Quinta-feira, 19 de Maio de 2011

A televisão que temos (a televisão é para estúpidos?) – II, por Carlos Loures

 

 

 

 


 

 

Disse ontem que não percebia porque é que se gastava o dinheiro dos contribuintes em lixo, mas foi uma força de expressão, pois percebo perfeitamente as razões dessa aberração - a RTP está na guerra das audiências com a TVI e com a SIC e para isso precisa de baixar o nível cultural das suas emissões. À medida que os canais da concorrência vão descobrindo fórmulas de atrair audiências com concursos tontos, com telenovelas onde tudo é mau, do enredo às interpretações, passando pela realização, a RTP vai atrás, sempre atrás, imitando, procurando ir mais abaixo nesta espiral descendente, que não sabemos onde irá parar. O serviço público de televisão não deveria entrar nessa competição. com os canais privados. A sua função deveria ser informar, formar, divertir educando… Mesmo correndo o risco de perder telespectadores. Mantê-los servindo-lhes programas que competem em falta de qualidade com a «concorrência», vendo quem consegue exibir o lixo mais nauseabundo, não é prestar um serviço público.

 

Woody Allen, disse algures que, na Califórnia, não se deve deitar fora o lixo - «Eles reciclam-no sob a forma de programas de televisão». O problema é que este conselho passou a ser válido fora da Califórnia, mesmo na Europa, particularmente em Portugal. Dissemos num texto anterior que as palavras cultura e televisão estavam a deixar de fazer sentido quando aparecem em conjunto; em contrapartida, a palavra lixo, coaduna-se perfeitamente com a televisão que se faz dos nossos dias.

 

Gustavo Bueno, o pensador espanhol, criador do conceito de Materialismo Filosófico, publicou em 2002 um livro a que chamou «Telebasura y democracia», ou seja «Telelixo e Democracia». O subtítulo da obra é elucidativo - «cada povo tem a televisão que merece». Afirmação que tem graça, mas que não pode corresponder à verdade. Quando um povo é muito inculto tem tendência a preferir programas fúteis, idiotas mesmo. Isso não significa que «mereça» que lhe sirvam o lixo que ele prefere.

 

É uma interpretação muito redutora do princípio democrático que obriga a respeitar a vontade das maiorias, esquecendo que é função das instituições democráticas do Estado proporcionar meios para as pessoas elevarem o seu nível cultural e educacional. Tanto mais que, neste caso, a vontade da maioria prejudica essa maioria e beneficia o negócio. Mas, aparte este slogan que não sei se é da autoria de Bueno ou de algum «génio» do marketing, o livro é muito interessante. Não conheço tradução em língua portuguesa, mas tudo o que ali se diz sobre a qualidade da televisão espanhola é aplicável, por maioria de razão, à televisão portuguesa que, pelo que tenho visto, consegue ser pior do que a do estado vizinho, embora isso pareça difícil. Para além do lixo servido como entretenimento e que cria dependência nos telespectadores, há a vertente política de um meio que Karl Popper, como já vimos noutro texto anterior, não hesitou em classificar como «um perigo para a democracia»

 

O eixo temático do livro de Gustavo Bueno é a observação sistemática que o filósofo fez sobre o Big Brother (Gran Hermano, na versão espanhola), programa visto diariamente por onze milhões de telespectadores. Os níveis de abjecção e de indigência mental alcançados em Espanha, parecem não terem ficado nada a dever aos que em Portugal se atingiram. Porque, como afirma Gustavo Bueno, os índices de audiência na sociedade democrática é que orientam a produção de novos programas. E Bueno remata o raciocínio dizendo que não será por razões éticas ou morais, «mas sim por razões de simples sobrevivência democrática». E cita Lope de Veja, grande dramaturgo espanhol dos séculos XVI e XVII: «homem de teatro que conhecia as leis do mercado séculos antes da televisão: “Se o vulgo é néscio, é justo falar-lhe néscio para lhe dar prazer.”» Será verdade que o néscio e o inculto, por uma questão de preguiça intelectual, têm prazer em que lhes falem na linguagem e segundo os conceitos que melhor dominam, sem terem que fazer esforço mental.

