha rendimentos mais elevados, ou seja de todas as indústrias da Europa Ocidental e dos países desenvolvidos. Porque é evidente que com o ponto de vista doutrinário do G20, toda a indústria francesa acabará por partir para o exterior. Parece-me escandaloso que empresas que são o fermento dos sítios rentáveis na França despeçam pessoal enquanto se vão colocar e trabalhar em zonas de menores custos, como foi o caso no sector dos pneumáticos para automóveis, com os anúncios feitos desde a Primavera por Continental e Michelin. Se nenhum limite for posto, o que vai acontecer pode já ser anunciado aos Franceses: um aumento da destruição de empregos, um crescimento dramático do desemprego não somente na indústria, mas também tanto na agricultura como nos serviços.
Deste ponto de vista, é verdade que não faço parte dos economistas que empregam a palavra “bolha”. Que haja movimentos que se generalizam, estamos de acordo, mas este termo “de bolha” parece-me impróprio para descrever o desemprego que resulta das deslocalizações. De facto, a sua progressão reveste um carácter permanente e regular, desde há mais de trinta anos até agora. O essencial de desemprego de que nós sofremos - muito pelo menos do desemprego como este que se nos apresenta até 2008 - resulta precisamente desta libertação desmedida do comércio à escala mundial sem ninguém se estar a preocupar-se com os níveis de vida. O que se produz é por conseguinte outra coisa que uma bolha, é sim um fenómeno de fundo, estrutural, da mesma maneira que o é a liberalização das trocas, e a posição de Pascal Lamy constitui efectivamente uma posição sobre o fundo.
Crise e mundialização estão ligadas
Os grandes dirigentes mundiais preferem, quanto a eles, tudo reduzir a questãoes monetárias mas isto representa apenas uma parte das causas do problema. Crise e mundialização: as duas estão ligadas. Regular apenas o problema monetário não seria suficiente, não regularia a questão essencial que é a liberalização nociva das trocas internacionais. O governo atribui as consequências sociais das deslocalizações a causas monetárias, é um erro louco, estúpido.
Pela minha parte, combati as deslocalizações nas minhas últimas publicações (2). Conhece-se por conseguinte um pouco a minha mensagem. Enquanto que os fundadores do mercado comum europeu a seis tinham previsto prazos de vários anos antes de liberalizarem as trocas com os novos membros entrados em 1986 , a seguidar , abrimos a Europa sem nenhuma precaução e sem se estar a deixar nenhuma protecção externa perante a concorrência de países dotados de custos salariais tão fracos que defendermo-nos deles seria ilusório. Alguns dos nossos dirigentes, depois disso, mostram-se surpreendidos com as consequências!
Se o leitor quisesse na verdade retomar as minhas análises do desemprego, tal como as publiquei nas duas últimas décadas, verificaria que os acontecimentos [ relativos ao desemprego de massa] que actualmente vivemos não somente aí estão anunciados como aí se descrevem com detalhe. No entanto, estes textos beneficiaram apenas de um eco cada vez menor na grande imprensa. Este silêncio leva a que nos interroguemos.
Um prémio Nobel… télé-espectador
Os comentadores em economia que vejo exprimir-se regularmente na televisão para analisar as causas da actual crise são frequentemente os mesmos que aí vinham anteriormente para para analisar a boa conjuntura com uma total serenidade . Não tinham sequer anunciado a chegada da crise, e não propõem, na maior parte deles, nada de sério para dela sair. Mas convidam-nos ainda. Pela minha parte, não era convidado a vir à televisão quando anunciava, quando escrevia, desde há mais de dez anos, que uma crise essencial acompanhada de um desemprego descontrolado iria em breve aparecer. Faço parte daqueles que não foram admitidos para explicar aos Franceses quais são as origens reais da crise enquanto que eles ficaram privados de qualquer poder real sobre a sua própria moeda, para pleno proveito dos banqueiros. No passado, transmiti a certas certas emissões sobre economia a que assistia como télé-espectador, a mensagem que estava disposto a ir falar daquilo em que se tornaram progressivamente os bancos actuais, sobre o papel verdadeiramente perigoso dos traders, e porque é que certas verdades não são ditas sobre os mesmos . Nenhuma resposta, nem sequer mesmo negativa, veio de nenhuma cadeia de televisão e isto durante anos.
Esta atitude repetida levanta um problema relativamente aos grandes meios de comunicação social em França: certos peritos são autorizados a lá ir enquanto outros, são proibidos. Embora seja um perito internacionalmente reconhecido sobre as crises económicas, nomeadamente sobre a de 1929 ou de 1987, a minha situação presente pode-se por conseguinte resumir da maneira seguinte: sou um télé-espectador . Um prémio Nobel… télé-espectador. Encontro-me assim face aos que afirmam os especialistas regularmente convidados, quanto a eles, sobre os palcos de televisão, face a certos universitários ou analistas financeiros que garantem bem compreender o que se passa e que sabem o que é necessário fazer. Enquanto que realmente não compreendem nada. A sua situação assemelha-se à que constatei quando voltei para os Estados Unidos em 1933, com o objectivo de estudar a crise profunda que aí grassava, os sem emprego e os sem abrigo: havia uma incompreensão intelectual total sobre o que se estava a passar. Hoje igualmente, estes peritos enganam-se nas suas explicações. Alguns enganam-se duplamente ignorando a sua ignorância, mas outros, que a conhecem e no entanto a disfarçam, enganam assim, todos eles, os Franceses.
Esta ignorância e sobretudo a vontade de a esconder graças à certos meios de comunicação social denotam a degradação do debate e da inteligência, devido a interesses específicos frequentemente ligados ao dinheiro. Interesses que desejam que a ordem económica actual, que funciona bem a seu favor, perdure tal como ela é. Entre estes encontram-se em especial as multinacionais que são os seus principais beneficiários, em conjunto com os meios bolsistas e bancários, de um mecanismo económico que os enriquece, enquanto se empobrece não só a maioria da população francesa mas também a maioria da população mundial.
Pergunta chave: qual é a verdadeira liberdade dos grandes meios de comunicação social? Falo da sua liberdade em relação ao mundo da finança tanto quanto às esferas da política.
Segunda pergunta: quem é que assim detém o poder de decidir que um perito está ou não autorizado a exprimir um livre comentário na imprensa?
Última pergunta: porque é que as causas da crise tais como são apresentadas aos Franceses por estas personalidades convidadas são frequentemente o sinal de uma profunda incompreensão da realidade económica? Tratar-se-á apenas da sua parte de ignorância? É possível para certo número de entre eles, mas não para todos. As pessoas que detêm este poder de decisão deixam-nos a escolha entre ou ouvir ignorantes ou ouvir mentirosos.
(1) L'Europe en crise. Que faire ?, éditions Clément Juglar, Paris, 2005.
(2) Notamment : la Crise mondiale aujourd'hui, éditions Clément Juglar, 1999, et la Mondialisation, la destruction des emplois et de la croissance : l'évidence empirique, éditions Clément Juglar, 1999
[1] Nota de Tradução: com textos de Jacques Sapir e de Dan Rodrick haveremos de retomar no estrolábio esta mesma questão ou esta mesma mentira. Prometido, fica!
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