Sílvio Castro Um Novo Coração
Capítulo 3
Mas urge não esquecer que antes de chegar a Arco muitas coisas me aconteceram em pouco mais de dois meses e se fizeram razão de minha procura da “Casa de Saúde”. Somente contando tudo quanto foi então vivido poderei transmitir o sentido mais profundo dos dezesseis dias que passarei em Arco e das ressonâncias mais indistintas do quase mistério desses dias.
Tudo começa em Veneza na noite-véspera do Ano Novo de 2005. Anna Rosa e eu saímos de nossa casa prontos para conviver em grupo na casa de amigos a expectativa da passagem do Ano. Caminhando na direção do embarcadouro da parada de Ca’ Rezzonico não se poderia evitar notar a movimentação geral da gente movida pela festa. O frio é intenso, pré-anúncio de um inverno cruel. Pelo menos assim eu o sentia enquanto caminhava na direção do Canal Grande onde chegaria o vaporeto que nos traguetaria para a outra margem do canal e para a festa. O frio me tornava lento no caminhar pelos duzentos metros que vão de nossa casa ao embarcadouro, e meus passos não sabiam acompanhar a segurança daqueles de Anna Rosa. Os duzentos metros se faziam muito longos pela falta de ar que repentinamente me tomava e eu ignorava se me seria dado chegar à parada antes de ceder definitivamente ao mal-estar que me assaltava com o ar frio da noite e com o peso de uma crueldade que dela vinha. Meu estomago parecia ofendido por uma força que revoltava todos os meus movimentos e a cada difícil passo cada vez mais eu tomava consciência de que dentro em pouco não mais saberia que caminhava com minha mulher na direção de uma festa desejada, nem que então eu poderia dizer-lhe já não posso continuar, estou por perder os sentidos.
Volto a retomar os sentidos dentro de um motoscafo-sanitário de pronto-socorro que corre desabalado pelas águas do Canal Grande, em meio às meias-luzes de uma Veneza serena na expectativa do Ano Novo. O enfermeiro me assiste, me consola e me limpa de todos os vômitos que meu estômago revoltado verte sobre a coberta de lã que me protege contra o frio. Na noite aquática os vômitos se confudem com o lusco-fusco exterior da cidade e com a sirene incessante do motoscafo na corrida para chegar ao hospital. Por toda a corrida desabalada do motoscafo Anna Rosa me contempla aflita.
Chegados, já não mais vomito e me sinto com a leveza de um pintassilgo, certamente aquele do nosso jardim veneziano, o mesmo que voa e salta, voa e salta e caminha na direção do nosso gato Mino que o espreita na serenidade de uma caça segura.
Agora é já o Ano Novo e me encontro deitado numa cama do hospital. Ao meu lado está uma segunda cama e ao fundo do quarto, uma terceira. Ainda não vejo aqueles que as ocupam porque me fixo tão somente sobre mim para tentar compreender aonde estou e como me sinto.
(continua)
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