 

Mas, seguindo este critério, o néscio nunca deixará de o ser.

publicado por João Machado às 21:00
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2 comentários:
De Paulo Rato a 20 de Maio de 2011
A ideia de que a Rádio e Televisão públicas se devem retirar por completo da luta pelas audiências é sedutora e... redutora. Errada. Porque, mais uma vez, superficial.
A noção que têm disto os responsáveis de algumas congéneres estrangeiras levou-os a óbvios exageros. O Big Brother passou na BBC. Não sei é se os privados lá do sítio tiveram as reacções pavlovianas do Dr. Balsemão.
Um canal público, para ser eficaz, tem de manter um nível razoável de audiência, que perderia se fosse impedido de recorrer a alguma programação de âmbito mais "popularucho": para que, pelo menos, parte dessa audiência se vá aproximando de conteúdos mais "substanciais"; e para manter alguma tensão qualitativa em relação aos operadores privados. Na realização prática destes pressupostos, tudo irá depender do modo como se procura (ou não!) criar um equilíbrio entre o "ideal" e o "eficaz". Sendo que, para acertar, não raro se passa pelo erro. No caso português, ainda se mantém, com alguma intensidade, a tentação de quem exerce o poder de influenciar, em seu favor, este serviço público (SP) - o "grande argumento" do Dr. Pacheco Pereira contra ele, postulando que sempre assim será, i.e., confessando que, se fosse poder, não resistiria a essa tentação... Nada, no entanto, que se possa comparar com o que se passou em fases anteriores. E não esqueçamos as acusações, que se cruzam pelos ares pátrios, de iguais tentações em relação aos privados...
Uma coisa é assumir que o serviço público não se deve guiar pela submissão ao gosto "popular", ao contrário dos operadores privados, para quem tal submissão é, aparentemente, o único guia e farol; e digo "aparentemente" porque, mais uma vez, se escavarmos a superfície do espectáculo televisivo, encontramos, como factor decisivo, a intenção deliberada de manter as populações na mais lata das ignorâncias. A inocência não existe...
Bem diferente é alimentar a ideia de uma estrutura conceptual que aprisione o SP num círculo restrito de temas e estilos, que pode ser o sonho de uma elite cultural, mas acabará por restringir a sua audiência a essa elite, não funcionando para lá dos seus limites. É o que, reiteradamente, tem pretendido fazer o PSD, quando propõe retirar canais ao SP e, basicamente, desmembrá-lo.
O SP tem o dever de servir as elites que referi...
E...
um círculo bem mais vasto de cidadãos.
A alternativa, para não desembocarmos numa democracia completamente aldrabada, seria a imposição aos operadores privados de um conjunto de obrigações - incluídas nos respectivos "cadernos de encargos" - que levantaria um coro indignadíssimo de protestos contra a "ingerência do Estado"...
O exemplo mais claro de falsa democracia e liberdade ilusória é o que se passa nos EUA, com um SP de grande qualidade e reduzidíssima audiência e um conjunto de operadores privados que - pese embora a qualidade de "algum" do jornalismo e da programação que se praticam, "algumas" vezes, em "alguns" deles - decidem da vida e morte dos seus programas com base, exclusivamente, nas audiências. E, quando se trata de processos eleitorais - base do sistema democrático - só a quem tem dinheiro para pagar tempos de antena é permitido divulgar, junto dessas audiências maioritárias, que "pertencem" a esses operadores, as suas ideias e propostas: Liberdade = Dinheiro. Estamos fartos de ouvir proclamar a "igualdade de oportunidades" vigente nos USA... só que umas são mais iguais do que outras...
A democracia e as suas bases fundamentais de sustentação, não se eliminam, mesmo quando funcionam mal: reparam-se, reforçam-se, reconstroem-se.
As leis que regulam o SP - e também o privado! - de rádio e televisão, em Portugal, continuam a ser inadequadas, além de desrespeitadas e não aplicadas com o rigor exigível (se o fossem, os operadores privados ou teriam desaparecido ou já não seriam os mesmos). A sua alteração e posterior aplicação rigorosa é que deveria ser exigida e constar dos programas dos partidos que concorrem ciclicamente a eleições. O resto é "conversa mole p'ra boi dormir"...

De Carlos Loures a 20 de Maio de 2011
Raciocínio impecável o teu, Paulo... numa lógica capitalista. Digamos que o teu comentário acerta o passo por aquilo a que se chama pragmatismo.
Dizer que o serviço público tem de competir com os canais privados, bem, é o mesmo que ficar calado. Todos sabemos que as coisas funcionam assim neste sistema - a BBC também teve o Big Brother? E o que temos nós a ver com isso? Esse «sentido das realidades», que não deixa margem para a utopia de uma realidade diferente, surpreende-me vindo de ti. Experimenta aplicar esse realismo e objectividade à política e verificarás que a luta da Esquerda é irrealista - pois se até a Grã-Bretanha, a Alemanha, a Rússia e os Estados Unidos se guiam pelo modelo neo-liberal...

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